Imprensa confere “O Farol”, um dos filmes mais mais aguardados da Mostra Internacional de Cinema

Dretor de “A Bruxa” cria um terror sobre isolamento e loucura, Robert Pattinson e Willem Dafoe

Fonte: Márcio Sallem - Correspondente especial JP

Um dos mais aguardados filmes desta 43ª Mostra Internacional de Cinema chama-se “O Farol”, que terá exibição única no Auditório do Parque Ibirapuera no próximo dia 29. Porém, em sessão para imprensa, pude conferir o novo trabalho do diretor Robert Eggers (“A Bruxa”), que é um terror sobre isolamento e loucura em que Robert Pattinson e Willem Dafoe desfilam atuações espetaculares. A trama tem início após a chegada de ambos para gerir o farol do título durante o período de 4 semanas. As animosidades iniciam no primeiro dia, com a recusa de Thomas em permitir que Ephraim vigie a estrutura, sob o alerta de que “a luz é minha”. Cabe a Ephraim, apenas, as tarefas de limpeza, conservação e manutenção das áreas comuns.

Não demora para que eventos estranhos comecem a acontecer, a chance para que o diretor, habituado ao horror em forma crua, ou seja, sem resquícios de invencionice ou gratuidade, insira elementos que, naturalmente, provocarão interpretações múltiplas por parte do público ou descontentamento para aquela parcela insatisfeita com a ausência de explicações diretas. A tela tem razão de aspecto 1.19:1, próximo de ser um quadrado (para comparação, os filmes em geral exibidos nos cinemas tem razão de 1.77:1), que confere a claustrofobia necessária. Já a fotografia em preto & branco remete aos terrores expressionistas do cinema mudo do início do século passado. Não é para todos, é verdade, mas aqueles que aceitarem a proposta estarão servidos de uma produção genial.

Na primeira sessão oficial do festival, conferi “A Verdadeira História da Gangue de Ned Kelly”, do diretor Justin Kurzel (de “Macbeth” e “Assassin’s Creed”). Esta versão sobre o lendário fora da lei irlandês que, ao término do século XIX, desafiou a polícia inglesa na Austrália colônia, já foi interpretado por Mick Jagger (!) e Heath Ledger noutras versões, embora seja nesta que a narrativa mais tente humanizá-lo. Uma decisão que atribui a vida de crime à mãe e à influência externa de homens ou, mais a frente, à revolta e insanidade. Falta responsabilização, sobra estilo na forma com que o diretor emprega o sujo, o sangue, a iluminação quente, a trilha sonora contemporânea e recursos visuais curiosos para fortalecer a experiência. Pude escrever melhor sobre esta produção no site do Cinema com Crítica.

Com a presença do diretor e elenco, “Ainda Temos a Imensidão da Noite” é uma produção nacional que viaja à Brasília, onde Karen tenta a sorte numa banda de punk rock psicodélico. Seus amigos, entretanto, estão noutra sintonia: alguns aprovados em concursos públicos, outros desesperançados com o cenário musical candango, tomado por bandas covers e pela falta de interesse em composições originais e improvisadas. Karen luta contra o sistema representado pelo Plano Piloto que seu pai ajudou a construiu, embora jamais tenha tido condições financeiras de lá residir. É o equivalente a peitar a máquina estatal que atrai as pessoas com a promessas de grandes salários e pouco trabalho – o diretor Gustavo Galvão não esconde sua crítica ao funcionalismo público por meio de Karen.

Enquanto isto, a sonhadora música, interpretada pela atriz não profissional e trompetista Ayla Gresta, não deseja desistir e viaja à Berlim na companhia do namorado e de um amigo alemão. Entretanto, apesar de a protagonista ser rebelde e irresignada, a narrativa é cafona e perde a oportunidade de ser espelho das composições da banda. Também prejudica o saldo final que a narrativa não aproveite melhor Berlim como locação, comentando sobre as ocupações artísticas de passagem sem, contudo, mergulhar mais nelas.

Para encerrar a noite, Bruno Dumont apresentou a continuação de “A Infância de Joana D’Arc” com este apenas “Joana D’Arc”, em que a mesma atriz-mirim Lise Leplat reprise o papel como a santa guerreira que batalhou pela libertação francesa do jugo inglês somente para ser queimada na fogueira como herege. Esqueça uma adaptação convencional da história que também ganhou inúmeras adaptações, mas nenhuma que tenha chegado perto de superar “A Paixão de Joana D’Arc” de 1928, de Carl H. Dreyer.

O que torna esta versão diferente está em sua proposta. A começar da peculiaridade de o diretor rejeitar a presença de figurantes e encenar guerras só na imaginação do espectador, exigido também para recriar, mentalmente, os campos de batalhas nos portões de Paris ou a multidão em torno da fogueira onde Joana morreu. As atuações, com um quê de Brecht, não tentam incutir sentimentos, mas declamam diálogos diretamente ao espectador, um estilo que, em certos casos, provoca risos (desejados pela direção em se tratando de determinados personagens da narrativa). Houve desistências na sessão, e até eu me peguei surpreendido pela proposta de Bruno Dumont que, ainda assim, rende uma boa adaptação do mito d’A Donzela.

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