Hotéis de poucas suítes, pratos com assinatura de chefs, atendimento 24 horas, passeios e deslocamentos privativos. O turismo de luxo já reunia características naturalmente opostas à ideia de aglomerações. Junte a essa equação fronteiras fechadas para viagens internacionais de brasileiros e protocolos de segurança sanitária reforçados no segmento. Resultado: as viagens de alto padrão estão em alta no País.
“A restrição de ida ao exterior desencadeou uma oportunidade para o Brasil: por que não oferecermos aqui o que muitos brasileiros buscavam apenas no exterior? Serviços de luxo e de pós-luxo, com grande conexão entre charme, design, gastronomia, natureza e sustentabilidade, tem clientes certos entre brasileiros que encontravam isso na África do Sul, na Provence, na Patagônia, e lá deixavam milhões de dólares”, diz Jaqueline Gil, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Turismo e Sustentabilidade da Universidade de Brasília (Lets/UNB) e fundadora da Amplia Mundo, consultoria especializada em inovação e planejamento de cenários futuros em turismo e hospitalidade.
Em Florianópolis, a demanda por turismo de luxo é altíssima, porém a oferta é muito restrita, segundo Eduarda Tonietto, arquiteta e diretora criativa da Milano Incorporada, detentora do Fuso Concept Hotel, aberto em dezembro em Jurerê Internacional. “Além disso, o hotel veio do desejo de criar um produto com uma atmosfera mais despojada e sem a formalidade que o mercado de luxo está acostumado a oferecer. E que se comunicasse com o público que tem no lifestyle a busca por momentos inesquecíveis, que aprecia o bom design, os artistas brasileiros, a conexão com a natureza, serviço impecável e exclusividade”, explica. “Esse turista vai para fora do País buscar esse tipo de hotel. Nosso propósito é ter uma opção nacional de acesso fácil, a uma hora de voo de São Paulo.” As tarifas no Fuso começam em R$ 1.900 (com café, para casal).
É o estilo também da Six Senses que acaba de chegar ao Brasil. O Botanique, em meio à natureza da Mantiqueira na região paulista de Campos do Jordão, passou a ser administrado pela rede agora em fevereiro. Gastronomia e spa foram repaginados pela marca internacional. “Desde o nosso primeiro hotel nas Maldivas, acreditamos que a essência do luxo está em experiências únicas e extraordinárias, profundas para nos reconectarmos com nós mesmos, os outros e o mundo ao redor”, afirma Dominic Scoles, gerente-geral do hotel, com diárias para dois a partir de R$ 2.277 com café. “Estamos muito alinhados com o conceito do Botanique de pós-luxo. Acredito que após a pandemia as pessoas vão escolher bem como gastar seu valioso tempo e dinheiro. Parece existir um despertar global e estamos certos de que o Brasil é uma grande parte disso.”
Em uma península do litoral catarinense, o Ponta dos Ganchos Exclusive Resort tem apenas 25 bangalôs e atividades como trilhas, stand up paddle e caiaque à disposição dos hóspedes. “No Ponta dos Ganchos, o foco sempre esteve em entregar, além de belas instalações, um serviço de altíssimo padrão e personalizado. Nosso hóspede tem um perfil mais exigente, e nós buscamos exceder as expectativas. Como membro dos seletos hotéis The Leading Hotels of the World, afinamos sempre padrões de atendimento, qualidade e serviço, ganhando reconhecimentos nacional e internacional, e o mais importante, o de nossos hóspedes”, diz Fernanda Makhou, diretora de Vendas e Marketing do hotel. Os bangalôs têm deques privativos com vista para o mar; tarifas a partir de R$ 2.800 (até abril, exceto em feriados). As diárias incluem café da manhã servido em dez tempos.
Gastronomia também é um dos pontos em constante aprimoração no Palácio Tangará, na capital paulista. Com opções plant-based, novo menu acaba de ser lançado no Tangará Jean-Georges, sob a curadoria e colaboração entre o chef francês Jean-Georges e o chef Felipe Rodrigues, responsável local pelo restaurante. Integrante da Oetker Collection, o hotel vem registrando alta nas reservas desde setembro, quando reabriu após seis meses fechado. “Aumentamos 12% em janeiro de 2021 em relação a janeiro de 2020, e a ocupação média do hotel até 31 de dezembro foi de 51%. O mercado nacional nunca esteve tão forte, em especial entre os hóspedes do Estado de São Paulo, em busca de um lugar para relaxar, com qualidade e segurança”, diz Celso David do Valle, diretor-geral do Tangará.
A vivência do hóspede ganha ainda mais importância para cativar e fidelizar o viajante brasileiro que buscava o turismo de luxo no exterior. “A qualidade das instalações e serviços dos hotéis de luxo no Brasil contam muito para cativar o brasileiro que estava mais acostumado a viajar para o exterior. Felizmente o Brasil dispõe de belíssimos hotéis com ótimo serviço, que poderão ser vivenciados pelos viajantes brasileiros”, diz Antonio Mazzafera, CEO do Fera Hotéis. Com café, a diária para duas pessoas sai entre R$ 925 e R$ 2.881 no Fera Palace Hotel, em Salvador.
Novos hóspedes brasileiros
No tradicional Belmond Copacabana Palace, no Rio, cresceram a ocupação e a quantidade de reservas feitas por quem nunca tinha ficado lá. “Podemos dizer que a ocupação cresceu consideravelmente, principalmente nos meses de dezembro e janeiro. Observamos um aumento de 21,94% de novos hóspedes, o que é considerado extremamente relevante para o Copa, um hotel que tem muitos clientes habituais. Nesse mesmo período, contabilizamos um total de 1.399 novos hóspedes”, diz Ulisses Marreiros, gerente-geral do Copacabana Palace. O hotel criou produtos para atender o brasileiro, caso do Staycation (hospedagem na própria cidade) e Stay a Little Longer (diária a mais em reservas de três noites). “O Exclusive Places oferece o sexto andar do hotel, o mais desejado, inteiramente para o hóspede e sua família, uma experiência exclusiva e personalizada.”
O Copacabana Palace faz parte da Brazilian Luxury Travel Association (BLTA), associação de turismo de luxo no Brasil cujos integrantes tiveram uma ocupação média de 70% nos meses de dezembro e janeiro. “Obviamente o mercado interno aqueceu com os viajantes que ficaram no Brasil. Teve essa demanda represada que impulsionou a ocupação sobretudo nos empreendimentos da BLTA. Muitos ficam em áreas remotas, e não temos hotéis de grande porte como resorts”, explica Simone Scorsato, CEO da Brazilian Luxury Travel Association (BLTA).
Uma pesquisa recente da associação apontou que a maioria dos integrantes se enquadra na tendência de turismo de isolamento, com os viajantes se hospedando menos vezes, mas por um número de diárias por viagem. Além de hotéis, participam da BLTA empresas que vendem roteiros turísticos completos. “Os operadores associados têm hoje um pacote seguro para o mercado nacional com experiências, mas também um produto de vilas, casas com um combo de serviços, para viajar com pessoas do próprio núcleo familiar ou de amigos.”
Apesar do momento otimista para o segmento de alto padrão, Simone lembra que a situação é muito instável por causa da pandemia, da falta de vacinação e da instabilidade política e econômica do Brasil. “Mas não tenho a menor dúvida de quanto o Brasil foi redescoberto pelos brasileiros neste momento de reset com a pandemia. Lençóis Maranhenses e a própria Amazônia são destinos que o brasileiro desconhecia.”
Descoberta do país na pandemia
Carol Razuk costumava viajar para o exterior antes da covid-19. “A gente tem esse olhar, pelo menos eu tinha, para fora. Não sei se é da nossa história não valorizar a nossa cultura. Com a pandemia, fiquei em casa e tive a oportunidade de me aproximar dos meus pais. Da mesma forma, foi uma chance de apreciar as coisas que o Brasil oferece.”
Em 2020, ela esteve com a mãe na Serra Gaúcha e com o irmão no Amazonas. “Minha experiência na Amazônia foi muito boa, tudo impecável”, conta Carol, que se hospedou Lodge Mirante do Gavião, hotel de selva com pacotes desde R$ 2.871 por pessoa (traslados, uma noite de acomodação, passeios e refeições). “Achei muito inspirador, eu passaria mais tempo lá. Gostei de conhecer os povos que moram lá. Abre os olhos para uma realidade que talvez a gente ignore”, acredita.
Formada em Artes Visuais, ela trouxe da viagem máscaras de escamas de pirarucu e filtro dos sonhos. “As viagens, inclusive para o meu trabalho, são importantes. Coleto muita informação e recurso”, diz. Carol trabalha com design de joias de alto padrão e pensa em uma coleção futura inspirada nessa vivência. “Não quero fazer algo com o material ou símbolos da fauna de lá. Para ter um real significado, queria fazer algo que desse um retorno para a comunidade”, afirma.
Agências investem em produtos de luxo
O novo cenário despertou o interesse até da gigante CVC. “Para atender a essa demanda, criamos a Travel Boutique nas marcas da CVC Corp, que passaram a oferecer roteiros em hotéis de luxo no país, com serviços e experiências exclusivas em diversos destinos nacionais”, diz Nathalia Pacheco, gerente de Planejamento e Estratégia de Produtos do grupo. “Isso também é uma tendência que deve seguir forte por todo esse ano. Com menos hóspedes por hotel, a personalização de serviços tornou-se mais importante do que nunca.”
Emiliano, Fasano, e Nannai são alguns dos nomes do segmento de luxo, apresentados na página em links a partir dos sites da CVC e da Submarino Viagens. “Além de serviços que já estão no portfólio, como aluguel de carros de luxo, blindados e elétricos, para este ano haverá lançamento de novos produtos na Travel Boutique, como lanchas e catamarãs privativos”, conta.
A Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) criou o Grupo de Trabalho de Turismo de Luxo no fim de 2020, com o objetivo de aprimorar e fortalecer a atuação de suas associadas desse nicho. “Vamos qualificar o mercado de luxo nacional e internacional. A ideia é juntar as agências que se encaixem nesse nicho de luxo, mapeando esses associados para trazer fornecedores, hotéis, companhias aéreas, todos os elos da cadeia”, explica Frederico Levy, diretor do segmento de Luxo da Abav Nacional, com 25 integrantes de diferentes regiões do País.