Vítimas de trabalho análogo à escravidão em carvoaria do Maranhão são indenizadas

Os 17 trabalhadores resgatados ganharam R$ 47,7 mil do dono da propriedade onde foram explorados, em São João do Paraíso.

Fonte: Luciene Vieira

17 trabalhadores rurais resgatados em situação análoga à escravidão, em uma carvoaria em São João do Paraíso, distante 532 km de São Luís, foram indenizados com valores de R$ 47.721,34, a título de verbas salariais e rescisórias devidas.

De acordo com o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Maranhão (MPT-MA), Luciano Aragão, presente na operação de resgate, os 17 trabalhadores receberam todas as verbas rescisórias a que têm direito, acrescidas de férias e 13º salário proporcionais, além de três parcelas de seguro-desemprego, em razão de terem sido vítimas de trabalho escravo.

O resgate dos trabalhadores foi feito por meio da “Operação Gênese”, que começou na segunda-feira (6) e foi concluída na última quarta (15), quando houve o pagamento da indenização. O resgate também foi uma atuação conjunta entre MPT-MA, Superintendência Regional do Trabalho (SRT), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF).

Estas ações estão sendo acompanhadas e supervisionadas pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae/MTE). A fiscalização partiu de Imperatriz e percorreu 141 km até São João do Paraíso, seguindo por mais algumas dezenas de quilômetros em estradas de terra, passando por diversos povoados, até chegar à Fazenda Lajeado. No local funciona uma carvoaria com 36 fornos para produção de carvão vegetal, situada a 17 km de distância do assentamento São João.

O resgate ocorreu por etapas. Primeiro, foram resgatados oito trabalhadores encontrados na carvoaria. Em seguida, o Grupo Móvel do Maranhão visitou outros três alojamentos instalados no assentamento São João e fez o resgate de mais nove pessoas, totalizando 17 trabalhadores, incluindo uma mulher.

Antes de localizar a Fazenda Lajeado, o comboio havia inspecionado outras duas carvoarias instaladas nas fazendas Rodeador e Lajeado, mas que não estavam em atividade no momento da fiscalização.

IRREGULARIDADES ENCONTRADAS

Na carvoaria da Fazenda Lajeado, foi constatado que os trabalhadores bebiam água sem qualquer processo de filtragem. Havia três meses que o alojamento estava sem energia elétrica, deixando os empregados isolados do mundo externo e expostos ao ataque de animais peçonhentos, como cobras.

Os oito resgatados dividiam o mesmo quarto, dormindo em redes. Sem fogão, os trabalhadores improvisavam um fogareiro com lata de alumínio para aquecer e preparar alimentos.

Nos alojamentos situados no assentamento São João, o grupo de fiscalização verificou quartos em estado precário de conforto e higiene, inclusive com uma cama sem qualquer condição de uso, instalações elétricas irregulares, não fornecimento de água potável e banheiro feito de tábuas no quintal de uma das casas.

Os resgatados relataram que preferiam tomar banho em um riacho que passava ao lado de um dos alojamentos. A água disponível era barrenta.

Os 17 resgatados exerciam diversas funções, como forneiro, batedor de tora, empilhador, operador de motosserra, operador de pneu, zelador, entre outras. No entanto, foi observada jornada exaustiva em duas categorias: carbonizador e cozinheira. A única mulher resgatada tem 55 anos de idade, ela encarava jornadas extenuantes de quase 12 horas por dia, na função de cozinheira.

Em depoimento, a maranhense de Codó afirmou que começou a trabalhar aos nove anos de idade, como cozinheira em uma fazenda em Barra do Corda, acompanhando o pai dela, que era empregado do local.

Também, dois carbonizadores foram resgatados durante a Operação Gênese. Um deles é de Minas Gerais, tem 46 anos e é analfabeto. Ele precisou utilizar o polegar para atestar o depoimento prestado aos auditores fiscais. O homem começou a trabalhar aos 15 anos de idade, vive no Maranhão há dez anos e perdeu o vínculo com a família.

USO DE DRONES E OUTROS EQUIPAMENTOS

O MPT-MA utilizou um drone durante a operação de resgate, para fazer imagens aéreas e localizar os alvos com mais facilidade. Também foram utilizados um termômetro, para aferir temperatura dos fornos, e um sensor para medir a presença de partículas PM2.5 no ar. O sensor registrou em volta da bateria de fornos da carvoaria 999.9 microgramas de partícula por metro cúbico, índice 66 vezes acima do limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), atestando a condição insalubre de trabalho por causa da poluição do ar.

“O MPT-MA vai atuar para que o empregador regularize o local de trabalho, por meio de assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC). Em caso de recusa, podemos ajuizar ação civil pública com pedido de danos morais a estes trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão”, informou Luciano Aragão.

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