Nessa segunda-feira (13 de julho), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 30 anos de criação. A Lei nº 8069, aprovada pelo Congresso Nacional em 1990, regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal, e veio na escora de um processo de construção conjunta, que mobilizou a sociedade brasileira por meio dos movimentos sociais, dos conselhos tutelares, das delegacias, do Judiciário, e de tantos outros setores para assegurar os direitos de crianças e adolescentes.
Porém, depois de três décadas, o ECA ainda não consegue ser uma ferramenta de garantia de direitos igualitária. Vários órgãos atuantes em São Luís afirmaram ao Jornal Pequeno que o maior desafio ainda é a falta de políticas públicas.
De acordo com a titular da Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social de São Luís (Semcas), Andréia Lauande, o desafio do cumprimento integral do Estatuto é a real efetivação de políticas públicas, principalmente, no que tange à escassez de recursos financeiros; pois, segundo a secretária, tem havido constantes cortes de verbas federais, que antes eram destinadas para o assistencialismo de crianças e adolescentes da capital maranhense.
“O repasse do governo federal, por exemplo, é de R$ 500 para cada criança acolhida, cujo dinheiro deve ser destinado para pagamento de aluguel de imóveis utilizados como abrigos, roupas, calçados e alimentação. É um recurso ínfimo, que o Município de São Luís precisa dar uma contrapartida. Estamos com média de 160 acolhimentos feitos pela Semcas. E já houve recursos federais que deixaram de ser repassados desde março deste ano”, informou Andréia Lauande.
Também para o juiz José Américo Abreu Costa, titular da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís, o problema de cumprimento do ECA é uma questão de políticas públicas, que devem ser efetivadas sobretudo nas áreas de saúde e família.
Segundo Américo, o Poder Judiciário é chamado com frequência a exercer o controle judicial dessas políticas. “O problema da efetivação dos direitos e garantias constitucionais e estatutários das crianças e adolescentes é uma deficiência de políticas públicas, que reclama uma intervenção contínua do Poder Judiciário”, declarou Américo.
O juiz informou que a Vara da Infância é a última esfera de proteção integral. Ante qualquer violação de direitos, os conselhos tutelares, o Ministério Público e a Defensoria Pública devem atuar prioritariamente. De acordo com José Américo, somente quando necessária a intervenção judicial, então a Vara da Infância é provocada mediante medidas protetivas e processos. Na proporção em que tais ações são distribuídas às varas da infância, é anunciada a etapa de proteção judicial.
A delegada titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) – localizada próximo à Praça Maria Aragão, na Avenida Beira-Mar –, Adriana Costa Meirelles, reafirmou que o ECA prevê todos os direitos fundamentais para as crianças e adolescentes, tais como o direito à vida, saúde,além da educação, e que faltam políticas públicas para que ele seja mais bem aplicado.
“Na teoria, o ECA protege, mas o difícil é colocá-lo em prática, uma vez que há ainda muitas crianças e adolescentes sem acesso à escola, que, às vezes, não tem condições dignas de subsistência”, disse Adriana.
“Ainda enfrentamos muitos desafios para que a lei seja cumprida de forma integral e garanta direitos que proporcionam o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. Um dos grandes desafios ainda é a falta de recursos para efetivação de políticas na gestão municipal, estadual e federal”, declarou o presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de São Luís, Marcos Japi.
EM TEMPOS DE PANDEMIA
Durante a pandemia da Covid-19, mais precisamente no período do isolamento social mais rígido (abril e maio), a delegada Adriana Meirelles informou que, na DPCA, diminuíram as ocorrências de violência sexual. Entretanto, a partir do mês passado, segundo Adriana, a delegacia voltou a registrar a média diária, cujo número mensal é de 75 ocorrências.
A delegada disse que a redução nos meses atrás aconteceu, provavelmente, pelo fato de que os crimes sexuais contra crianças e adolescentes, em sua grande maioria, são cometidos na forma clandestina. Com as famílias agrupadas em confinamento, os possíveis agressores não encontram momentos a sós com a criança ou o adolescente.
De acordo com a titular da DPCA, por outro lado, com relação aos crimes de agressão física ou psicológica, fruto de violência doméstica, o fato de as pessoas estarem em casa, inclusive, o agressor, pode ter dificultado a denúncia.
“Outra coisa que quero citar é a questão de que os pais devem ficar atentos, também, aos crimes cibernéticos. Para isso, eles devem sempre fiscalizar e controlar o uso das redes sociais pelas crianças e adolescentes”, acrescentou Adriana.
AUDIÊNCIAS POR VIDEOCONFERÊNCIA
O juiz José Américo Abreu Costa informou que, no auge do isolamento social, a suspensão dos trabalhos em face da pandemia não atingiu as causas que envolvem crianças e adolescentes em situação de risco, pois os trabalhos de proteção integral seguiram regularmente, sem interrupção. “Trabalhamos de forma absolutamente normal, com audiências por videoconferência e a retomada dos estudos presenciais pela equipe interprofissional, na forma progressiva fixada pelo Poder Judiciário maranhense”, disse Américo.
Américo informou que há postos de comissariados instalados no Fórum Desembargador Sarney Costa, localizado no bairro do Jaracati; no Terminal Rodoviário, instalado na Avenida dos Franceses; e no Aeroporto Marechal Cunha Machado, no bairro do São Cristóvão. O juiz ressaltou que os atendimentos podem ser feitos de forma remota e também presencial.
ATIVIDADES REMOTAS
O presidente da CMDCA informou que o Conselho não deixou de receber denúncias, no período de quarentena. Segundo Japi, desde o início do isolamento social, as denúncias podem ser feitas por e-mails, ligações telefônicas, e mensagens de WhatsApp. Entretanto, Japi garantiu que nos casos de urgência, o atendimento pode ser feito na forma presencial, seguindo as recomendações sanitárias. Já os projetos sociais foram suspensos, segundo Japi.
Sobre o retorno das atividades em São Luís, Japi informou que em junho de 2020 foi realizada uma plenária ordinária virtual com a participação da Secretaria Municipal de Educação, e representantes das escolas particulares. “Durante o evento, disseram ao DMDCA que todas as providências para o retorno das aulas de forma gradativa são tomadas. Já em reunião com os conselheiros tutelares das áreas, eles relataram que há um número considerável de crianças e adolescentes que não tiveram suas matrículas efetivadas na rede pública municipal. Em relação saúde, temos ainda muitas unidades de saúde que não possuem um pediatra”, informou Japi.
ACOLHIMENTOS
“O trabalho da Semcas é contínuo. Mantivemos ativo o trabalho de acolhimento durante o isolamento social, sendo que todos os cuidados a fim de que fosse assegurada a proteção integral das crianças e adolescentes foram tomados”, informou Andréia Lauande.
A Semcas tem abrigo no bairro do Cohatrac, além de seis Casas Lares distribuídas pela capital do Maranhão, e, ainda, o projeto Famílias Acolhedoras. Outra atividade que não parou durante a pandemia, conforme Andréia, foi o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.
“Como as crianças desses abrigos estão sem aula, desde o início da quarentena, foi preciso intensificar e diversificar as atividades pedagógicas. Foram criados jogos educativos, inclusive de combate ao novo coronavírus. A Semcas passa por uma reorganização, para que tenhamos estratégicas de serviços permanentemente”, informou Andréia.