Com Fernanda Montenegro, “O Juízo” é elogiado na Mostra Internacional de Cinema

Filme é um terror com toques do clássico “O Iluminado”, de Stanley Kubrick.

Fonte: Márcio Sallem - Correspondente especial JP

Não sei como expressar qual o sentimento de assistir a “O Juízo”, na companhia da dama do cinema brasileiro, Fernanda Montenegro. A sessão, que também contou com a presença da equipe (o diretor Andrucha Waddington, a roteirista Fernanda Torres e os atores Carol Castro e Lima Duarte), atrasou o tempo protocolar para que registrasse a première nacional deste terror com toques de “O Iluminado”.

Na história, Felipe Camargo é Guto, um homem que retorna à casa deixada de herança por seu pai na companhia da esposa e filho. É um cenário isolado e hostil, onde o dia parece noite (graças à opacidade da fotografia), a umidade torna o clima pesado e as chuvas são uma constante. A ganância do patriarca, alcoólatra, é posta à prova após seu filho encontrar uma pedra de diamante com a ajuda do espírito de uma filha de escravo assassinada ao lado do pai. Fernanda Montenegro interpreta uma médium, que desempenha um papel acessório à trama que, como um bom produto de gênero, constrói a atmosfera a partir do trabalho feito com seus clichês. Até porque, quem disse que estes são sempre ruins? Lembre-se que, em time que está ganhando, não se mexe.

Muito antes da exibição de “O Juízo”, o dia começou cedo com a cabine de imprensa da animação “Os Olhos de Cabul”, que, podem anotar, estará na lista de finalistas do Oscar da categoria. Com um traço arredondado que privilegia a expressividade de seus personagens e cores eventuais que debocham de uma cidade em ruínas, a trama conta a história de dois casais cujo destino se intersecta por uma tragédia, tudo isto no regime opressivo do Talibã. Nossa revolta é, claro, imediata, assim que vemos uma mulher ser chicoteada apenas porque está calçando sapatos brancos (proibidos) ou mesmo por haver sorrido no meio da rua, como se a felicidade fosse um sentimento proibido pel’O Profeta. Pelo menos, neste inferno feminino na Terra, as andorinhas ainda permanecem livres para voar e assistir, do alto, a uma tragédia que prova que animação não é somente ‘filme de criança’.

Dentro deste mesmo tópico, os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne trouxeram à 43ª Mostra Internacional de Cinema o seu “O Jovem Ahmed”, em que discutem o fanatismo religioso a luz de seu personagem-título, um pré-adolescente que começa a tomar por verdade o discurso de ódio propagado pelo imã da mesquita que frequenta. “São cristãos e judeus contra nós”, afirma o sujeito que não demora para citar Jihad e criticar a conduta ‘infiel’ e ‘apóstata’ de uma professora do colégio de Ahmed, que decide iniciar uma turma de árabe – fato este recebido com revolta por parte da comunidade, afinal o árabe aprende-se apenas no Alcorão.

A intolerância religiosa – de ambas as partes, como ao exigir que Ahmed cumprimente com um aperto de mão a professora mesmo que isto seja condenado por sua religião e vice-versa – é discutida com uma narrativa otimista mesmo que precise de um desfecho cruel para isto. O cinema dos Dardennes permanece o mesmo: uma abordagem realista – com atuações bem naturalistas, planos longos e câmera na mão – e dinâmica, em que o protagonista permanece em movimento constante, em busca daquilo que ódio religioso nenhum lhe proporcionará: a paz interior.

Pude conferir ainda ao misto de documentário e ficção “Family Romance, Ltda”, em que o diretor Werner Herzog narra a história de uma empresa japonesa especializada na arte de iludir os clientes que desejam (re)viver sentimentos e dividi-los com entes queridos vividos por atores contratados. Um deles, o protagonista, pretende ser o pai de uma garotinha de 12 anos e a mentira começa a se estender ao ponto de ele cogitar uma morte também falsa. A narrativa discute, portanto, nossa predisposição a criar ficções para que não enfrentemos, olho no olho, a realidade que é posta diante de nós.

Aclamado pelo público do festival, o alemão “System Crasher”, candidato do país ao Oscar e, este sim, uma pedra no sapato de “A Vida Invisível”, tem aquela que, para mim, após 41 filmes, é a melhor personagem do evento, a garotinha de 9 anos Benni. Alegre, efusiva e com graves surtos de violência, Benni não consegue se firmar em uma casa de acolhida ou em uma escola, colocando-se como ameaça para seus colegas e para si mesma. Rejeitada pela mãe, que é covarde o bastante para fazê-lo diretamente, Benni encontra amparo no rebelde em recuperação Micha, enxergando nele a figura paterna que jamais teve em vida. O roteiro insere eventos que funcionam como causa e consequência de outros antecedentes, e assim enriquece este estudo de personagem que tem momentos bem-humorados, para outros dolorosos.

E, olha, eu nem queria comentar sobre “Não Me Ame”, uma fantasia mexicana que recria a história de Salomé e João Batista dentro do contexto contemporâneo de guerra ao terror, mas o resultado é tão desastroso, que optei por poupar meus leitores de minhas ponderações.

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