Divino Espirito Santo: as remotas raízes do festejo (1ª parte)

Dentre os inúmeros pesquisadores que se debruçaram sobre as origens do Festejo do Divino Espírito Santo, destaca-se a contribuição do sociólogo, etnólogo e etnógrafo português Moisés Espírito Santo Bagagem

Fonte: Paulo Melo Sousa para o JP Turismo

 

Dentre os inúmeros pesquisadores que se debruçaram sobre as origens do Festejo do Divino Espírito Santo, destaca-se a contribuição do sociólogo, etnólogo e etnógrafo português Moisés Espírito Santo Bagagem (nascido em Rebolaria, Batalha, Portugal, em 1934). O estudioso foi professor da Universidade Nova de Lisboa até 1995, quando foi promovido a professor catedrático, sendo jubilado em 2004. Enveredando pelo segmento da sociologia das religiões, ele foi, dentre outras inúmeras incursões no âmbito da pesquisa, fundador e presidente do “Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões” da Universidade Nova de Lisboa, e fundador e diretor da “Revista Fórum Sociológico”, ligada ao Departamento de Sociologia dessa mesma universidade.

Das suas obras publicadas, sobretudo no que se refere à história das religiões, destacam-se La Religion des Paysans Portugais (Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1978), Religião Popular Portuguesa (2ª Edição, Assírio e Alvim, 1988) e Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa – seguido de: Ensaio Sobre Toponímia Antiga (Lisboa, Assírio e Alvim, 1988).

Relativamente ao festejo do Divino Espírito Santo, defende o estudioso português a tese de que as origens dessa festa estariam assentadas nas antigas celebrações de povos pagãos, que teriam sido assimiladas pelos judeus. Segundo ele, os hebreus festejavam o shabüoth ou shavuot (de acordo com a Torá), celebração que acontecia 50 dias após o término da Páscoa, marcando no calendário agrário judaico o encerramento da colheita do trigo. No Antigo Testamento, segundo o livro do Êxodo, eram existiam três grandes festas entre os israelitas: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos.

LEVANTAMENTO DO MASTRO DO IMPERADOR EM ALCÂNTARA

Importante lembrar que o Pentecostes é celebrado ao final da primavera europeia, coincide com o início da colheita do trigo, e nos cultos pagãos, ligados a rituais agrários, as festas estavam relacionadas à Roda do Ano (festas que marcam os solstícios e equinócios, ligadas às estações do ano, e festas no meio de uma estação a outra) e ligadas a agradecimentos pelas boas colheitas. O Antigo Testamento dá um testemunho a respeito disso: “… cinquenta dias depois que ofereceram esse feixe, apresentem a Deus, o Senhor, outra oferta da colheita de cereais. Cada família deverá apresentar dois pães feitos com a melhor farinha e com fermento. Cada pão deverá pesar dois quilos. Esses pães são uma oferta a Deus, o Senhor, tirada da melhor parte da colheita de trigo.” (Levítico 23:16-17).

Desde o início, já sob o domínio do cristianismo, o festejo do Divino Espírito Santo teve duas faces, a sagrada e a profana. Na Baixa Idade Média europeia, a partir do século X, a manifestação começou a se disseminar, evoluindo durante os cinco séculos seguintes. É nessa época que se destaca o pensamento do abade Joaquim de Fiore, também conhecido por Gioacchino da Fiore, Joaquim de Fiori, Joaquim, abade de Fiore ou Joaquim de Flora, que nasceu na cidade de Celico, província de Cosenza, na Calábria – Itália – em 1132 e morreu a 30 de março de 1202, num sábado de aleluia. Foi filósofo místico, defensor do milenarismo (ou milenialismo: referente a uma doutrina religiosa, baseada na Bíblia – Apocalipse 20:1-10), que afirma que haveria o regresso de Jesus Cristo para constituir um reino espiritual com duração de mil anos e do advento da Idade do Espírito Santo. O seu pensamento deu origem a diversos movimentos filosóficos, com destaque para os joaquimitas e florenses.

O IMPÉRIO NA IGREJA DO CARMO EM ALCÂNTARA

Joaquim de Fiore passou a vida inteira estudando a Bíblia e, a partir da sua interpretação das Escrituras Sagradas, inferiu que na história do mundo e da própria Igreja teriam existido três Idades, correspondentes às três Pessoas da Santíssima Trindade. Seriam elas as Idades do Pai, da revelação do Novo Testamento e da fundação da Igreja de Cristo e a Terceira Idade, sob o poder da Terceira Pessoa, com o respectivo advento do Império do Divino Espírito Santo, sob o domínio do qual as leis ou as Igrejas, tidas como guardiãs da fé seriam desnecessárias, já que, segundo ele, qualquer um poderia adquirir o status de Imperador, posto que a sabedoria divina, sob a luz do Espírito Santo, alcançaria a todos os seres humanos de forma igualitária.

Joaquim de Fiore viveu na mesma época que São Francisco de Assis. No meio dos seguidores deste santo vicejou um movimento que defendia as ideias de Fiore, que ficaram conhecidos como “franciscanos joaquimitas”, radicalizando as ideias do abade, com pregações que afirmavam a ressurreição de São Francisco de Assis. Após a morte de Fiori, em 1202, as principais ideias da sua doutrina foram condenadas no Concílio de Latrão (1215), e pelo papa Alexandre IV (em 1256). No entanto, as proposições do abade não foram abandonadas. A partir da Itália atingiram a Alemanha e, mais tarde, os demais países europeus.

Na época em que o abade Fiore desenvolvia e pregava suas ideias, entre os anos de 1197 e 1218, na Alemanha, o Imperador Othon IV (1175-1218), pertencente à dinastia Welf de Brunswick-Luneburgo, líder do Sacro Império Romano Germânico, criou uma instituição sob a égide do Divino Espírito Santo. A finalidade era ajudar as pessoas assoladas pela fome que grassou na Europa no início do século XIII, em forma de esmolas destinadas aos pobres em momentos de fome. A partir dessa ação surgiram nesse país festas religiosas voltadas ao culto do Divino Espírito Santo, segundo consta na obra “Elucidário Madeirense”, coordenada pelo padre Fernando Augusto da Silva (1921).

Segundo informa o pesquisador Jonas Soares de Souza, “a instituição nasceu com um gesto simbólico durante a celebração eucarística, na qual escolheram uma criança pobre que se sentou na cadeira do trono imperial e o imperador Othon, juntamente com os seus servos serviram como pajens”. Ao fim da celebração o sacerdote colocou a coroa do imperador sobre a cabeça da criança. Completa Soares de Souza: “… sendo entoado o Veni Creator Spiritus: ‘Vem, criador Espírito de Deus, / Visita o coração dos teus fiéis, / E com a graça do alto os purifica. / Paráclito do Pai, Consolador, / Sê para nós a fonte de água viva, / O fogo do amor e a unção celeste, / Nos sete dons que descem sobre o mundo, / Nas línguas que proclamam o Evangelho, / Realiza a promessa de Deus Pai’. Essa prática simbólica caiu nas graças da nobreza germânica da época, sendo reproduzida a partir de então de forma cerimonialista nas celebrações subsequentes, sendo utilizada desde então uma réplica da coroa imperial, denominada a partir de então de “Coroa do Espírito Santo”.

Tendo como substrato essa versão, a partir de então foram realizados de forma mais organizada os festejos do Divino Espírito Santo, tendo o culto se disseminado rapidamente pelo restante da Europa. A celebração estaria associada, na França, de acordo com diversos pesquisadores, com as “Folias do Bispo Inocente” (São Martinho de Tours), que ocorria no dia 11 de novembro. Reza a lenda que esse santo, ao esbarrar num caminho de terra com um homem miserável sofrendo com o frio intenso que fazia na ocasião, teria apeado do seu cavalo e coberto o pobre homem com as próprias vestes. Pouco tempo depois Martinho teria tido uma visão, na qual lhe aparecera Cristo Jesus, revelando-lhe o fato de que o pobre no caminho, que fora agasalhado, seria ele, o próprio Cristo. (continua na próxima semana).

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