Via Sacra do Anjo da Guarda, em São Luís, segue cancelada pelo 2º ano consecutivo devido à Covid-19

Por quatro décadas, o espetáculo foi apresentado pelas ruas do bairro, movimentando a economia local e proporcionando lazer e emoção.

Fonte: Luciene Vieira

É possível realizar teatro num contexto de limitações ao contato corporal, o principal instrumento do ofício cênico? Como será o futuro da área, essencialmente uma arte do encontro? Para o Grupo Grita, que é o realizador da Via Sacra – o maior evento teatral a céu aberto do Maranhão –, com média de 1.600 pessoas envolvidas, e público de 200 mil, cujos palcos eram as ruas e praças do Anjo da Guarda, bairro de São Luís, apesar da busca pelas respostas, ainda não existe uma certeza capaz de sanar todas as angústias. Assim, pelo segundo ano consecutivo, devido às medidas restritivas de combate à Covid-19, o espetáculo está cancelado.

Em uma quinta-feira de Semana Santa “típica”, o presidente do Grupo Grita, o profissional de teatro e contador Carl Pinheiro, estaria com poucos ou nenhum momento de descanso, diante dos preparativos para a realização da peça. Mas ontem (1º), com a Via Sacra cancelada, Carl sentou-se para um bate-papo com o Jornal Pequeno, quando informou sobre a história do Grita e do evento.

Carl contou que espera para 2022 a realização da Via Sacra, que o espetáculo possa ser entregue ao público em boas condições, com as estruturas conservadas, equipamentos de luz e som em bom estado.

“Estamos diante do ‘mar vermelho’, ele não se abre. O povo de Deus esperou 40 anos e fez a travessia. A cultura, infelizmente, após 40 anos de Via Sacra, esbarrou ‘nesse mar que não se abriu’. A pandemia do novo coronavírus chegou, e os órgãos públicos culturais não tiveram planejamento para oferecer ao teatro, que é ação, é o ao vivo. Quando se leva para a tela, não é mais teatro. Minha esperança é por um 2022 com toda a população vacinada, para que possamos voltar ao espetáculo de rua”, informou Carl.

Segundo o presidente do Grita, existe lei estadual que incluiu em 2012 a Via Sacra no calendário cultural do Maranhão, aprovado em assembleia. Mas além da questão cultural, segundo Carl, a perda foi também financeira.

A Via Sacra movimentava um público formado por aproximadamente 200 mil pessoas, 1.600 empregos temporários diretos ou indiretos, e um cofre de R$ 500 mil para serem gastos na realização das duas noites de peça. Carl explicou que a arte cênica feita pelo Grita era capaz de dar ao Anjo da Guarda oportunidades de palestras, oficinas e empregos informais os moradores.

“A ARTE FAZ A VIDA VALER A PENA” A frase é de Elza Gonçalves, atriz que interpretou Maria (mãe de Jesus) por 13 anos na Via Sacra do Anjo da Guarda, dois anos Cláudia Prócula – esposa de Pôncio Pilatos; e, em 2019, o Anjo da Anunciação, que era uma índia. Elza é servidora pública municipal e presidente da Associação dos Artesãos da Área Itaqui-Bacanga.

“Quando fiz o Anjo da Anunciação eu ouvi os aplausos de 50 mil pessoas, que estavam na praça desta cena do espetáculo. Foi emocionante, fico arrepiada em lembrar”, disse Elza sobre sua experiência na peça.

Sobre o que mais sente falta, Elza, que é moradora do Anjo da Guarda, citou a atmosfera de alegria que se instala no bairro nos meses que antecedem à exibição da Via Sacra. “É emocionante esta atmosfera na comunidade. Há um ditado que diz: ‘Quando Deus está demorando muito, é porque ele está preparando o melhor do que o Senhor tem para dar para gente’. O ano que vem será uma Via Sacra mais humana. Tenho certeza que a pandemia terá acabado. Quando fecho os olhos vejo cada cena. A esperança existe”, declarou Elza.

GRUPO GRITA

De acordo com Carl Pinheiro, o Grupo Grita, que tem atualmente 19 membros, surgiu nos anos 70, quando foifundado por três jovens que participavam do catecismo da Igreja Nossa Senhora da Penha. “O teatro fazia parte da igreja. A arte cênica era utilizada para ‘catequizar’ as pessoas. Zezé, Gigi Moreira e Cláudio Silva são os fundadores do Grita, ainda na adolescência”, informou Carl.

Em 1981, segundo Carl, o trio recebeu da Nossa Senhora da Penha a permissão para construir um teatro, o Itapicuraiba, no terreno da igreja. O teatro tem formato de oca e circense, e seu nome é indígena, que significa na língua tupi-guarani “caminho de pedras pequenas”.

Com a estrutura pronta, houve o primeiro trabalho de produção autoral do Grita, o espetáculo De volta ao Madeiro, que falava de um Cristo camponês, que buscava seus direitos como agricultor. Posteriormente, a peça começou como Via Sacra.

Carl citou que o Grita passa hoje por dificuldades para pagar o alvará do teatro Itapicuraiba, além de contas de luz. A Prefeitura de São Luís chegou a lançar o programa Alvará Zero, quando empresas durante a pandemia podem deixar de pagar o alvará. Porém, o mesmo não teria sido concedido aos estabelecimentos culturais, segundo Carl.

LIVE

Nesta sexta-feira (2), Carl disse que ocorrerá uma live, tendo como convidados atores maranhenses, cujo tema é: “Memórias em rede”. A transmissão será no Instagram e Youtube do Grupo Grita, às 18h.

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