A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) manteve sentença do Juízo da Vara Única do Termo Judiciário de Raposa da Comarca da Ilha de São Luís, que condenou o ex-prefeito do município, Onacy Vieira Carneiro, por crime de improbidade administrativa. De acordo com o processo, o crime foi cometido durante a gestão de 2005 a 2008.
A decisão do órgão colegiado do TJMA foi unânime, mantendo a sentença de primeira instância que julgou procedentes os pedidos formulados na ação civil pública por ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público do Estado (MP/MA). As sanções da condenação são: ressarcimento do dano causado ao erário, no valor de R$ 873.523,78, valor a ser corrigido monetariamente; suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos; proibição de contratar com o Poder Público pelo mesmo período; pagamento de multa civil no valor de dez remunerações mensais recebidas pelo réu no período em que ocorreram os fatos, devidamente corrigida e, ao final, revertida para os cofres públicos do município de Raposa.
Os atos tipificados como de improbidade pelo MP/MA, com fundamento em parecer prévio e acórdão do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MA), apontam que o então prefeito encaminhou as leis orçamentárias ao TCEMA fora do prazo legal; realizou remanejamento de despesas em desacordo com a norma contida no artigo 167, VI, da Constituição da República; e não realizou os devidos processos licitatórios/dispensa referentes a processamento de algumas despesas.
Em sua apelação, o ex-prefeito alegou, inicialmente, que o agente político não responde por improbidade (Lei nº 8.429/92), porquanto estaria sujeito ao regramento específico contido no Decreto-Lei n.º 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores, no que sustentou a inadequação da via eleita. Seguiu apontando a inépcia da inicial, sob o argumento de que o MP/MA veiculou narrativa fática genérica, superficial e, em parte, ininteligível, sem que tenha individualizado as condutas ímprobas do réu, tampouco feito as distinções necessárias ao adotar as expressões “atos de improbidade administrativa” e “irregularidades”.
Sustentou a ausência de provas da prática dos atos de improbidade alegados e da demonstração de dolo ou culpa grave, bem como a falta de provas acerca do dano ao erário. Argumentou a ausência de razoabilidade e proporcionalidade na aplicação das penalidades fixadas na sentença.
A Procuradoria Geral de Justiça, em parecer do procurador de Justiça Marco Antônio Guerreiro, opinou por negar provimento ao recurso.
VOTO
Inicialmente, o desembargador Kleber Carvalho, relator da apelação, rejeitou a tese da defesa, de que o agente político ocupante do cargo de prefeito não responde por improbidade administrativa. Lembrou que entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento de recurso extraordinário de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, julgado com repercussão geral, definiu-se a tese no sentido de que “(o) processo e julgamento de prefeito por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92, em virtude da autonomia das instâncias”.
O relator também rejeitou a tese de inépcia da inicial, explicando que a leitura de trechos da peça já é bastante, em comparação com a farta documentação juntada, para se chegar à conclusão de que é apurada, contendo claramente pedido, causa de pedir e narrativa lógica dos fatos que configuram, em tese, os atos ímprobos imputados ao apelante, razão por que não há que se falar em inépcia da inicial.
No mérito, o desembargador Kleber Carvalho frisou que estão cabalmente comprovadas as condutas ímprobas imputadas ao réu. Destacou que o encaminhamento, fora do prazo estipulado no artigo 20 da Instrução Normativa TCE-MA n.° 09/2005, das leis orçamentárias ao Tribunal de Contas (conduta enquadrada como ato ímprobo previsto no artigo 11, inciso II, da Lei nº 8.429/1992), é fato devidamente reconhecido por testemunha arrolada pelo próprio demandado e evidenciado no Relatório de Informação Técnica – RIT conclusivo nº 150/2008 do TCE-MA.
Também apontou a ocorrência de remanejamento de despesas públicas, mediante autorização contida em decreto municipal e em mera previsão genérica contida na LOA, em inobservância ao artigo 167, VI, da Constituição da República, o qual prevê a necessidade de prévia autorização legislativa específica para tal finalidade (ato ímprobo previsto no artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429/1992).
Por fim, o relator citou a ausência de processos de dispensa de licitação (ato ímprobo previsto no artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/1992), conforme demonstrado no Relatório de Informação Técnica conclusivo nº 150/2008 do TCE-MA (processo n. 3.175/2007), juntado aos autos, o qual aponta 15 contratos públicos celebrados pela Prefeitura durante a gestão do apelante, no ano de 2006, nos quais não foram instaurados os devidos procedimentos de dispensa de licitação previstos na Lei nº 8.666/1993, ao passo que, noutras cinco licitações, houve irregularidades pela ausência de documentos obrigatórios.
O relator disse que o dolo genérico constituído na mera violação intencional, consciente e injustificada do agente, tem sido reconhecido pelo TJMA, inclusive pela 1ª Câmara Cível. Kleber Carvalho verificou a prática de conduta deliberada do ex-gestor, que revela desprezo pelo dever de obediência aos princípios da legalidade, da transparência, da publicidade e da eficiência, consubstanciada no fato de ter retardado, ainda que com dolo genérico, o encaminhamento das leis orçamentárias ao Tribunal de Contas, no prazo em que estava obrigado a fazê-lo, prejudicando não só o município, mas, em última análise, a própria comunidade local.
Disse que também afigura-se culposa a conduta do apelante, ao não observar a previsão constitucional que impõe a necessidade de prévia autorização legislativa para remanejo de despesas, bem como sua conduta de não instaurar os procedimentos de dispensa de licitação para ao menos 15 contratos públicos celebrados pela prefeitura durante sua gestão. Ressalta que constata-se, no total, a extração do valor de R$ 873.523,78 de recursos dos cofres municipais para os referidos contratos, sem correta dispensa de licitação ou remanejo de despesas.
O relator entendeu que o juízo de base fixou adequadamente a dosimetria nas sanções de suspensão dos direitos políticos e de proibição de contratar com o Poder Público – de cinco anos, para ambos os casos – e considerou que a multa civil no valor de dez vezes a remuneração do agente público é adequada aos parâmetros da razoabilidade.
Os desembargadores Jorge Rachid e Angela Salazar também negaram provimento ao recurso do ex-prefeito.