Gestantes personificam a celebração da vida. Mas na pandemia de Covid-19, a gravidez também é fator de risco de doença e morte. Médicos alertam que mulheres grávidas correm um perigo maior e deveriam ter prioridade no acesso a tratamento, incluindo internação em UTI, e a testes de diagnóstico.
Gravidez não é doença, mas aumenta a possibilidade de agravamento da Covid-19 a exemplo de comorbidades bem estabelecidas, como hipertensão e diabetes. É o que explica a infectologista Clarisse Pimentel, diretora do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião (IEISS), unidade de referência no atendimento de UTI para gestantes com a doença e que atua em parceria com os serviços de obstetrícia e de UTI neonatal do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE).
Se na primeira onda da pandemia, as gestantes não chegaram a causar especial preocupação, agora o quadro é outro. Médicos têm observado um número maior delas nas UTIs, à medida que aumentou também o de jovens — os casos entre eles, segundo a Fiocruz, cresceram mais de 500%, de janeiro a março.
— Os idosos quase já não estão mais internando. Não sabemos se já é resultado do efeito benéfico da vacina, pode ser que seja. Mas o fato é que agora os jovens, muitos sem comorbidades, predominam nas UTIs, e as gestantes estão entre eles — diz Ana Luiza Oliveira, infectologista do IEISS.
Um estudo da Universidade de Washington, publicado em fevereiro na revista American Journal of Obstetrics and Gynecology, estima que a Covid-19 é 70% mais frequente em gestantes do que em mulheres da mesma faixa etária.
Já uma pesquisa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) com 400 mil mulheres com coronavírus, 23.434 das quais grávidas, chegou à conclusão de que a gestação é fator de alto risco de agravamento da Covid-19. A chance de uma gestante ser internada em UTI foi 62% maior que a de mulheres da mesma faixa etária. A de intubação foi 88% maior.
— Os dados no Brasil ainda são imprecisos, mas vemos um número maior de gestantes em estado crítico. Por isso, consideramos que elas devem ser priorizadas e que as grávidas precisam ser alertadas sobre a necessidade de cuidados redobrados — afirma Pimentel.
A grávida tem as chamadas condições de base para um quadro grave de Covid-19. Em primeiro lugar, a gestação reduz a atividade do sistema imunológico para que o bebê não seja rejeitado. Isso torna uma grávida mais suscetível a complicações de infecções. E infecções respiratórias são reconhecidamente perigosas para as gestantes.
Os pulmões delas são sobrecarregados. O útero dilatado comprime o diafragma e isso reduz a capacidade pulmonar. Comprimidos, os pulmões recebem a carga extra de dividir o oxigênio entre a mãe e o bebê.
A grávida costuma sofrer ainda inflamação e tem uma maior tendência à formação de trombos, ambos fatores de agravamento da Covid-19. E se soma a isso tudo o fato de que muitas gestantes apresentam com frequência as comorbidades mais associadas à Covid-19: obesidade, hipertensão e diabetes.
Não há comprovação de que o coronavirus pode ser transmitido durante a gestação, mas a inflamação e a infecção da mãe podem afetar o feto, com consequências ainda incertas em seu desenvolvimento.
Numa gestante com Covid-19 tudo é mais difícil. A começar, porque se tratam de dois e não apenas de um paciente. Não basta uma vaga. É preciso haver uma de UTI para a grávida e outra, na neonatal, para o bebê, que muitas vezes tem o parto antecipado numa tentativa de salvar a vida da mãe.
Médicos precisam decidir rapidamente se interrompem ou não uma gestação para aumentar as chances de sobrevivência da mãe. Algumas não veem o filho nascer porque estão intubadas. Porém, as gestantes que têm a chance serem atendidas, porém, quase sempre sobrevivem.
— Quando uma gestante desenvolve Covid-19, tudo pode dar errado. Temos duas vidas a salvar e o quadro pode passar de leve a crítico depressa, são as pacientes que nos causam maior preocupação — enfatiza o infectologista Rafael Galliez, do IEISS e professor de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mesmo acostumada a casos de gestação de alto risco, a obstetra Carolina Mocarzel, chefe da Unidade Materno-Fetal do HFSE, frisa que nunca tiveram tantos partos na UTI:
— Partos de mulheres intubadas já são extremamente delicados, mas quando a mãe tem Covid-19, piora porque ela é muito instável — diz Mocarzel.
Na linha de frente do tratamento de gestantes desde o início da pandemia, a infectologista Raíssa Perlingeiro salienta que a maioria das mulheres chega sem comorbidades, além do fato de estar grávida. Ela diz que parte do agravamento se deve à demora no diagnóstico, em conseguir vaga para tratamento adequado, além de dificuldades no pré-natal que já existiam antes da pandemia.
Perlingeiro, de 32 anos, compreende o drama das grávidas da pandemia como poucos. Ela própria espera o primeiro filho, numa gestação descoberta num plantão.
Com 22 semanas de gestação de Heitor, decidiu continuar no atendimento da UTI. Segue com os cuidados de antes e agora com a proteção da vacina, pois já tomou as duas doses da CoronaVac.
— Claro que foi uma decisão difícil, mas era o certo a fazer, mais do que nunca me coloco no lugar dessas mulheres que nos chegam tão frágeis — afirma Perlingeiro.