Crise econômica, mudança nos padrões de consumo e efeitos da pandemia da Covid-19 sobre as formas convencionais de interação com o público. Atravessar essas dificuldades do presente e seguir em atividade no futuro parecia pouco para órgãos dos poderes Judicial e Executivo, em relação a duas bancas de revistas, instaladas há mais de duas décadas no canteiro da Avenida Miécio Jorge, no bairro do Renascença, em São Luís.
Nessa quinta-feira (15), sem decisão assinada por juiz, mas com um acordo feito pelas partes interessadas já no fim da manhã, após uma série de embates, as duas bancas, um ponto de táxi e uma lanchonete, a contragosto, foram transferidos para um espaço ladeado pelo Monumental Shopping e McDonalds.
A operação de ontem, executada pela Blitz Urbana, se deu por determinação do Ministério Público, por meio da Promotoria de Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural, que tem à frente do promotor Luís Fernando Cabral Barreto Junior. “Cadê a ordem judicial?” Uma corrente humana gritou, repetitivamente, para guardas municipais e funcionários da Blitz Urbana, órgão subordinado à Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação de São Luís (Semurh), quando a banca da família de Luís Henrique Costa Aires, de 41 anos, estava prestes a ser removida.
Frentes representativas da sociedade civil, candidatos ao cargo de vereador e a Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPEMA) agiam freneticamente para a permanência das estruturas, meio ao desespero dos donos dos estabelecimentos.
“Sobre a remoção na data de hoje (ontem), somente cinco dias atrás é que recebemos o aviso. E, por volta das 18h de quarta-feira (14), foi que a Blitz Urbana veio até nós, pedindo que retirássemos todos os produtos de dentro das estruturas. Não estou dizendo que não sairei daqui, mas quero mais tempo de planejamento, e um espaço que tenha o mesmo valor comercial que este. Vendemos para as pessoas que circulam por esta rua, há de haver um local com o mesmo fluxo, para que sejamos realocados”, declarou Henrique Costa, dono da Banca Shalon.
“Eu trabalho na venda de lanches. Hoje (ontem) ainda nem abri meu trailer, devido a esta possibilidade de remoção do meu estabelecimento. Trabalho neste ponto há aproximadamente 22 anos. Aqui, as vendas já estão cruéis, se formos para um espaço com movimento menor que o desta via, as dificuldades financeiras só aumentarão”, disse Conceição Souza Dias, de 56 anos.
Vale ressaltar que as bancas de revistas, e a venda de lanches, não seriam “demolidas”, mas levadas para um espaço no mesmo bairro, ladeado pelo Monumental Shopping e McDonalds. Ocorre que, mesmo o endereço de destino ser bem localizado, comercialmente não seria vantajoso, de acordo com os proprietários das bancas e do trailer. Já o ponto de táxi foi derrubado pelos próprios taxistas, que não demonstraram nenhuma resistência.
A falta de ordem judicial foi o ponto de discussão que levou quase a manhã inteira, até que se chegasse a um acordo, mediado pelo defensor-público da DPE, Jean Carlos Nunes, que coordena o Núcleo de Direitos Humanos. “Em articulação com a Vara de Direitos Difusos e Coletivos, com a Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte (SMTT), com a Blitz Urbana, e com as promotorias de Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural e Controle Externo de Atividades Policiais, além dos donos das bancas, ficou acertado que as estruturas seriam levadas para o espaço provisório (ao lado do McDonals), mas que as instalações definitivas serão no estacionamento em frente ao Tropical Shopping, também no Renascença 2”, informou Jean Carlos.
À imprensa, o defensor-público disse que a transferência para o espaço fixo só não seria feita ainda ontem porque o estacionamento estava cheio de veículos. E que bases de concreto ainda serão construídas, para receber as bancas; além de instalações elétricas que precisam ser feitas.
“A Defensoria luta para garantir a sobrevivência digna destas famílias proprietárias destes estabelecimentos. Não entramos no mérito de a remoção ser indevida ou não, mas se vão promovê-la, que as condições de alternativas e sobrevivência destas pessoas sejam dadas”, destacou Jean Carlos.
No fim das contas, os estabelecimentos saíram de um espaço público para outro.
NA JUSTIÇA
No dia 12 de abril, deste ano, uma equipe da Blitz Urbana teria feito uma visita às duas bancas de revistas, a um trailer de venda de lanches, e ao ponto de táxi. A visitação teve como objetivo dar a notícia de que o promotor Fernando Barreto, que é titular da 1ª Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural, havia intimado a Prefeitura para a retirada dos empreendimentos.
Representados pelo advogado Carlos Magno Sampaio Lima, os proprietários das bancas e do trailer recorreram na Justiça com um “mandado de segurança coletivo”, pedindo por meio de liminar a permanência das estruturas no logradouro.
No dia 12 de maio, o titular da Vara de Direitos Difusos e Coletivos, juiz Douglas de Melo Martins, indeferiu o pedido. No entanto, o documento assinado pelo magistrado, a qual o Jornal Pequeno teve acesso, não há ordem para a retirada das bancas de revistas, do ponto de táxi, e da lanchonete.
Já a decisão do magistrado se baseou na Lei 1790/68, do Código de Posturas do Município de São Luís, que dispõe em seu artigo 87 que “é proibido embaraçar ou impedir, por qualquer meio, o livre trânsito de pedestres ou veículos nas ruas, praças, passeios, estradas e caminhos públicos, exceto para efeitos de obras públicas ou quando exigências policiais o determinarem”.
Na Avenida Miécio Jorge, na manhã de ontem, a remoção dos empreendimentos foi encabeçada pelo secretário-adjunto de Fiscalização da Semurh, Samuel Dória, que é o diretor da Blitz Urbana. Nos primeiros minutos do movimento, chegaram ao local os promotores José Cláudio Cabral e Cláudio Guimarães, da Promotoria de Justiça de Controle Externo da Atividade Policial.
“Quando existem estas operações, das quais o Estado ou Município farão uso do poder de polícia, por medida administrativa, eu acompanho para que depois não haja argumentos dos tipos ‘abuso de autoridade’ e ‘resistência’. Já a questão judicial, que determina a retirada das bancas, compete à Promotoria do Fernando Barreto. Mas li sentenças de dois juízes, afirmando que, nesta situação, o que prepondera é o interesse público. Calçada foi feita para pedestres, e não para bancas de revistas, lanchonetes… A questão aqui (na Avenida Miécio Jorge) é de código de postura, de urbanismo, de municipalidade”, destacou o promotor Cláudio Guimarães, dando ênfase sobre manter a legalidade no ato de retirada das bancas da via pública, onde elas ficaram por cerca de 20 anos.
SEM ORDEM JUDICIAL
De acordo com o defensor público Jean Carlos, a DPE teria constatado a inexistência de ordem judicial, para a retirada das bancas e da lanchonete. E, de forma enfática, ele disse que se ação da Blitz Urbana fosse um cumprimento de ordem judicial, deveria haver no local a presença de um oficial de Justiça, responsável pela condução da retirada.
Não havia oficial de Justiça na manhã de ontem, na Miécio Jorge. O defensor informou, ainda, que a ação de ontem resultava de uma ação administrativa do Ministério Público, por meio da Promotoria de Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural, que está obrigado a Blitz Urbana a retirar as bancas do canteiro central da avenida.
Jean Carlos afirmou que os donos das duas bancas de revistas ingressaram com medida judicial na Vara da Fazenda Pública, mas que ainda está pendente de apreciação.
ALTERNATIVA
Desde o início da presença da Blitz Urbana no local, o diretor Samuel Dória deixou claro que a retirada seria feita, mas que o destino final do remanejamento poderia ser negociado, e que ouviria as preferências de cada um dos proprietários das estruturas removidas.