Não foram apenas lotes de produtos da cervejaria Backer que o dietienoglicol pode ter contaminado. A crise gerada – quatro mortes, 22 casos de intoxicação suspeitos e a paralisação da atividade da empresa – também tem consequências para a categoria de cervejas artesanais como um todo, analisam especialistas em reputação e branding. Até então consideradas “trendy” no setor de bebidas, as cervejas artesanais tinham participação de algo entre 2,5% e 2,7% num mercado que movimentou segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) R$ 107 bilhões (isso ainda tendo como ano base 2017).
Antes do episódio com a Backer, Carlo Giovanni Lapolli, presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) chegou a dar entrevistas revelando otimismo quanto ao crescimento das cervejarias artesanais, acreditando que estas pudessem, com as perspectivas de melhora econômica em 2020, atingir 10% de participação. Os fatos com a cervejaria mineira, no entanto, podem levar a uma revisão da estimativa.
Fabrizio Leonardo, vice-presidente de reputação corporativa da Weber Shandwick, ressalta que o ponto central é a quebra de confiança do consumidor na qualidade dos produtos e serviços, mas ressalta – destacando um estudo global feito pela própria Weber – que reputação é algo multifatorial e que também envolve múltiplos stakeholders de uma empresa. E como a Backer localmente era uma marca muito querida a questão será como ela vai responder aos problemas imediatos e balancear a comunicação com seus diferentes públicos para melhorar a crise de reputação que, no momento, é muito grave. Além obviamente de estabelecer uma comunicação genuína com o consumidor e fazer o básico, que é prestar assistência total às vítimas. No quesito comunicação, aliás, a empresa está sendo apoiada pela Partners Comunicação Pro Business, que foi contratada pela Backer especialmente para o gerenciamento da crise.
“Um fato é que quando a reputação de uma empresa é gravemente abalada, acaba levando a reputação de um setor inteiro”, afirma Fabrizio, lembrando que após as tragédias protagonizadas pela Vale o índice de reputação das mineradoras como um todo é baixíssimo. “Aqui, falamos em cervejas artesanais que eram super trend e me questiono até que ponto irá prejudicar o setor. Há diversos microprodutores que podem ser afetados”, avalia.
Concorda com ele Beto Almeida, CEO da Interbrand: “Com certeza, esse é um acontecimento extremamente negativo para o mercado das cervejas artesanais em geral. Ao consumirmos um produto com essas características, o que se procura é algo distinto: sem ingredientes artificiais, um produto mais natural e até mais saudável, e a última coisa que pensamos é em algum potencial risco à saúde”.
Enquanto a Backer vive o que os especialistas em gestão de crise avaliam que é o pior dos cenários – uma situação em que a gravidade do caso leva à paralisação da produção, logo, acarretando outra série de problemas – e luta para estancar a sangria, os especialistas ouvidos na reportagem acreditam que o segmento como um todo terá de ajudar a reconstruir a percepção do público sobre a categoria. A publicidade será um dos meios, mas não o único, para ajudar a recompor a reputação do segmento. “Esse fato levanta uma questão em todos os processos produtivos e de segurança, que pode atingir pequenos e grandes. Portanto, cabe ao mercado se posicionar para evitar que novos casos possam ocorrer”, pontua Beto Almeida, da Interbrand.
Vale ressaltar que na 2ª-feira, 20, o Valor publicou notícia sobre o fato de o Grupo Pão de Açúcar ter mandado retirar de todas as lojas Extra e Pão de Açúcar as garrafas de sua marca própria de cerveja Fábrica 1959, em suas versões pilsen puro malte, witbier, IPA e weiss. O motivo alegado foi “problemas de qualidade”, ou seja, a rede detectou diferença de sabor em dois lotes da bebida, que receberam oxigênio a mais durante o envase. O GPA, em comunicado, afirmou que o fato não gerava risco à saúde dos consumidores, mas optou por retirar os produtos do mercado para garantir a estes uma boa experiência com a marca (os lotes em questão tinham sabor mais azedo). Também colocou um 0800 como canal de atendimento a consumidores com dúvida. Até aquele momento, as vendas de cervejas especiais nas lojas do grupo cresciam a uma taxa de 30%.
No caso da Backer, segundo o CEO da Interbrand, esta é uma crise para a qual provavelmente a empresa não estava preparada. Mas uma vez que hoje marcas são construídas junto com seus consumidores, estimular o diálogo é sempre o melhor caminho. “Os melhores exemplos de marcas que souberam dar a volta por cima são aquelas que estabeleceram canais múltiplos de conversa com seus públicos, seja para escutar reclamações, sugestões, tirar dúvidas, propor novas ações etc. O melhor caminho para sair de uma crise é continuar dialogando”, recomenda Beto Almeida.
Para o vice-presidente da Weber Shandwick, num primeiro momento houve uma espécie de negação da Backer, com a discussão sobre se usava ou não a substância que provocou as intoxicações, e essa demora no tempo de resposta agrava a situação. E avalia que mesmo no caso de a empresa ter sofrido uma sabotagem, isso não resolve o dano às vítimas, cabendo à companhia assumir o problema, fazer o máximo possível para resolvê-lo e olhar para frente. “Se a empresa que passa por uma crise tem uma postura colaborativa, solidária e transparente, é o que conta. As pessoas ainda reconhecerão a marca pela qual têm carinho”, pontua Fabrizio, ressaltando que a empresa terá de abrir um canal direto com o consumidor e vir a público, caso queira resgatar a confiança perdida.
Esses canais de comunicação ganham ainda mais relevância considerando o contexto atual, em que o advento das fake news faz pseudo-informações ganharem repercussão rapidamente. Isso, por outro lado, também aumenta a importância dos canais oficiais de comunicação das empresas, que devem ser o mais transparentes possível, pois, como lembrou o CEO da Interbrand, “demora muito para construir a imagem de uma marca, mas leva quase nada para destruí-la”.