Documentário sobre Aretha Franklin desfila no 5º dia da Mostra Internacional de Cinema

Documentário sobre Aretha Franklin desfila no 5º dia da Mostra Internacional de Cinema

Fonte: Márcio Sallem - Correspondente especial JP

Após dormir às 5 da manhã, batendo texto, concluindo os afazeres do dia anterior e programando o dia seguinte, precisamos combinar que um crítico necessita de um repouso. E, na Mostra Internacional de Cinema, significa reduzir a quantidade de filmes diários. De 5 ou 6, para 4 nesta segunda-feira, 5º dia do evento.

Um destes foi o documentário “Amazing Grace”, bem posicionado na cabeça do ranking de apostas como um dos cinco finalistas para o Oscar da categoria, e que revisita um momento icônico da música gospel, ocorrido em 13 e 14 de janeiro de 1972. Nestes dois dias, Aretha Franklin, estabelecida no mercado fonográfico de R & B e soul, retornou às raízes e gravou com o coral Southern Califórnia Community em uma Igreja Batista de Los Angeles aquele que se tornaria o disco do gênero mais vendido de todos os tempos. Comissionado pela Warner Bros. para registrar o evento, o saudoso diretor Sydney Pollack empregou câmeras 16 mm e uma engenharia de som de primeira que, 47 anos após, chega à ciência do público.

É um espetáculo maiúsculo, com uma Aretha possuída, perdão pelo trocadilho, com energia e espírito que contagiaram os membros da congregação e viajaram no tempo até encontrar em nós, sua audiência afortunada. O documentário é ainda um marco histórico da evolução cinematográfica, hoje mais representativa do que fora antes, e para confirmar isto, note que, dentro do evangelismo negro da plateia afro-americana, o contingente branco consiste só na equipe de gravação… e Mick Jagger, que lá estava como espectador, não como participante. Não bastasse o talento vocal absurdo e a metalinguagem, para quem aprecia os bastidores, ainda temos a figura singular do reverendo Alexander Hamilton, um personagem singular e divertido que está quase à altura de Aretha.

Mais tarde, conferi ao elogiado “Dente de Lente”, um drama sobre a batalha contra o câncer da filha adolescente de um casal amornado, movido a remédios e frustrações. O mais interessante é como a obra de Shannon Murphy evita a pieguice maniqueísta típica do subgênero doença e tenta adoçar o amargo. No lugar de procurar o choro, a narrativa tenta, primeiramente, pontuar o tragicômico, para depois investir em uma abordagem mais alegre e contagiante, se é que isto é possível, em que o propósito está em aproveitar a vida que há do jeito que pode, nem que no romance com um traficante de drogas.

Com este truque narrativo, caímos de amores por personagens problemáticos, mas humanos e aspirantes a acertar e reparar os laços de relacionamento enfraquecidos. Ben Mendelsohn, Eliza Scanlen, Emily Barclay e Toby Wallace oferecem atuações gigantescas e que acertam o tom no minimalismo sentimental. Assim, quando a narrativa precisa retornar às regras do subgênero que integra, estamos cativados por aquele universo e não desperdiçamos nossas lágrimas em vão, guardando-as para quando de fato a trama merece. Muito bonito.

Mais tarde, houve a exibição de um dos concorrente de “A Vida Invisível” por uma das vagas no Oscar, o candidato norueguês “Cavalos Roubados”, que tem, como chamativo, a presença do ator Stellan Skarsgård, que costuma alternar produções escandinavas e filmes em Hollywood. No Universo Cinematográfico Marvel, interpretou o professor Erik Selvig, dos filmes do Thor. Bem, não fujamos do tema! A narrativa é misto de drama e mistério, e tem muito do livro David Copperfield, de Charles Dickens. Afinal, Trond é o herói de sua vida ou este posto caberia a terceiro, no caso, seu pai?

É isto o que a trama tenta investigar, alternando entre o tempo presente, quando Trond está recluso numa cabana na Noruega, e sua juventude, época em que ajudava o pai na extração de madeira. O drama está no relacionamento pai e filho, que ora flutua para a admiração e idealização, ora para o desafio e superação. Não existe nada de novo aí, e a narrativa não se ajuda quando elege o suspense a respeito do passado mais importante do que a análise de suas consequências no agora. Visualmente, é um filme fotogênico, como costumam ser as produções escandinavas, mas sem apetite pela vida, semelhante a Trond, no final das contas.

Por causa do direito fundamental ao sono regular, abri mão da primeira cabine de imprensa para recuperar o fôlego. A segunda, “E Em Cada Lentilha um Deus” tem, como qualidade, seu título, porque, no restante do tempo, o regresso do co-roteirista a sua cidade natal, Cocentania, a fim de ajudar o irmão no restaurante da família, L’Escaleta, premiado com 2 estrelas do guia Michelin, falha na conexão com o espectador. É perceptível que existe um sentimento fraterno poderoso ali, porém que não nos alcança, tornando o documentário o equivalente a devorar um prato saboroso com os olhos, não com a boca.

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