Documentários e drama chinês se destacam no 4º dia da Mostra Internacional de Cinema

A programação do dia ainda contou com a exibição de “Wasp Network”, com Wagner Moura, Gael García Bernal, a Penélope Cruz no elenco.

Fonte: Márcio Sallem - Correspondente especial JP

Cheguei neste quarto dia da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e, enfim, pude assistir a seu filme de abertura, “Wasp Network” (ou Rede Vespa), exibido no Parque do Ibirapuera na noite de quarta-feira (16), horas antes de eu aterrizar na capital paulista.

Filme com a co-produção nacional da RT Features, “Wasp Network” tem pedigree: um diretor do alto circuito artístico, o francês Olivier Assayas, um elenco internacional de primeira (Wagner Moura, o argentino Leonardo Sbaraglia, o mexicano Gael García Bernal, a espanhola Penélope Cruz, a cubana Ana de Armas e o venezuelano Édgar Ramirez) e uma trama interessantíssima, que relata como espiões cubanos foram infiltrados na Fundação Nacional de Cuba Americana (FNCA), um grupo apoiado pelos Estados Unidos composto por dissidentes do regime de Fidel Castro, e impediram inúmeros atos terroristas em solo caribenho praticados por aquela organização.

Chega a impressionar o amadorismo desta produção considerado o talento envolvido. Uma trama mal acabada e executada, que parece haver sido planejada e dimensionada com pressa a fim de caber dentro de um longa-metragem. Não existe a âncora emocional com que o espectador possa se relacionar com os eventos, além do aspecto puramente informativo. Personagens entram e saem da trama sem contribuir com nada à narrativa, e isto também enfraquece os dramas familiares que enfrentam. A montagem é desastrosa, a fotografia é feia de tão chapada e desinteressante, falta coesão, restando de aproveitável só o que poderíamos apreender durante uma pesquisada no Google. Uma tragédia.

Em compensação, o drama chinês “Até Logo, Meu Filho” é envolvente e impactante. Com 3 horas e 5 minutos, e um escopo expandido por décadas, do comunismo à abertura do mercado, a narrativa conta a história de como duas famílias enfrentam a perda de Xing Liu, o filho único do casal co-protagonista. Dentre temas sociais como o planejamento familiar, que impunha uma multa pecuniária para famílias com mais de um filho à empregabilidade dentro da economia chinesa, a trama é um épico emocional estruturado livremente ao longo do tempo. Admito que, por consumir tanta produção norte-americana que mastiga todas as informações e ‘emburrece’ ao fazê-lo, tive dificuldade em me situar nas idas e vindas no tempo sem o auxílio de legendas que informem a data exata.

Um lapso meu, é verdade, que a narrativa ajusta à medida que avança e torna clara que sua intenção não está em explorar a linearidade cronológica, mas enfrentar uma caminhada que soluciona mistérios e oferece confortos sentimentais, de modo a retribuir o investimento do espectador com a trajetória de seus personagens que, de verdade, agem e pensam como sujeitos normais. Não são construções artificiais existentes para atender à narrativa; é esta que os serve a oportunidade de enfrentar suas tragédias, na proporção em que a China também encontra seu espaço no mundo contemporâneo. 185 minutos que fluem com beleza e paciência.

Logo depois, assisti ao documentário “O Projecionista”, a respeito do imigrante cipriota (ou seja, oriundo do Chipre) Nicolas Nicolau, um empresário do ramo dos cinemas de rua em Nova York. Ao longo da simpática apresentação, o diretor Abel Ferrara, a seu estilo mais desleixado de direção em que o aparecimento da equipe de produção ou do microfone em tela não é um problema grave a ser corrigido, tenta expor a importância de preservar os cinemas de rua e, com isto, a experiência cinéfila do espectador, mais rara após o domínio do mercado exibidor pelas grandes empresas. O que é viver cinema: é reservar o bilhete no celular, chegar com 5 minutos de antecedência para comprar o combo da vez e assistir a 2 horas de sessão antes de retornar entretido, mas como se nada houvesse mudado dentro de si, ou sentar em um café, deixar o corpo leve e aberto à arte, desfrutar a potencialidade do mundo cinematográfico e, depois, deixar-se transformar por ele? Não há dúvida que este sujeito boa praça que é Nicolas sabe a resposta certa.

Um outro documentário que também pretender defender a arte pura é “Mr. Jimmy”, que, na superfície, apresenta-nos a Akio Sakurai, o cover mais famoso do guitarrista Jimmy Page da Led Zeppelin. Sua dedicação em recriar a experiência de estar diante de seu ídolo é absoluta e admirável, levando-o a buscar a perfeição nos mínimos detalhes, do figurino ao equipamento vintage com que revive as composições da banda de rock. É gostoso estar na presença de quem exibe tanto amor pelo que faz, uma dedicação que termina por afastá-lo daqueles acomodados e habituados com a mediocridade. Diferente destes, Akio revela que, quanto mais estuda as performances de Jimmy Page, mais crê estar distante de entendê-lo. O estudo, portanto, é essencial a quem deseja alcançar a excelência na arte, e pessoas sábias compreendem o paradoxo de que, quanto mais aprendem, mais têm a aprender. Uma lição valiosa.

Ainda pude conferir a co-produção Holanda e Bósnia “Leve-me Para Algum Lugar Legal”, que, como em boa parte do conteúdo que conheço oriundo dos Bálcãs, é uma comédia com um senso de humor típico e que, infelizmente, não me é acessível, salvo em passagens bem específicas. Não consigo conectar-me com a trajetória de Alma em busca do pai adoentado, que retornou à terra natal por nostalgia e abandonou mãe e filha no Holanda, nem tampouco em como os enquadramento atípicos e pitorescos ajudariam a contar melhor esta história de amadurecimento. Existe uma peça faltando, já que, apesar de adequada aos fins narrativos, a atuação de Luna Zorić tem um quê de indiferença, um empecilho que dificulta aproximar-se de um drama que deveria ser universal.

 

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