Curtas, mostras competitivas e homenagem a Carla Camurati marcam 2º dia do Festival

Segundo dia do 47º Festival de Gramado é marcado por mostras competitivas, curtas e homenagem a Carla Camurati

Da redação: Vinicius Bogea

Por Márcio Sallem, correspondente especial JP

Gramado/RS

17/08/2019

A temperatura caiu uma dezena de graus na Serra Gaúcha e, junto a ela, a cerração, leia-se neblina. Entretanto, engana-se quem pensa que o Festival, somente em seu segundo dia, já esfriou.

Poderia parecer que sim depois da primeira sessão da noite de ontem, composta pelo curta-metragem paranaense “A Mulher que Sou”, de Nathália Tereza, e a pitoresca produção equatoriana “A Son of Man – La Maldición del Tesoro de Atahualpa”, de um certo Jamaicanoproblem… sim, é este o pseudônimo com que assassina o co-diretor e ator Luis Felipe Fernández-Salvador y Campodónico.

Com a aparência de Ringo Starr, mas de cabelos compridos e bigode afinado nas pontas, e vestido com um macacão de listras de tigre coberto com casaco jeans, Jamaicanoproblem apresentou seu trabalho de estreia como sendo uma narrativa factual, com personagens reais interpretando eles próprios. É o alerta presente nos letreiros que antecedem a exibição do filme e apenas a brincadeira de um diretor que procura contar uma história tradicional, a reunião de pai e filho separados pelos ano, em torno de uma missão impossível, a busca do tesouro perdido do último Sapa Inca, Atahualpa.

Pense no Tesouro de El Dorado ou na busca de Percy Fawcett por “Z – A Cidade Perdida”, agora com tom cômico, em que uma personagem aparece, despreocupadamente, sobre sua boia de flamingo rosa ao som da canção Mr. Sandman, logo depois da referência explícita à “O Poderoso Chefão” na forma da cabeça de um bode. Poderia funcionar se não fosse desastroso, já que Jamaicanoproblem não decide como quer contar a história e sua ambição artística termina por soar mera pretensão.

Contudo, darei o braço a torcer: a fotografia é belíssima, arrebatadora e há muito não via cenas filmadas por drones com tamanha qualidade e nitidez, a ponto de se misturarem sem que percebamos com a filmagem tradicional. A produção percorre o coração da floresta amazônica no Equador, que o diretor insistiu serem caminhos jamais percorridos por índios ou colonizadores na história (quem acredita nisto?), além de evocar uma beleza primitiva e sagrada que quase, eu disse quase, torna mais suportável a cacofonia narrativa.

No intervalo entre a primeira sessão e a subsequente, o Festival de Gramado premiou a atriz e diretora Carla Camurati, cujo trabalho detrás das câmeras, “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, é o marco zero do movimento cinematográfico brasileiro denominado Retomada, após o hiato criativo resultante da extinção da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) pelo ex-presidente Fernando Collor. Carla se tornou a recipiente do Troféu Eduardo Abelin, em homenagem ao diretor responsável por “O Castigo do Orgulho” (1927) e “O Pecado da Vaidade” (1932).

Após a homenagem, demorou cerca de 1 hora para que o Palácio dos Festivais fosse tomado pelo público gaúcho que viera prestigiar seu representante na mostra competitiva de longas-metragens, “Raia 4”. Antes dele, o doce e otimista curta-metragem pernambucano “Marie”, que retrata o retorno da personagem-título, uma mulher transexual, ao sertão para enterrar o pai falecido.

Um bom aperitivo para o que viria a seguir com um tipo de narrativa denominada estudo de personagem, mais preocupada em analisar as ações e reações do protagonista em torno dos eventos que o circundam, do que em retratar objetivamente uma situação particular, como acontece em boa parte da produção. É quando conhecemos Amanda, pré-adolescente a dias de entrar na puberdade e que encontra, no fundo da piscina, a paz e silêncio para desligar o mundo do lado de fora.

Interpretada por Brídia Moni, que recorda a atriz Kristen Stewart não apenas fisicamente, mas na forma como seu rosto é uma tela em branco preparada para dissimular o espectador a respeito do que sente e para que o diretor Emiliano Cunha possa imprimir sua visão, Amanda enfrenta a atração por / rivalidade com uma colega de time de natação, Priscila, e o complexo de Electra que a impele a invejar a mãe, que denomina em um instante de ‘aquela mulher’, e a desejar, não sexualmente, porém psicologicamente, a presença do pai ausente, um médico cirurgião que ou está no hospital ou a frente da televisão ou bebericando taças de vinho.

À medida que o tempo passa, vamos descascando camadas da personalidade de Amanda. Aqui, ela sorri espontaneamente durante uma brincadeira de verdade e consequência. Depois, retrai-se amuada no canto mais escuro de sua mente, em uma jornada que a levará a um dos finais mais imprevisíveis e, vejam só, harmonizados que você assistirá nesta edição do Festival de Gramado.

Confira a crítica completa dos longas metragens no site Cinema com Crítica e amanhã volto com mais sobre Gramado.

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