Localizada na região anterior do pescoço, a glândula tireoide (cujo formato lembra uma borboleta) é muito importante para o funcionamento do corpo – especialmente de bebês e crianças. Para os organismos em formação, a tireoide da mãe secreta os hormônios necessários para seu crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor. Ou seja, se os distúrbios na glândula não forem diagnosticados precocemente e/ou tratados na gravidez, podem causar problemas neurológicos no bebê ou na criança, como alterações no desempenho escolar, na fala, na memória, efeitos no sistema motor e retardo mental.
As modificações da função da tireoide acabam desencadeando consequências em praticamente todos os sistemas: pode haver mudanças no crescimento, na puberdade, no peso, nos índices de anemia, entre outros. “É importante salientar que, em crianças menores de 3 anos, que estão em pleno desenvolvimento neurológico, a falta desses hormônios pode causar um comprometimento irreversível”, alerta o endocrinologista pediátrico Miguel Liberato, da Rede de Hospitais São Camilo (SP). Ele explica: a deficiência na produção dos hormônios tireoidianos leva a um quadro de hipotireoidismo; enquanto o excesso provoca o hipertireoidismo. A seguir, veja as características de cada um deles.
Essa disfunção ocorre quando a tireoide libera essa substância em quantidade insuficiente e pode ser dividida em congênita (quando a criança já nasce com a alteração) ou adquirida (que pode aparecer na infância ou na adolescência).
A endocrinologista pediátrica Carolina Taddeo Mendes dos Santos, médica assistente do Ambulatório de Triagem Neonatal de Hipotireoidismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que as principais causas do hipotireoidismo congênito são malformações na glândula tireoide. Ou ainda quando ela é bem formada, mas tem um funcionamento inadequado.
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria, o hipotireoidismo é o problema endócrino metabólico congênito mais frequente em recém-nascidos. Sua prevalência acontece em 1 de cada 1,5 mil nascimentos e acomete duas vezes mais o sexo feminino. “Minha filha Letícia, 1 ano, tem hipotireoidismo congênito”, conta a missionária Rachel Serradourada Wutzke dos Anjos, 34 anos. “Descobrimos no teste do pezinho e, desde então, ela faz acompanhamento periódico e reposição hormonal. Felizmente, o desenvolvimento está dentro do esperado.”
No caso desse tipo de hipotireoidismo, os sintomas geralmente são inespecíficos e de instalação lenta nos recém-nascidos: icterícia prolongada, sonolência, hérnia umbilical e fontanelas (popularmente conhecidas como moleiras) aumentadas são alguns exemplos. A médica Carolina Santos alerta que os pais dificilmente conseguiriam identificar o problema sozinhos e precocemente, porque a lentidão no aparecimento de sintomas leva a um atraso de diagnóstico e tratamento. Por isso, o teste do pezinho, que identifica também esse problema, é tão importante e deve ser realizado entre o segundo e o quinto dia de vida.
Em 2001, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Triagem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Entre 2012 e 2017, mais de 14 milhões de recém-nascidos passaram pelo programa. Foram diagnosticados mais de 17 mil bebês com alguma das doenças detectáveis pelo teste – as mais frequentes são o hipotireoidismo congênito e a doença falciforme. Juntas elas compõem uma média de 77% dos casos diagnosticados.
Por outros motivos
Para o hipotireoidismo adquirido, as principais causas são doenças autoimunes – a tireoidite de Hashimoto é a mais comum –, e surgem quando o próprio sistema imunológico ataca a glândula. Aconteceu com as filhas da advogada Edna Santana Ribeiro, 48 anos. “Primeiro apareceu em Ester, quando ela tinha entre 4 e 5 anos. Depois, foi a vez de Helena, aos 6. Hoje, ambas, com 12 e 10 anos, respectivamente, estão equilibradas, mas fazemos exames de controle a cada seis meses”, conta a mãe.
Os sintomas do hipotireoidismo adquirido dependem da idade em que a doença surge. Segundo Carolina Santos, em crianças mais velhas eles são bastante parecidos com os dos adultos: pele e cabelos mais secos, constipação intestinal, sonolência, ganho de peso e alterações menstruais são os principais. As crianças menores podem sofrer ainda com a diminuição na velocidade de crescimento, atraso do início da puberdade e piora no rendimento escolar, principalmente por conta da sonolência e da desatenção.
Também não é fácil identificar a disfunção, por isso, o acompanhamento do pediatra na infância é tão essencial. “Aos 7 anos, meu filho Bernardo começou a engordar. E passou a ficar estranhamente nervoso – ele é autista, mas isso não era comum à sua condição dentro do espectro”, conta a diretora comercial Andrea Fracassi, 49 anos. “Em uma consulta de rotina, o médico diagnosticou hipotireoidismo”, lembra.
Os vilões do hipertireoidismo
Assim como no hipotireoidismo adquirido, os principais responsáveis pelo distúrbio são doenças autoimunes. Mas ele também pode ser decorrente de infecções (algumas, causadas por vírus, podem provocar uma inflamação da tireoide e aumentar a produção do hormônio) ou da presença de nódulos produtores de hormônios da tireoide. A doença de Graves é a que costuma provocar o problema. “Ela causa alteração no sistema imunológico da criança e faz com que produza anticorpos contra a tireoide. Isso leva a uma inflamação da glândula”, explica a endocrinologista pediátrica Carolina Santos.
Para reconhecer o hipertireoidismo, observe sintomas como emagrecimento, agitação, aumento da frequência cardíaca e do tamanho da glândula tireoide. “O crescimento da glândula pode ser percebido a olho nu”, diz Miguel Liberato.
Tem tratamento
Cuidar do hipotireoidismo é simples, basta fazer reposição do hormônio, via oral, em jejum. No caso de crianças menores, esse comprimido pode ser diluído em água para permitir uma melhor ingestão.
O tratamento do hipertireoidismo é um pouco mais complexo e delicado. Também se usa remédio via oral. Porém, em alguns casos em que o controle não é atingido dessa forma ou em situações específicas, terapias definitivas são uma opção. Então, é indicada cirurgia para retirada da tireoide ou tratamento com iodo radioativo. Este último geralmente é indicado a quem não responde ao tratamento medicamentoso ou tem algum tipo de alergia. “O paciente toma o iodo radioativo, que provoca uma inflamação nas células da tireoide, seguido da sua destruição”, explica Miguel Liberato.
Seja qual for o caso, o acompanhamento médico, como sempre, é o melhor caminho para descobrir a doença o quanto antes e cuidar do seu filho.
Atenção na gravidez
Alguns cuidados que a gestante deve ter para evitar problemas de tireoide no bebê
É importante que durante a gestação a grávida faça dosagens hormonais para avaliar a função tireoidiana, porque o hormônio produzido pela tireoide materna é fundamental para o desenvolvimento do feto, especialmente nas 12 primeiras semanas. “Uma grávida que tenha uma doença nessa glândula realmente tem de ficar atenta, porque a criança pode nascer com algum problema se o seu distúrbio não estiver bem controlado”, alerta a endocrinologista Ivani Novato, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Além disso, a gestante deve consumir uma quantidade adequada de iodo, que é fundamental para a produção de hormônios da tireoide. “Esse micronutriente é encontrado em peixes do mar, em verduras, no leite e no sal de cozinha”, diz. “A deficiência, entre outras coisas, pode comprometer o desenvolvimento neurológico do feto, mas o excesso também pode causar alteração na função tireoidiana”, explica a médica.
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Goiás estimou que 1,5 milhão de pessoas em 118 países têm carência de iodo em menor ou maior grau. E dentre os efeitos acarretados por sua deficiência, o principal é o retardo mental. O tema merece atenção.
O fato de a mãe ou o pai ter algum distúrbio na tireoide não quer dizer, necessariamente, que o filho também terá. Mas é importante prestar atenção: filhos de mães com hipotireoidismo não tratado durante a gestação podem apresentar comprometimento do desenvolvimento intelectual, baixo peso ao nascer e prematuridade. Por isso é muito importante fazer o diagnóstico por meio do teste do pezinho.
Hipotireoidismo X obesidade
Associado muitas vezes ao ganho de peso, o hipotireoidismo não merece a fama. Segundo a endocrinologista pediátrica Ivani Novato, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, a doença tireoidiana pode acometer qualquer criança. “O problema é que as pessoas acham que os pequenos ficam obesos por causa de problemas tireoidianos. Na verdade, a questão é que, se a criança tiver hipotireoidismo grave, pode ficar inchada e evoluir para ganho anormal de peso. Mas a obesidade propriamente dita tem a ver com alimentação inadequada e sedentarismo”, explica.
Hipo X Hiper
Hipo
• Deficiência na produção dos hormônios tireoidianos
• Icterícia prolongada, sonolência, hérnia umbilical, fontanelas aumentadas, pele seca, anemia, déficit de crescimento e constipação
Hiper
• Excesso na produção dos hormônios
• Emagrecimento, agitação, aumento da frequência cardíaca e do tamanho da glândula tireoide