Gosto de filmes que dividem opiniões, pois, como dizia Nelson Rodrigues, a unanimidade é burra. Mas uma coisa é você não gostar de um filme porque ele tem um roteiro ruim ou a produção é pobre ou tem defeitos técnicos etc. Não é o caso de Mignonnes, que muitos estão chamando de Lindinhas, que foi “atacado” no Twitter por gente que nem sequer viu o filme francês e pediu o cancelamento dele e também da Netflix. Abaixo, você confere minha opinião sobre ele e também sobre outra novidade, O Diabo de Cada Dia, que também pode não agradar a todos.
> Mignonnes iria se chamar Lindinhas, mas a Netflix manteve o título original em francês. Para quem não se ligou no Twitter, o filme foi criticado por radicais que nem checaram a trama, e por isso virou alvo de cancelamento. Motivo: a diretora Maïmouna Doucouré estaria “promovendo” a erotização de crianças. Mas o que ela faz é um registro sincero de meninas que, na ânsia de se tornarem adultas, se apegam a ídolos, de Anitta a Beyoncé, que fazem sucesso com suas coreografias sensuais. É o objetivo de Amy (Fathia Youssouf), uma garota de 11 anos, muçulmana e que segue as rígidas ordens da mãe senegalesa. Como se sente deslocada no ambiente escolar, aproxima-se de um quarteto de colegas, que está se preparando para um concurso de dança. Mas Amy vai passar dos limites, justamente por ser alguém que ela não é. A crise de identidade vai gerar conflitos íntimos e familiares. Por mais que haja, sim, estereotipados movimentos de sensualização, a proposta é, justamente, combater a “adultização” na infância. Basta ir até o fim da história para constatar.
> Filho do jornalista Lucas Mendes e nascido em Nova York, Antonio Campos tem sua melhor (e maior) chance de mostrar seu talento como diretor em O Diabo de Cada Dia, grande estreia da Netflix. Campos adaptou o livro de Donald Ray Pollock, que, no filme, faz o narrador de uma história ambientada entre os anos 40 e 60, que envolve dramas e tragédias. Ao fim da II Guerra, Willard Russell (Bill Skarsgard) volta para casa, no estado de Ohio, e, tomado por uma fé inabalável, se apega à religião. O primeiro ato termina de forma chocante. Vinte anos depois, seu filho, Arvin (Tom Holland), vai seguir um caminho errante como o de seu pai ao tentar proteger sua irmã adotiva. A trama ainda envolve um pastor evangélico dissimulado (Robert Pattinson) e um casal de serial killers (Riley Keough e Jason Clarke). A envolvente narrativa abarca conflitos tão dolorosos que nem se sente o tempo (138 minutos) passar. O roteiro questiona os meandros do fervor religioso (e a hipocrisia que envolve o fanatismo) em meio à violência de crimes hediondos praticados apenas pelo prazer de matar. É uma combinação explosiva!