Filme cearense “Pacarrete” é ovacionado no 47 º Festival de Gramado

Inspirado em fatos reais, Pacarrete, do diretor Allan Deberton, foi muito aplaudido no 5º dia do Festival

Da redação: Vinicius Bogea

Por Márcio Sallem, correspondente especial do JP 

Gramado/RS

Salve, leitores cinéfilos. Confesso que, excetuando “Bacurau”, ainda não havia assistido, nas mostras competitivas do 47º Festival de Cinema de Gramado, àquele filme que enchesse meus olhos. Isto considerando, inclusive, os curtas-metragens em exibição. Até que começou o dia 21.

O cearense “Pacarrete” é ovacionado

Inspirado em fatos reais, o cineasta Allan Deberton viajou à cidade de Russas, no interior do Ceará, a semanas da celebração dos bi-centenário da cidade. É a oportunidade para que a não tão doce e desbocada Pacarrete – apropriação do termo francês pâquerette, tradução de margarida – proponha, digo imponha à secretaria de cultura da cidade que a comemoração seja com um balé de sua autoria e inspirado em Anna Pavlova. A recusa é imediata: não só a senhora não é bem-quista dentro da cidade por suas idiossincrasias, mas o prefeito deseja também um evento mais popular.

A narrativa chega no tempo certo para tratar de uma forma de censura: aquela que tolda a manifestação artística individual em detrimento daquela considerada por aqueles no poder como a mais vendável. Este não é o propósito da arte como arte, mas desta como produto, e a rejeição municipal somente não provoca consequências mais drásticas na personalidade de sua protagonista porque esta é forte como um mandacaru.

Assim como a atuação de Marcélia Cartaxo (55) que, logo na cena inicial, conquista de vez o coração do espectador com sua performance enquanto limpa a calçada de sua casa pela primeira de muitas vezes nos 97 minutos do longa-metragem. A comicidade da atuação está atrelada em como a atriz paraibana incorpora sublimemente os maneirismos, as gírias e peculiaridades cearenses. E é parte indispensável para que possamos, pela via do contraste, sentir a dor de sua personagem a partir da segunda metade. Sem os excessos (hilários) dos primeiros trinta e tantos minutos, o drama seria diluído, tendo o diretor Allan Deberton reconhecido a importância de construir esta narrativa equilibrada entre fato e ficção, humor e drama e a certeza de que nós devemos fazer a nossa própria música, mesmo que ninguém mais cante conosco.

Um drama feminino universal em ‘El Despertar de las Hornigas’

Quando encontramos Isa, esta está preparando, zelosamente, a cobertura do bolo da festa da família do marido. Muitas interrupções (‘pegue seu sobrinho’, manda o marido) e críticas à espessura da cruz que desenha com açúcar levam-na a sonhar acordada esmagando o bolo, mais precisamente a destruição da vida que a oprime. Dentro do lar, Isa religiosamente cumpre múltiplas jornadas: é mãe, esposa, dona de casa, costureira, apenas não é autônoma e independente para gerir a própria vida, como faz o marido, que ao pisar dentro de casa não tem a iniciativa de, ao menos, levantar e buscar um copo d’água e uma manga.

Por ser universal e ainda uma realidade feminina, este drama costarriquenho, exibido no Fórum do Festival de Berlim deste ano, é acessível e bem poderia ser a história da vizinha, amiga ou parente comentada no almoço de domingo. Enquanto torcemos para que Daniela Valenciano, a intérprete da protagonista, vire o jogo e assuma o controle da própria vida, estabelecemos repulsa pelo marido, Alcides, não exatamente um homem ruim, mas um que mal percebe ter raízes dentro do machismo institucionalizado. Quando requer à esposa mais um filho, como se esta fosse um recipiente de seus desejos, não nota (ou não quer fazê-lo) como tenta determinar a respeito do corpo alheio.

Assim que Isa recompensa a si mesma pelos louros de seu esforço e trabalho, a exuberância da personagem transborda e nasce, como fênix, uma mulher além da apatia exibida dia após dia. Libertar-se de uma vez por todas das amarras da sociedade machista é uma tarefa árdua em tão pouco tempo narrativo, mas já é um bom começo que a personagem assuma pontual e especificamente o controle da vida e ensine as filhas sobre feminismo no processo.

 

Rodada de curtas-metragens

Na noite de ontem, foram exibidos a animação ‘Um Tempo Só’, da diretora paulistana Lane Alves, e o romance experimental ‘Teoria sobre um Planeta Estranho’, do mineiro Marco Antônio Pereira. Nenhum destes me marcou como a atriz Larissa Bocchino (guardem este nome!), que encantou críticos e jornalistas com suas colocações ponderas e enriquecedoras nos debates matutinos, além de haver discursado na apresentação do curta-metragem de que participou de forma incisiva.

Confira a crítica completa dos longas metragens no Cinema com Crítica e amanhã volto com mais sobre Gramado.

 

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