Filme com menção especial em Cannes é um dos destaques da 1ª semana da Mostra Internacional de Cinema

Correspondente Márcio Sallem encerra primeira semana da Mostra Internacional de Cinema com 35 filmes assistidos

Fonte: Márcio Sallem - Correspondente especial JP

Encerro, hoje, a primeira semana da 43ª Mostra Internacional de Cinema com 35 filmes assistidos no ínterim. Quantos de vocês alcançaram esta marca?

Comecei com o esperado “O Paraíso deve ser Aqui”, do diretor palestino Elia Suleiman. Trata-se de comédia constituída de anedotas reveladas a partir do dom de observação do diretor, pois, o artista que se preze, deve ser um especialista na natureza humana. De modo descontraído, Elia viaja por três continentes e encontra similaridades no comportamento do homem em sociedade, onde quer que passe. Pode ser um grupo de pessoas se digladiando a fim de sentar na cadeira vazia à beira de uma fonte, ou uma dupla de garis que ‘joga’ golfe, onde latas de alumínio são disparadas para o bueiro, mal sabendo que isto significa somente mais trabalho para eles, ou mesmo uma mulher que, poeticamente, vai e vem em busca de água. Elia é o protagonista, e dispensa palavras para confirmar sua tese de que o homem é homem não importa onde nasça e quais sejam suas diferenças culturais.

O filme recebeu a Menção Especial do Festival de Cannes deste ano.

Igualmente badalado, mas por motivos diferentes é a tragicomédia “Deus é uma Mulher e seu Nome é Petúnia”, que venceu o Prêmio do Júri Ecumênico do Festival de Berlim.

Na trama, Petúnia é uma mulher de 32 anos, desempregada e infeliz, que, em um dia onde nada correu como deveria – além de ser assediada durante uma entrevista de emprego, recebeu ofensas por seu peso -, acaba vencendo uma gincana exclusiva para homens da Igreja Ortodoxa. O que deveria ser um troféu, acaba virando, literalmente, uma ‘cruz’, pois afora ser acusada de haver roubado o prêmio – embora os vídeos no YouTube provem o contrário -, também sofre com a pressão popular para que entregue sua conquista aos homens. Dá para perceber o conteúdo feminista, intimamente associado à religião, tendo nesta sua raiz e forma mais pura, em um roteiro muitíssimo bem construído, que entende a forma de escalar os eventos até que o que havia de humor acabe virando uma tragédia.

Já na tarde, após o almoço, conferi à co-produção Montenegro, Sérvia e Catar “Você tem a Noite”, que parte de um fato verídico – o fechamento de um estaleiro na região – para narrar a forma como isto afeta a vida de uma meia dúzia de personagens dependentes dos empregos gerados. A abordagem é distanciada e parece envergonhada de se aproximar do choro da protagonista em determinado momento. O resultado disto é evidente: se não temos a chance de estabelecer um elo com aquele cenário afora o contato indiferente, tampouco sentiremos as partidas, literais e metafóricas, havidas no curso do roteiro. Posso apreciar e respeitar a proposta fria, e reconhecer que esta provocou nosso descasamento irreparável com a narrativa, que, pior, ainda é entediante em função de seu ritmo cadenciado ao extremo.

Em “Andrey Tarkovsky: Uma Oração de Cinema”, o obrigatório cineasta soviético, talvez o mais importante do país junto a Sergei Eisenstein, o pai da montagem cinematográfica, é quem narra a história da própria vida e arte. Com uma gravação onde discorre a respeito de suas obras com o nível de existencialismo e liturgia existentes em clássicos como “Solaris”, “Stalker”, “Nostalgia” dentre outros, o documentário, auxiliado pela curadoria de imagens tipicamente tarkovskianas, exige o máximo de envolvimento do espectador a fim de tentar penetrar na mente do cineasta. Um poeta religioso e espiritual, movido pelo amor profundo à arte – considerada como forma de oração – e por contradições mil, que apenas enriquecem uma filmografia enxuta (são apenas 7 filmes) mas infinitamente recompensadora.

Para fechar esta primeira semana, confesso ter um ‘chama’ para produções escandinavas, especialmente as da Islândia e Finlândia, por isto escolhi assistir a “Tempo de Espera”. Com elementos cômicos, a história trata sobre bullying e como a reação desproporcional e beligerante dos pais acaba acentuando o comportamento errático de seus filhos. Não existe uma lição maior a ser tirada do que a importância da verdade, e como a mentira termina carregando espiral abaixo as pessoas envolvidas, incluindo o diretor da escola, a congregação religiosa onde o protagonista frequenta etc. Sua conclusão pode não convidar o humor negro que o prenúncio sugeriria – em virtude de uma arma de fogo inserida na trama -, mas é satisfatória para a história contada.

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