Audiência debate propostas para o transporte público de São Luís

Os participantes concordaram que é primordial, antes da retirada dos cobradores, um processo adequado de informatização do sistema de passagens no transporte público de São Luís

Da redação: Gustavo Bogea

Durante audiência pública realizada nesta segunda-feira (10), na Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, convocada pelo deputado Duarte Jr, para debater o impacto da retirada dos cobradores dos ônibus de São Luís, foram apresentados motivos para que a medida seja suspensa pela Justiça. Dentre eles estão a necessidade da informatização do sistema de passagens no transporte público da capital maranhense; o impacto que a medida irá causar para as pessoas com deficiência; a sobrecarga aos motoristas; o desemprego em massa e o prejuízo à mobilidade urbana.

Só em São Luís, há cerca de 253.621 pessoas com deficiência, ou seja, 13,5% dos usuários do transporte público em uma das cidades com pior acessibilidade do país, informou, com base em dados do IBGE, a advogada e ativista dos direitos da pessoa com deficiência, Isabelle Passinho. Segundo Isabelle, a pessoa com deficiência é auxiliada pelo cobrador, que aciona os elevadores, que na maioria das vezes não funciona. Com a retirada dos cobradores, esse serviço vai ficar ainda mais precário, alertou.

Paulo Júnior, cadeirante e usuário do transporte público presente na audiência, reforçou que a retirada vai gerar impactos maiores para os cadeirantes. “É um retrocesso, é inadmissível”, disse Júnior, que pega ônibus todo dia às 17h para chegar à faculdade, duas horas depois. A demora, segundo ele, é gerada pela escassez de ônibus com elevadores funcionando.

Para os rodoviários haverá uma sobrecarga e uma precarização ainda maior da rotina de trabalho. Luís Câmara, rodoviário há 33 anos, assegura que agora os motoristas terão mais pressão, além das preocupações do trânsito. “Dirigimos pela gente e pelos outros. Mas quando olhamos para trás, tem um parceiro que auxilia, que é o cobrador, então já é mais uma preocupação para o motorista. Você dirigir, cobrar, passar troco e ficar de olho nos retrovisores e nas portas”, lamentou.
Informatização do sistema

Os participantes concordaram que é primordial, antes da retirada dos cobradores, um processo adequado de informatização do sistema de passagens no transporte público de São Luís. Diante da questão, o deputado Duarte Jr já havia protocolado, por meio do Ibedec (Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo), uma ação civil pública pedindo a suspensão imediata da retirada dos cobradores e a informatização do sistema de passagens.

“Propus que em São Luís aconteça o mesmo processo de Curitiba. A informatização do sistema de passagens, com a introdução de cartão magnético para todos os passageiros”, informou o deputado.

Segundo o parlamentar, Curitiba é exemplo a ser seguido, pois, além da modernização, nenhum cobrador ficou desempregado. “Pelo contrário, foram capacitados e treinados para desempenhar novas funções. Além disso, a medida fere a legislação trabalhista.”

Além da precarização de um serviço público essencial e um direito social, previsto no artigo 6º da Constituição, a falha com relação à venda de créditos eletrônicos também contraria os artigos 14 e 20 do Código de Defesa do Consumidor. Para Marcos Lima, chefe do jurídico do Procon, serão necessárias ações de melhoria no sistema de transporte público além da informatização.

“É preciso racionalizar as linhas, instalar melhores estruturas nas paradas, pontos de venda de crédito eletrônico pulverizados nos bairros, com aproveitamento dos cobradores pra atuar nestes postos”, avalia Lima.

O defensor público Marcos Fróes, do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública, relatou o caso de uma cobradora que estava em pé num ônibus, na área antes reservada para seu posto de trabalho, já sem a cadeira, orientando um motorista em treinamento para atuar na ausência da profissional. Para ele, além dos cobradores estarem correndo o risco do desemprego, a mudança pode causar mais vítimas. “Não acredito que o transporte público de São Luís esteja preparado para funcionar sem cobradores. Os hipossuficientes, os moradores das periferias, são os que mais vão sofrer com essa mudança”, avalia.

A diretora do Ibedec, Ana Brandão, informou que a demissão de 20% dos 2.500 cobradores, conforme anunciado pelo SET, precisa de soluções coletivas com resultados também coletivos. “Temos que buscar soluções. Nos países de primeiro mundo há investimento em transporte. Na cidade, o que tem que funcionar é o serviço público para todos”, declarou.

Duarte Jr também destacou a necessidade de uma visão coletiva na busca de soluções. “Quem toma as decisões não anda de ônibus. Não sabem as dificuldades da população. Discutir o transporte é algo complexo. É preciso ter visão coletiva. É necessário melhorar muitos aspectos, como as paradas e tornar as calçadas acessíveis”, disse o deputado que, quando foi presidente do Procon, esteve à frente de uma ação que retirou de circulação ônibus que estavam há 15 e até 18 anos em atividade.

Precarização de direitos e possíveis soluções

Isaías Castelo Branco, presidente do Sindicato de Trabalhadores em Transporte Rodoviários do Maranhão (Sttrema), revela que, em agosto de 2018, o SET já havia proposto a retirada não de 20%, mas de 100% dos cobradores. “A reforma trabalhista foi danosa para a nossa categoria, os empresários querem a terceirização. Até dezembro ocorreram negociações. Estamos preocupados com a jornada intermitente e com a terceirização. Infelizmente, a reforma trabalhista torna o sindicato inviabilizado para a luta”, afirmou.

Duarte Jr informou que, até agosto, deve ocorrer audiência judicial com a Vara de Interesses Difusos e Coletivos de São Luís. Dentre as possíveis soluções para o problema, figuram o estabelecimento de medidas para abrandar os efeitos da retirada dos cobradores. Além disso, será solicitado um planejamento para a modernização eficiente do sistema de passagens, um cronograma da retirada e o reaproveitamento dos trabalhadores em outras funções. Estas questões trabalhistas ainda não chegaram ao Ministério Público do Trabalho (MPT), segundo o procurador Luciano Aragão.

“A demanda não chegou ao MPT, não foi feito nenhum pedido de mediação ao órgão”, informou Aragão, que esclareceu que o transporte público é atividade de natureza pública, não privada, portanto, sujeito a regras de interesse coletivo. “Deve passar por um processo licitatório e está sujeito a regularidade, eficiência, segurança e modicidade das tarifas. É direito do consumidor receber um serviço adequado. A demissão dos cobradores atende ao interesse público?” O procurador acrescenta que o acúmulo de funções pelo motorista é incompatível com a garantia de qualidade e segurança no trabalho exigida pela lei. “Esse acúmulo de funções, somado à mobilidade urbana precária da cidade, vai afetar ainda mais o que já é considerado trabalho de risco pela corte superior trabalhista”, conclui.

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