Filme de Fernando Meireles que encerrará Mostra de Cinema é exibido para a imprensa

Dois Papas é estrelado pelo ator Anthony Hopkins

Fonte: Márcio Sallem - Correspondente especial JP

Pude conferir, na manhã desta segunda-feira, o filme de encerramento da 43ª Mostra Internacional de Cinema, “Dois Papas”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles, que muitos devem lembrar por ser o diretor indicado ao Oscar por “Cidade de Deus”. A trama, como adianta o título, narra a convocação, ao Vaticano, do Cardeal Jorge Bergoglio (que viria a ser escolhido como Papa Francisco I) pelo Papa Joseph Ratzinger (Bento XVI),a fim de, no espaço de dias, discutirem sobre a fé e a participação da Igreja no mundo atual.

De cá, a defesa da conservação dos dogmas; de lá, o desejo de que a entidade milenar evolua e progrida para acolher os fiéis que estão sendo perdidos para o ateísmo e demais religiões. No entanto, não pense que os chamados homens santos discutirão a fundo acerca do aborto, casamento homoafetivo ou comunhão dos pecadores, mas acabarão tratando um ao outro como se fossem confessores, em que podem confiar seus pecados.

Como o protagonista Jorge Bergoglio, conheceremos mais sobre seu passado e conivência na ditadura militar argentina do que a respeito de Ratzinger. Fernando Meireles também varre sob a cama seu polêmico pontificado, que era conivente com os casos de abuso sexual de menores em sua Igreja, deixando que o tema surja apenas pontualmente, de novo, sem ser aprofundado. O que chama a atenção na narrativa é a oportunidade de visitar o Vaticano e aprender mais sobre o conclave, o processo de eleição do líder religioso católico, e checar as atuações de destaque de Jonathan Pryce, excelente, e Anthony Hopkins, que mantém os maneirismos e oferece certa doçura a um personagem-histórico conhecido por ser fechado e antipático. A produção chega à Netflix em dezembro apenas e é mais uma das apostas da gigante do vídeo por demanda para o Oscar.

Outra produção de destaque desta edição do festival é o israelense “Synonyms”, que venceu o prêmio máximo do Festival de Berlim deste ano, o Urso de Ouro, cujo júri fora presidido pela atriz francesa Juliette Binoche, além do prêmio da crítica. Minha sensação é de que assisti a um filme diferente do que o premiado, pois que desastre! A trama conta a história de Yoav, um imigrante judeu que chega à França determinado a ser acolhido enquanto subtrai, no processo, a memória de Israel. A começar pelo hebraico que rejeita como língua materna às aulas de educação cívica para se tornar um cidadão francês.

Acho interessante como a narrativa investe em uma abordagem irônica e fragmentada, para ilustrar o período que abrange seis meses. Mas quando tenta soar inteligente, a narrativa é apenas óbvia: ao bater a porta na cara do imigrante, o símbolo equivale a fechar as fronteiras do país a ele; ao vender ‘suas histórias’ ao francês que lhe salvou da morte no início, é como se estivesse privando-se do próprio passado. Sutileza mandou abraços. Para piorar, certas passagens são constrangedoras, em particular as tentativas de Yoav de tentar se integrar, a todo custo, no modo de ser francês, esquecendo que existe a diferença cultural que jamais será suprimida em apenas um semestre. Da idealização da vida estrangeira à realidade do que não pertencimento, resta um engodo mais extenso do que deveria ser.

Não foi um bom mesmo, porque o candidato checo ao Oscar de Melhor Filme Internacional é também problemático, ainda que por razões diferentes. Chamada de “O Pássaro Pintado”, a partir da obra escrita por Jerzy Kosinski, a narrativa conta a história de sobrevivência de um garoto judeu durante a invasão de seu país pelos alemães e, depois, pelos soviéticos. Ele testemunha a crueldade e desumanidade em atos contra os outros e a si próprio – violência física, sexual, psicológica – e que desafiam o mais sádico do espectador. O título deriva de um momento em que um dos muitos personagens pinta um passarinho e o atira ao céu para ser destroçado por uma revoada que não o reconhece como membro do bando.

A fotografia é linda e evocativa do cinema europeu dos anos 60, com os enquadramentos típicos daquele período com um retrato da violência mais contemporâneo e realista. Contudo, posso apreciar a qualidade artística, embora desconheça a necessidade de um espectador investir 165 minutos para assistir a esta orgia de crueldade que não permite que respiremos. Pode ser que seja o símbolo da qualidade da narrativa que a sensação seja uma negatividade durante a narrativa e alívio ao seu fim, porém, sem o resquício de humanidade que seja, fica difícil tolerar esta produção.

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