Filme brasileiro com astro de Stranger Things passeia pela Mostra Internacional de Cinema

“Abe” conta em seu elenco com a participação de Seu Jorge, Gero Camilo e Noah Schnapp, da série “Stranger Things.

Da redação: Vinicius Bogea

Após um sábado exaustivo com seis filmes e a sessão final às 23:59, meu domingo nesta 43ª Mostra Internacional de Cinema serviu para reunir os cacos e descansar a fadiga mental que 50 filmes provocam em um crítico e cinéfilo. A partir de agora, a rotina diária terá uma diminuição para 3-4 filmes e, assim, acomodar a meta de, pelo menos, 60 (o equivalente a um quinto de todo o exibido no evento).

Com “Abe”, o diretor brasileiro Fernando Grostein Andrade viajou à Nova York e reuniu um elenco norte-americano, com a participação dos brasileiros Seu Jorge e Gero Camilo. A história é simples, mas universal: Abe, personagem interpretado por Noah Schnapp, que você recordará da série “Stranger Things”, é neto de judeus e de muçulmanos palestinos e filho de um ateu, que acredita que seu talento para a culinária poderá ajudar a fabricar as pontes que separam as famílias materna e paterna. Não está tão errado, pois as famílias se reúnem, boa parte do tempo, para as refeições.

Quando conhece o chef brasileiro Chico, personagem de Seu Jorge, Abe aprende sobre o conceito da culinária fusion que, por óbvio, prega muito a respeito da miscigenação étnica e religiosa contemporânea, e aplica-se diretamente a sua família. Assim, a trama extrapola tal conceito às relações familiares, ensinando o valor existente na combinação de sabores e na descoberta do inédito e imprevisível. O saldo final é um drama agradável, ainda que raso, e que entende o valor de deixar o espectador com água na boca ao término.

Foi um aperitivo para o drama indiano “Bulbul pode Cantar”, dirigido, escrito, fotografado, montado e produzido pela autodidata Rima Das. A narrativa é um rasante sobre a cultura dos hindus muçulmanos, um povo alegre e musical, apesar de intolerante e repressivo quando o tópico são costumes e moral. É neste ambiente que a personagem título e seus amigos habitam, realizando as descobertas características da vida adolescente e sofrendo as consequências de transgressões que, para nossa cultura, são perfeitamente naturais nesta etapa de vida. É um dos dons do cinema, o poder de nos aproximar de realidades além da bolha onde vivemos.

Rima injeta um realismo extremo em uma trama estrelada por atores não profissionais: não existe uma trilha sonora, senão aquela cantada pelos moradores na porta de suas casas (mas aí é a trilha musical diegética, própria da trama em si e não fora dela), a fotografia tem uma aparência ríspida e a montagem é brutal, com elipses que descontinuam eventos por julgar serem descartáveis (e são). Eu gostei bastante desta viagem trágica e melancólica à Índia, e exercitei a empatia no final da sessão.

Para fechar este domingo mais enxuto, a co-produção franco-belga de suspensa, “Sibyl”, conta com a apaixonante Virginie Efira no papel de uma psicóloga com problemas pessoais na forma de um caso extraconjugal, da condição de alcoólatra em recuperação e do hábito de furtar as histórias contadas no divã para produzir romances literários. Esta situação é mais problemática após Sibyl conhecer a atriz Margot, vivida por Adèle Exarchopoulos (de “Azul é a Cor Mais Quente”), uma mulher que apenas consegue enfrentar suas próprias questões quando aconselhada pela terapeuta.

Entretanto, como esperado, os eventos fogem do controle de Sibyl, por esta ser incapaz de apagar da memória seu amante e de administrar o próprio ímpeto autodestrutivo. A narrativa da diretora Justine Triet encontra a oportunidade para brincar com “Stromboli”, o clássico conturbado de Roberto Rossellini e estrelado por Ingrid Bergman, sua esposa, a partir da diretora alemã da atriz Sandra Hüller. Se, no entanto, houvesse empregado esta sacada inteligente para gerir as múltiplas linhas narrativas, o resultado final poderia haver sido melhor do que um suspense erótico antiquado.

Fechar