43ª Mostra Internacional de Cinema apresenta seis filmes em seu 3º dia

“Papicha”, candidato da Argélia ao Oscar do próximo ano, foi um dos destaques do terceiro dia da Mostra

Fonte: Márcio Sallem - Correspondente especial JP

Em outra ocasião, durante a cobertura do Festival de Gramado, comentei sobre a particular vocação da arte para refletir a respeito de problemáticas contemporâneas, e este terceiro dia de 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo proporcionou emoções intensas na maioria de suas histórias.

A mais importante talvez seja a de “Papicha”, o candidato da Argélia ao Oscar do próximo ano, livremente inspirada em fatos reais. Ambientado naquele país muçulmano africano em 1997, o roteiro conta a história da universitária Nedjma durante o período de transformação imposto pelos líderes radicais religiosos. Quem sofre com isto? Só as mulheres, compelidas a usar o hijab em vez das vestes ocidentais. Soa como uma ofensa direta à Nedjma, que tem como paixão a moda, rabiscando modelos em seu caderninho e comercializando suas peças em danceterias que frequenta a margem dos olhares proibitivos.

Sua situação piora à medida que as agressões terroristas no país indicam a aproximação dos tentáculos do fundamentalismo religioso, até que a violência bate a sua porte com a morte da irmã. A reação que Nedjma encontra é de organizar um desfile em homenagem a ela, um que também sirva como um instrumento de revolução particular contra o tolhimento da liberdade de ser quem é. A direção de Mounia Meddour pode não merecer os elogios pela falta de sutileza, mas acho que é um mero reflexo da brutalidade daqueles homens, em uma trama que está mais próxima de nós do que pensamos.

Outro que também discorre de um tema urgente é “Filhos da Dinamarca”, uma distopia não tão distópica assim que encontra o país escandinavo refém da ascensão de um partido nacionalista de extrema direita e anti-imigração como resultado de um atentado cometido no país. Enquanto este mexe com o sentimento do povo, ainda por cima inflamado pelo discurso de um político irresponsável e que ascende como um foguete em direção ao topo das pesquisas de intenção de voto, também provoca uma retaliação do grupo neonazista de onde deriva o título do filme. E, como diz o ditado, o olho por olho deixará todo mundo cego, um grupo muçulmano começa a se organizar para revidar as agressões e humilhações sofridas.

Uma das melhores sacadas desta produção está em sua estrutura narrativa, que revela quem é seu protagonista apenas com cerca de 45 minutos, empregando um recurso similar aquele visto em “Psicose” e que possibilita à direção efetuar uma análise comparativa de como funcionam os movimentos nacionalistas versus os da minoria. Se os crimes praticados por esta recaem sobre toda a comunidade muçulmana e demandam uma investigação rápida e conclusiva, aqueles cometidos pelos primeiros são imputados aos extremistas somente, com a lavada de mãos típica dos políticos de qualquer época. Além disto, a urgência crescente da narrativa destila a previsibilidade no desenrolar os eventos do terceiro ato, porque a reação da cobra acuada é apenas uma: o bote.

Pensaram que acabou? Nada disto, o documentário “O Que Não Mata” estabelece, a partir de uma história central de agressão central, diálogos com dezenas de mulheres (e homens) em uma espécie de escutatório / confessionário, em que revelam como (não) perceberam os atos preparatórios de seus agressores, o estupro propriamente dito e as consequências permanentes deste em suas vidas. Tenho minhas ressalvas com o formalismo narrativo, que consiste, meramente, na câmera sobre o tripé apontada para filmar os depoimentos daquelas pessoas corajosas. Ainda assim, é uma obra importante por dar voz a quem pensou tê-la perdido.

E, ainda que transversalmente, “Mr. Jones” também toca em temas contemporâneos, em particular, o medo que os governos totalitários tem da verdade, da transparência, do escrutínio. Aqui, a cineasta polonesa Agnieszka Holland retoma à década de 30, para narrar a história de Gareth Jones, um jornalista gaulês que enfrentou o regime socialista da União Soviética de Stalin, a fim de revelar ao mundo o Holodomor, que significa, em ucraniano, “deixar morrer de fome”. Tratou-se de um holocausto, por muitos desconhecido, em que milhões morreram de inanição diante das políticas socialistas (experimentos, chamam) implementadas por um regente conhecido por sua tirania.

Mais do que somente revelar o sofrimento de crianças devorando a carne de um irmão morto por não ter forma diferente de aliviar a fome, a narrativa aponta o dedo para os países ocidentais que, na esperança de manter parcerias comerciais, fechavam os olhos àquilo que o Sr. Jones do título ousou perquirir e que, anos depois, seria fonte de inspiração do escritor George Orwell no clássico A Revolução dos Bichos.

Assisti ainda a mais dois filmes neste dia. Um deles, “Banquete Coutinho”, homenageia um dos maiores cineastas brasileiros e nosso maior documentarista, Eduardo Coutinho, morto em 2014. O outro, “O Filme de Bruxo Aleixo”, apresenta-nos a um personagem animado bastante popular em Portugal, uma espécie de cão misturado com Ewok que tem um talk show no país. Aqui, ao lado dos amigos (um mais inusitado do que o outro), tenta bolar o argumento para um filme que produzirá.

Com mais estes 6 filmes, completo a marca de 17 em apenas 3 dias. E amanhã tem mais!

Fechar