Foto: Tullio Pádua
Outro aspecto positivo observado no cultivo orgânico é a quantidade de frutos classificados como de melhor qualidade
Outro aspecto positivo observado no cultivo orgânico é a quantidade de frutos classificados como de melhor qualidade, chamados de “frutos de primeira” (acima de 1,5 kg), no caso da variedade Pérola: mais de 90% da produção apresentou frutos de peso médio elevado, de 1,8 kg a 2 kg, quando em cultivo irrigado. “O preço do fruto de segunda representa aproximadamente metade do preço do de primeira. Então, quanto mais frutos de primeira o produtor tiver, maior é o seu lucro. No convencional, a produção fica entre 50% e 60% de frutos de primeira. E no orgânico conseguimos mais de 90% quando cultivado com irrigação por microaspersão”, relata o cientista que, ao lado da pesquisadora Ana Lúcia Borges, representa a Embrapa na Comissão de Produção Orgânica da Bahia, fórum composto por membros de entidades governamentais e não governamentais.
Sistema Orgânico de Abacaxi, solução tecnológica para a agricultura sustentável
Esse é mais um resultado do projeto “Desenvolvimento de sistemas orgânicos de produção para fruteiras de clima tropical“, conduzido há quase dez anos pela Embrapa com a Bioenergia Orgânicos. O SOP Abacaxi reúne recomendações técnicas relacionadas a planejamento do pomar, condições de cultivo, cultivares, mudas, escolha do terreno e preparo do solo, plantio, suprimento de nutrientes e de água, manejo de plantas espontâneas, indução floral, manejo de pragas e doenças, colheita e manejo pós-colheita dos frutos, além de custo e rentabilidade. É recomendado para a região da Chapada Diamantina, mas a proposta é que sirva de modelo e possa ser ajustado para outros polos produtivos do País, já que contempla os princípios básicos da produção orgânica.
O abacaxi no Brasil e no mundoSegundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2019, o abacaxi foi produzido em 85 países, sendo o quinto fruto tropical mais importante. A Costa Rica é o maior produtor mundial, e o Brasil ocupa a terceira posição no ranking. Os principais estados produtores são Pará, Paraíba, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Tocantins. Dados de janeiro de 2021 mostram que existem 22.982 produtores orgânicos cadastrados no Ministério da Agricultura. Desses, 1.518 produzem abacaxi (6,6%). “Há uma porcentagem pequena de produtores de abacaxi cadastrados como orgânicos. A intenção desse trabalho, assim como no caso das demais fruteiras, é contribuir para aumentar esse contingente, em busca de uma agricultura mais sustentável”, destaca Pádua. Foto: Davi Theodoro Junghans (Florescência do abacaxi) |
Seleção das variedades
De acordo com a Portaria Nº 52 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), nos sistemas orgânicos deve-se priorizar a utilização de material adaptado às condições locais e tolerantes a pragas e doenças, já que não se pode utilizar agrotóxicos nem adubos químicos solúveis. “No caso do abacaxi, então, já tínhamos uma alternativa, o BRS Imperial (foto à direita), cultivar desenvolvida pela Embrapa Mandioca e Fruticultura, resistente à fusariose. Além disso, a cultivar tem um valor de mercado para o fruto in natura muito elevado e uma aceitação sensorial excelente, por ser muito doce. Ainda tem outro importante diferencial: não contém espinhos nas margens das folhas e na coroa, o que facilita o manejo e reduz custos e risco de acidentes”, salienta o pesquisador.
Já o Pérola, mesmo sendo suscetível à fusariose, foi escolhido por ser a variedade mais consumida em todo o País. “É um material que se adapta a praticamente todas as regiões e condições de cultivo, podendo, assim, vir a ser um componente importante na produção, porque os frutos são de muita qualidade, com bom tamanho e sabor, mesmo em cultivos mais rústicos, com menos tecnologia, menos adubação”, complementa Pádua.
Preparação do plantio
Com base no resultado das análises de laboratório, fez-se, de antemão, a correção do solo, com aplicação de calcário, e o preparo da área utilizando um coquetel de plantas chamadas “melhoradoras” (gramíneas e leguminosas), de forma a produzir palhada para a proteção do solo e ciclagem de nutrientes. Em seguida, houve definição de espaçamento de plantio, em que se avaliaram cinco densidades para cada variedade; análise de doses de adubação orgânica, utilizando um composto chamado bokashi (foto à esquerda), que é enriquecido com micro-organismos benéficos às plantas e emprega vários resíduos ou produtos, como esterco bovino, torta de mamona, pó-de-rocha silicatada e micronutrientes; e avaliação da influência das plantas melhoradoras na produtividade das variedades.
Pádua explica que, paralelamente, foram avaliadas lâminas de irrigação, cinco para cada variedade, com o intuito de calcular a necessidade hídrica de cada planta para produzir bem — a irrigação é recomendada pelo fato de o plantio e a colheita poderem ser feitos em diferentes períodos, tendo o produtor a possibilidade de obter frutos durante todas as épocas do ano. Também foram testados sistemas de irrigação diferentes e a viabilidade do uso do mulching, uma espécie de lona plástica, tecnologia que pode ser usada em cultivo orgânico para controle de plantas daninhas e serve também como barreira física à transferência de calor e vapor de água entre solo e atmosfera.
Vantagens na associação da cobertura plástica e irrigação por gotejo
Ambas as cultivares apresentaram respostas positivas ao uso da cobertura plástica do solo no cultivo irrigado. Essa prática não apenas permitiu o controle do mato nas linhas de plantio, seu objetivo inicial, mas também contribuiu para um melhor desenvolvimento vegetativo das plantas e uma produção de frutos maiores, com valor comercial superior.
Pádua explica que, com a irrigação por microaspersores (a água é jogada em gotas como chuva), sem a utilização da cobertura plástica, o produtor obtém frutos de maior peso. Mas caso opte pela irrigação por gotejo (a água é aplicada em pequenas vazões diretamente nas raízes das plantas), é importante que utilize o mulching para manter a boa produtividade do BRS Imperial — o gotejamento é distribuído por baixo da cobertura plástica.
“Para esse material, com a irrigação por gotejo sem cobertura plástica, o peso médio dos frutos foi de 600 g [o BRS Imperial tem frutos cilíndricos e menores]. Quando se utiliza a cobertura plástica com gotejo, o peso médio vai para quase 1 kg, semelhante ao que foi obtido quando se optou pelo microaspersor. A utilização do mulching associado à irrigação por gotejo aumentou o número de frutos com tamanho adequado para serem comercializadom em 128% para essa variedade. Outra informação interessante observada nesse sistema de cultivo foi a redução da incidência da fusariose no Pérola”, informa.
O pesquisador alerta que o produtor precisa ficar atento à validade do mulching, que deve ser descartado ao fim do ciclo, de forma a não gerar resíduos indesejáveis. “E a forma adequada de descarte deve fazer parte do planejamento da instalação do pomar”, orienta.
Desafios fitossanitários
O maior desafio para implantação de um sistema orgânico de produção é o controle de pragas e doenças, tendo em vista a impossibilidade de uso de defensivos químicos sintéticos. É preciso haver o manejo da vegetação natural, o manejo nutricional e o monitoramento populacional das pragas e dos inimigos naturais. Nas condições de Lençóis, os principais problemas fitossanitários do abacaxi, de acordo com o pesquisador da Embrapa Aristoteles Matos, são a murcha virótica associada à cochonilha, causada pelo pineapple mealybug wilt associated virus, tendo como vetor a cochonilha Dysmicoccus brevipes; e a fusariose, causada pelo fungo Fusarium guttiforme.
“Com relação à fusariose, a primeira medida, claro, foi a adoção do BRS Imperial, resistente à doença. No caso do Pérola, a estratégia de controle tem sido o manejo integrado, com destaque para a utilização de mudas sadias produzidas em viveiro antiafídeo, inspeção mensal e remoção das plantas que desenvolvam sintomas da doença durante o desenvolvimento vegetativo e, se necessário, aplicação de caldas fitoprotetoras de uso permitido na agricultura orgânica”, explica Matos. Para o combate à murcha virótica associada à cochonilha, a estratégia de controle, segundo ele, é semelhante.
Produção de mudas
Para evitar a entrada de pragas e doenças no pomar, o primeiro passo foi garantir a produção de mudas sadias e certificadas. A Bioenergia decidiu implantar seu próprio viveiro com telado antiafídeo. “Utilizamos a técnica do seccionamento de talo para a produção de mudas. Pelo fato de o abacaxi ser uma cultura de ciclo longo [dois anos], é um grande desafio, pois dependemos do tempo da fruteira. Em cada hectare, utilizamos 37 mil mudas. Pretendemos chegar a 100 ha. Imaginem quantas mudas teremos de produzir?”, pontua Osvaldo Araújo, um dos sócios da Bioenergia. Hoje são cinco ha destinados aos experimentos. A ideia é, em escala comercial, chegar, segundo ele, a 40 ha em 2022 e a 100 ha até 2023.
Foco no desenvolvimento local
A produção da Bioenergia será para a venda in natura e para abastecer a indústria de processamento de polpa integral, que, de acordo com Araújo, deve entrar em funcionamento em dois anos. A produção virá de suas fazendas, e a empresa vem envolvendo também agricultores familiares da região, como forma de promover o desenvolvimento local. “Fornecemos a muda, o adubo a preço de custo e garantimos a compra de 100% em contrato, e o produtor terá o compromisso de nos entregar, no mínimo, 50%.” O trabalho é realizado em conjunto com as prefeituras, encarregadas de organizar os produtores e prestar a assistência técnica. No caso do abacaxi, já existem três parceiros.
O gestor ambiental Rafael Wu, de Lençóis, é um deles. Em 2018, ele plantou quatro mil mudas do abacaxi Pérola em cultivo orgânico, adotando também preceitos do sistema agroflorestal. “Começamos o plantio com o maracujá nas entrelinhas do mamão, da banana e da lima ácida Tahiti. Utilizamos variedades da Embrapa e consorciamos com elementos florestais, as árvores nativas. Depois implantamos a área com o Pérola. Plantamos também mandioca, andu, tudo na mesma área. O crescimento dessas culturas junto com o abacaxi trouxe um bem-estar para a planta, reduzindo bastante a demanda hídrica dela”, conta Wu.
Recentemente, ele iniciou o plantio do BRS Imperial, utilizando mudas da Bioenergia (dez mil). Inseriu as mudas em áreas já plantadas, consorciando com graviola, citros, entre outras culturas, e fez um plantio novo, em consórcio com a mandioca, seguindo as recomendações do SOP. Ele conta que já observou outra vantagem do BRS Imperial: tolerância maior ao sombreamento. “Trabalhamos com sistemas agroflorestais, que tendem a sombrear muito mais o que está embaixo. Os abacaxis preferem o sol, mas o BRS Imperial teve resposta muito melhor do que o Pérola. Talvez, por isso, se encaixe melhor no sistema agroflorestal.”
Wu acrescenta que, desde que implantou sua área de fruticultura, há cinco anos, tem sido beneficiado pela parceria Embrapa/Bioenergia. “Um projeto dessa magnitude é importante para a Chapada e para o País. Sou vizinho da empresa e, para mim, é indispensável participar desse projeto, que está promovendo a integração dessa cadeia produtiva”, diz Wu, que participou de todas as capacitações promovidas pelo projeto desde 2014.
Desenvolvimento constante de novas tecnologiasDisponível on-line, o SOP do abacaxi é atualizado constantemente após o teste de novas tecnologias. Entre as novas alternativas oferecidas ao setor produtivo está uma forma de controle da queima solar, problema que impacta diretamente a qualidade do fruto. Os produtores costumam cobrir os frutos com jornal, prática não permitida no cultivo orgânico devido à presença de produtos químicos na tinta, que podem contaminar o fruto. “Decidimos testar as telas de sombreamento, tecnologia utilizada na Costa Rica e no México. Avaliamos as telas com diferentes intensidades de sombreamento e comparamos com o saco de papel pardo e com a testemunha sem cobertura”, informa Pádua. Com base nos resultados obtidos em dois ciclos, o estudo recomenda a tela de sombreamento de 50% para controle da queima solar de frutos do Pérola. Foto: Tullio Pádua (Telas de sombreamento) |
Alessandra Vale (MTb 21.215/RJ)
Embrapa Mandioca e Fruticultura