Ciro Gomes ignora aproximação com o PT e afirma que Lula já prometeu a candidatura para Dino

Ciro demonstrou ter urgência para um momento de “combustão” brasileira.

Fonte: Carla Jimenez/El País

Ciro Gomes, vice-presidente do PDT,  tem uma lista de mágoas e decepções com o ex-presidente Lula, que já deixou explícita verbalmente, desde o ano passado. Ciro não foi nem visitar o antigo aliado na prisão no ano e meio em que o petista esteve em Curitiba. Ainda o menciona como um velho amigo, mas fala em ‘lulopetismo’ pejorativamente para marcar a distância que pretende manter politicamente. Hoje encontra mais afinidade no DEM, de Rodrigo Maia, por quem se derrama em elogios. O partido de direita é uma das pontas de uma aliança costurada para as eleições do ano que vem. Mas Ciro tem falado com todo mundo. “Fico três dias em casa [em Fortaleza], e 14 dias fora, viajando pelo Brasil”, conta. Nessas saídas, se despede com dor do filho Gael, hoje com 3 anos.

Mas Ciro tem urgência para um momento de “combustão” brasileira. Em São Paulo, bate cartão de 15 em 15 dias. Nesta terça, esteve na redação do EL PAÍS para uma conversa de duas horas e meia. Quando a entrevista caminha para o final, o fotógrafo Fernando Cavalcanti, que acompanha o encontro, se atreve a provocar Ciro num momento de descontração: “O senhor tem inveja do Lula?”. “Eu? Nenhuma”, responde ele, sem titubear. “Por que teria inveja de um cara preso e condenado? Eles esculhambam o carteiro para não ler a carta”, diz Ciro. “E se eu tivesse [inveja], o que eu disse aqui que não é verdade?”, finaliza. A seguir, os principais trechos.

Pergunta. Depois da soltura do Lula as atenções se voltam para você, e as possibilidades de aproximação com o PT, ainda que repita que não há chance. Nem conversa com o PT?

Resposta. Sou uma pessoa que olha as coisas com a complexidade que elas têm. A soltura do Lula envolve aspectos políticos, judiciários e humanos. Lula não é uma figura que eu conheço da televisão. É um velho amigo de 35 anos. Já fomos muitos amigos, mas o apreço político sumiu. Nunca comemorei a prisão dele. Pelo contrário, eu estava nos Estados Unidos e quando eu soube eu passei mal, fisicamente, e olha que tenho saúde de aço. Ele solto, devia dar um tempo. Para mim, existem, neste momento, duas grandes questões. Uma é a luta contra fascismo, pela preservação do Estado de Direito e o avanço bolsonarista. Nesse sentido, a unidade das forças progressistas se unem na luta. Não tem nada que ter reunião. Cada um vai com seu rosto. No enfrentamento da Previdência, trabalhamos junto com o PT. Tem contradições, os deputados que votaram a favor do governo, abrimos processo de discussão. O PT fez o que sempre fez. Por cima da mesa, todos contra. Por baixo da mesa, governadores do PT, sem exceção, trabalharam pela reforma da Previdência. No fim da eleição [para presidente da Câmara], o PT achou que era interessante fazer intervenção na mesa, mentindo ao Freixo dizendo que ia apoiá-lo. Eu disse: “É mentira, o [Rodrigo] Maia já está eleito, ele não quer ser eleito como o homem do Governo. Temos de entender que perdemos feio a eleição no Congresso”. Falei ao PT o que podíamos fazer. O Maia, já vitorioso, queria nosso apoio para ser homem do Parlamento e não do Governo. Primeiro compromisso: Parlamento obrigará Bolsonaro ao jogo democrático. Segundo, mitigar danos. Nós, da oposição, que somos minorias, vamos ter respeitados nossos direitos a requerimentos, emendas, sem tratoramento do presidente da Câmara. E PT discordou, mentiu publicamente ao [deputado do PSOL-RJ Marcelo] Freixo, e nós acertamos com o Rodrigo. Ele sendo exemplar. Fazendo gestos centrais para jogar o jogo democrático. Agora vai mandar arquivar a PEC de exploração mineral em terras indígenas. Até no que era convicção dele, como a reforma previdenciária, ele foi exemplar, conquistamos pequenas vitórias.

P. O senhor está citando o Marcelo Freixo, mas ele estava lá em São Bernardo, emocionado, abraçando Lula.

R. Hoje [nesta terça] Gleisi Hoffmann estava no Rio presidindo reunião tirando a posição de lançar candidato próprio. Eles viraram enganadores, sem escrúpulo de nenhuma natureza. É manobra fictícia para apoiar o Eduardo Paes. Há uma tensão dentro do PT. Na medida em que Lula sai da cadeia, essa tensão fica um pouco mais clara. Lula é o dono do partido, é o caudilho. Agora solto, as pessoas cobram o custo dessas contradições. Já existe muita gente começando a pensar muito mais alto. E espero que essas pessoas façam um debate mais aberto. O que está corrompendo mais gravemente o Lula não foi deixar o poder subir à cabeça, lotear o Governo todo para subornar gente para seu projeto de poder. O que mais corrompe o Lula é a bajulação, falta absoluta de semancol, de qualquer aconselhamento ou reparo de sua circunstância, está cercado de bajuladores.

Mas o senhor quer ser presidente em 2022?

R. Quero muito. Mas quero ser presidente baseado numa ideia lúcida. Porque costumo sair muito popular das experiências de governo que tive. Gosto de sair muito popular. Para isso preciso que as pessoas conheçam o problema, racionalizem as soluções, e votem nas minhas ideias e não nas minha personalidade. O Brasil precisa desesperadamente construir uma alternativa. Não sei se serei eu, mas vou ajudar a construí-la. Porque é necessário. Não é fácil, simples e é extremamente arriscado, mas é um dever moral que eu tenho com o meu país. Inclusive estou explorando a mentira do Lula. Porque a esta altura o Lula já prometeu a candidatura para o Flávio Dino, já insinuou que o Camilo Santana pode ser o candidato. O coitado do Haddad, que é saco de pancada e matéria para qualquer uso. E se submete a esse tipo de coisa. O Lula está dando corda ao Boulous. É um filme velho que eu conheço. Quantas vezes ele disse ‘você é meu candidato, o único cara que foi leal comigo. O resto só quer me explorar’… aos prantos com dona Marisa, Patrícia Pilar, minha ex-mulher, com os filhos, a gente jogando baralho.

Por que você diz que construir uma alternativa “é extremamente arriscado”?

R.  Porque é muito mais fácil entender que as coisas são preto ou branco. No imaginário popular é Fla x Flu. E eu estou querendo lembrar que existe o Vasco e o Fluminense. Hoje a crise brasileira tem três camadas. A primeira vem de fora, a exaustão do modelo neoliberal com a dissecção do pensamento progressista global. A Inglaterra que fecha o Parlamento baseado numa lei de 1600. Os Estados Unidos, na mão do Trump. A segunda crise é nossa. A Constituição de 88 se exauriu, foi pródiga na promessa, mas foi ao estelionato, nunca se cumpriu. E os dois operadores dela se desmoralizaram na esteira de operá-la de forma disfuncional, o PSDB e o PT. O elo social-democrata foi revogado na prática e institucionalmente, com a emenda que congela os gastos públicos por 20 anos. Na minha opinião é uma emenda inconstitucional. Mas assim não será entendida porque o mercado a quer. A terceira é a maior crise socioeconômica da história do Brasil. Isso tudo explode nas costas do povo de uma forma muito pesada. Os traços comuns estão aí explicando outros países, Argentina, Chile… Essas três crises juntas têm um poder de combustão e pega o Brasil na mão de um amador, sectário, burro, mal assessorado. É humilde que eu examine esse poder de combustão à distância. Até para poder não ter medo de dizer o que eu preciso dizer. Estou querendo ser uma certa voz, estar prevenindo as coisas, dizendo como poderia ser diferente, antecipando questões para ganhar respeito. Para ser talvez um dos fatores com o qual o país possacontar. Não necessariamente o único, gostaria que tivesse outros. Minha conversa com Haddad, Rui Costa, Flávio Dino, Aldo Rebelo, Tasso Jereissati, Rodrigo Maia, ACM Neto era essa. Estou preocupado com o Brasil como nunca estive na minha longa vida pública.

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