A medicina está em constante evolução, a cada dia são feitas novas descobertas e antigos dogmas são quebrados para que a prática médica possa evoluir através da ciência.
Um assunto muito em pauta nos dias atuais devido à pandemia é a vitamina D e sua ação sobre o sistema imunológico. A vitamina D tem um papel bem definido e mundialmente reconhecido no metabolismo mineral ósseo, através da homeostase do cálcio e do fósforo, regulando um outro hormônio chamado paratormônio (PTH).
Nos últimos anos, uma farta literatura científica têm demonstrado a presença do receptor da vitamina D em quase a totalidade das células do nosso organismo, o que dá à vitamina D a capacidade de atuar em outras múltiplas funções orgânicas, inclusive na expressão gênica, o que pode traduzir a dimensão do seu papel de prevenção, suporte e tratamento de muitas condições crônicas.
Assim, existem muitas funções da vitamina D não relacionadas ao tecido ósseo, como ações no sistema cardiovascular, no sistema endócrino, ações dermatológicas, ações musculares, placentárias e de desenvolvimento fetal, neurológicas, em distúrbios neuroafetivos e na modulação do sistema imunológico.
Foram descobertos receptores de vitamina D nas células do sistema imunológico, como os linfócitos, por exemplo, modulando a sua proliferação e sua função, e estimulando a produção de proteínas de defesa, o que daria à vitamina D o poder de atuar no tratamento de doenças infecciosas e autoimunes. Especificamente, a deficiência de vitamina D está relacionada com redução células de defesa (linfócitos T CD8) que tem a habilidade de atacar celular infectadas por vírus. Nossas células pulmonares, por exemplo, expressam, de maneira constitucional, uma proteína em suas superfícies que converte a vitamina D inativa em ativa, aumentando a produção de substâncias antimicrobianas, desempenhando papel benéfico, com impacto na resposta às infecções respiratórias, inclusive as virais, reduzindo o processo inflamatório, melhorando prognóstico e com melhores desfechos segundo os estudos.
A vitamina D, descoberta em 1913, tem sido base de pesquisa de grandes nomes da ciência mundial, como o pesquisador Dr. Michael F. Holick, da Universidade de Boston nos Estados Unidos e como o Dr. Cicero Gali Coimbra, da Universidade Federal do Estado de São Paulo – UNIFESP, e muito relacionada a diversas doenças crônicas. O que muita gente não sabe é que vivemos uma pandemia paralela, e que provavelmente está caminhando junto com os casos mais graves de COVID-19, que é a deficiência global de vitamina D. A modernidade e o desenvolvimento das grandes cidades trouxeram consigo a redução da exposição solar e a redução dos níveis sanguíneos de vitamina D na população em geral, que agora é assombrada por esta doença chamada COVID-19.
A COVID-19 é uma doença, uma síndrome viral, com sintomas inicialmente semelhantes a uma gripe comum, mas que pode evoluir rápido para uma pneumonia grave, com instalação de um processo imunoinflamatório exacerbado, com acometimento de vários outros órgãos e sistemas pelo corpo como o sistema nervoso central e periférico, o sistema cardiovascular e o sistema digestório. É uma doença de alta transmissibilidade ocasionada por um vírus chamado SARS-COV-2 (Coronavirus 2 associado a síndrome respiratória aguda grave) e tem levado ao adoecimento coletivo de grande parte da população mundial e à morte de uma parcela significativa dos doentes. Essa crise sanitária se iniciou no final de 2019 na cidade de Wuhan, na China, e se espalhou por todo o mundo.
E porque tanto se fala de vitamina D nesse período e qual seria o seu papel sobre a pandemia de COVID-19? A vitamina D é uma substância esteróide produzida naturalmente no nosso corpo através da exposição da pele ao sol, com participação do fígado e dos rins na sua ativação. Nosso código genético, conhecido como genoma humano, tem aproximadamente 2.780 posições de ligação para a vitamina D, ou seja, cerca de quase 10% dos nossos genes são sensíveis a essa substância. Assim, é uma substância com ação sistêmica, devido a onipresença do seu receptor, e com um espectro de ações muito amplo, incluindo a capacidade de imunomodulação, o que poderia ajudar na COVID-19, modulando a expressão exacerbada de mediadores inflamatórios, um quadro presente na pior apresentação da doença e conhecido como ‘tempestade de citocinas’, relacionada também com piores desfechos clínicos. Alguns trabalhos científicos mostraram grande prevalência de deficiência de vitamina D em pacientes com casos graves a severos e mostraram presença de bons níveis nos pacientes que tiveram casos leves a moderados.
Os grupos de risco para deficiência de vitamina D incluem os idosos, pessoas com maior pigmentação da pele ou baixa exposição solar, presença de obesidade e desnutrição, doenças crônicas e autoimunes, atletas de alta performance, além de uso de medicações, como corticóides e anticonvulsivantes, pacientes operados de colecistectomia, cirurgias que alteram o trânsito intestinal e outras condições disabsortivas.
A hipovitaminose D, que deveria ser considerada uma questão de saúde pública, está relacionada a diversas doenças bem comuns como obesidade, infarto, depressão, diabetes, câncer, autoimunidade, doenças infecciosas, osteoporose, distúrbios neuroafetivos como autismo e deficit de atenção e hiperatividade. É necessária a investigação desses pacientes e que haja a instalação de medidas preventivas a nível populacional, com informação e com incentivo à correção desse parâmetro com avaliação caso a caso.
A partir de todas essas informações sobre os benefícios de se ter bons níveis de vitamina D, com possibilidade de se ter melhores desfechos na COVID-19, algumas entidades médicas reconheceram a necessidade de se adotar novos parâmetros, instituindo níveis maiores que 40 – 60 ng/mL como alvo desejável de 25(OH)D, que é o exame medido no sangue, através do uso diário de vitamina D em doses mais adequadas. Além disso, o Ministério da Saúde incluiu na rotina de abordagem do paciente com COVID-19 a dosagem da vitamina D no sangue e a sua correção caso deficiente.
Como aumentar e manter níveis de vitamina D de maneira natural? As maneiras naturais de obter vitamina D são, principalmente, através da exposição solar e através da alimentação com fontes específicas. Uma exposição solar diária de 10 a 15 minutos por dia, no horário entre 10h e 15h, é suficiente para se aumentar e se manter bons níveis de vitamina D. Os resultados da exposição ao sol ainda depende da área de superfície corporal exposta, sendo que quanto maior a área exposta, maior a produção e em menos tempo; e também depende da coloração da pele. Importante lembrar que o utilização de protetor solar bloqueia essa produção. Mas como o tempo de exposição necessário para esse intuito é curto, caso decida se manter ao sol após esse período utilize um protetor solar de qualidade.
Apesar da pequena quantidade e da necessidade de consumo frequente das fontes em grande quantidade, através da alimentação também é possível melhorar os níveis de vitamina D no seu corpo, e existem alguns alimentos que são mais ricos e que devem ser priorizados com essa finalidade como os ovos, o atum, a sardinha, o salmão selvagem (o salmão é um dos alimentos mais ricos em vitamina D, e 100g de salmão é capaz de oferecer até mais de 600 UI de vitamina D), queijos e cogumelos, ostras, camarões, óleo de fígado de peixe e bife de fígado.
Existe outra forma de aumentar a vitamina D? Existe a suplementação exógena de vitamina D de maneira oral, transdérmica ou injetável (intramuscular ou endovenosa), para aumentar os níveis de quem precisa de maneira mais aguda desse suporte. A melhor via de suplementação depende de cada caso, alguns pacientes tem boa reposta a suplementação oral, mas outros, por alguns motivos, não conseguem elevar seus níveis através do uso oral e necessitam da vitamina D injetável.
As evidências disponíveis indicam que existem vários micronutrientes podem dar suporte e modular a função imunológica e a evolução de uma infecção. Os dados de que a suplementação de vitamina D poderia modificar o curso da COVID-19 deveriam ser levados em consideração pela comunidade científica mundial e investigada em estudos multicêntricos para que se reconhecesse ainda mais o papel importante que esse nutriente, com características de hormônio, é capaz de desempenhar em favor da nossa saúde. A falta de vitamina D não deveria ser mencionada apenas como uma deficiência nutricional, mas reconhecida e tratada como uma insuficiência hormonal.
Dr. Thiago Rocha de Pinho
Médico – CRM 5739
Contato: [email protected]
@drthiagorocha
Referências:
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