70% das crianças do Brasil podem não aprender a ler, alerta Banco Mundial

Escolas fechadas por muitos meses é uma ‘tragédia nunca vista’ para aprendizagem e produtividade, aponta relatório

Fonte: Renata Cafardo e Júlia Marque

O período de escolas fechadas por causa da pandemia do novo coronavírus pode fazer com que 2 em 3 alunos do Brasil não consigam ler adequadamente um texto simples aos 10 anos. A conclusão é de um relatório do Banco Mundial que analisou o impacto da Covid na educação dos países da América Latina e Caribe, divulgado nesta quarta-feira, 17.

Além disso, os prejuízos econômicos na região chegariam a US$ 1,7 trilhão de dólares, em perdas de produtividade dos cidadãos. “Os efeitos prejudiciais sobre o capital humano são simplesmente uma tragédia”, diz o relatório intitulado Agindo Agora para Proteger o Capital Humano de Nossas Crianças.

O estudo faz simulações para perdas depois de 7 meses de escolas fechadas, 10 meses e 13 meses, considerado o cenário mais pessimista. É esse, no entanto, que se aproxima da realidade em diversos Estados e municípios brasileiros que ainda não reabriram a educação, diante do quadro grave da pandemia no Brasil atualmente.

“O ensino remoto não substitui o presencial”, diz o relatório. “Os países precisam estar prontos para reabrir as escolas nacionalmente e investir os recursos necessários para que isso aconteça, para começarem a se recuperar das perdas dramáticas de aprendizagem e outros efeitos negativos da pandemia.”

A defasagem de aprendizagem foi medida por meio de um índice do Banco Mundial chamado “pobreza de aprendizagem”, que usa dados de avaliações educacionais. Ele indica o porcentual de crianças com 10 anos incapazes de ler e entender um texto simples. A pandemia aumentaria esse índice para 93% dos alunos na República Dominicana, que tem o pior quadro. O melhor dele é o Chile, que iria de 31% para 59% das crianças nessa situação.

O Brasil, que já tinha 50% dos alunos em pobreza de aprendizagem, iria para um índice semelhante à média da região, de 70%. Essas perdas correspondem a 1,3 ano de escolaridade, ou seja, o estudante teria o conhecimento de mais de uma série anterior a que é correspondente à sua idade. Com um tempo maior de escolas fechadas, a defasagem pode subir para 1,7 ano de escolaridade.

 

“O impacto no Brasil talvez seja mais devastador porque temos um nível de desigualdade maior que grande parte dos países da América Latina”, diz o economista da Prática de Educação do Banco Mundial Ildo Lautharte. Ele ressalta que o “grande temor” é perder as conquistas que o País havia feito nos últimos anos de melhora da qualidade da educação, principalmente nos primeiros anos do ensino fundamental.

O relatório alerta que a pandemia pode fazer com que os sistemas educacionais da região voltem ao que eram nos anos 60, com consequências duradouras para toda uma geração. A América Latina e o Caribe têm hoje 170 milhões de estudantes e já vive a chamada “crise de aprendizagem”, com sérios problemas na qualidade e equidade da educação.

O estudo ainda indica a piora dos países em exames internacionais como o Pisa, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil cairia 36 pontos com 10 meses de escolas fechadas e 50 pontos, com 13 meses. E a diferença de desempenho entre os mais ricos e mais pobres na avaliação aumentaria para até 105 pontos, o que representa um quarto de um ano de escolaridade. Segundo o relatório, as perdas são maiores para estudantes de escolas públicas e para meninas.

As estimativas consideram um efeito moderado do ensino remoto durante a pandemia para a aprendizagem das crianças. Lautharte diz, no entanto, que é difícil saber o quanto ele ajudou, já que houve diversas formas e qualidade diferentes da educação online oferecida no País. “O mais importante do ensino remoto foi manter o vínculo com a escola, o impacto mesmo só vamos ver com as escolas abertas e avaliação dos alunos.”

Para ele, o momento também pode ser visto como uma oportunidade de melhoria nas escolas, com mais flexibilidade, inovação e com o uso da tecnologia. “O ensino híbrido pode ser uma ferramenta importante para aulas de projeto de vida, para grupos menores de alunos que precisam trabalhar dificuldades específicas”, diz. Nas conclusões do relatório, o Banco Mundial ainda afirma que para resolver o problema, “o financiamento público para educação precisa ser priorizado e bem empregado”.

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