A violência sexual tem impactos imensuráveis ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes, principalmente considerando as suas condições de reconhecer e compreender claramente o significado das violações, que deixam marcas para a vida toda.
É comum entre as vítimas, mesmo depois de adultas, lidar com a lembrança de uma situação de violência, pois prevalece o sentimento de que foram desamparadas no momento em que mais precisavam de proteção e cuidado por parte daqueles que tinham a obrigação de fazê-los. A confusão entre a figura do violador com a de alguém que se reconhece num papel de proteção e cuidado gera sentimentos de insegurança e sofrimentos por toda uma existência.
A violência sexual tem incidência em todo mundo, independentemente do status econômico do país. Dos 60 países constantes no ranking de combate ao abuso e exploração sexual infantil do relatório da revista The Economist, apenas 35 têm leis que exigem por parte das pessoas que trabalham, o relato de casos de abuso sexual infantil; somente 25 (41,6%) países proíbem o envolvimento em atividades sexuais na frente de uma criança e só 6 países coletam dados referentes a meninos relacionados à exploração sexual infantil.
Em 38 países de baixa e média renda, quase 17 milhões de mulheres adultas revelaram terem sido vítimas de violência sexual durante a infância. Ainda segundo o relatório publicado pela revista The Economist, o Brasil ocupa o 11º no ranking de combate abuso e exploração sexual infantil, contudo, segundo dados do Banco Mundial ocupa o 2º lugar no ranking de exploração sexual infanto-juvenil.
O Brasil tem 500 mil casos de exploração sexual contra crianças e adolescentes por ano; apenas 10% dos casos são notificados, de acordo com a ChildFund; 92% das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes as vítimas eram do sexo feminino, 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras e 51% das crianças abusadas sexualmente no Brasil têm de 1 a 5 anos, segundo o Ministério da Saúde.
Observa-se um decréscimo de 22,9% do número de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes efetuadas no disque 100 em 2020 com relação a 2019, apesar de o gráfico apresentar uma redução, isso não se traduz na realidade, evidenciando-se a subnotificação de registro dos casos, principalmente neste período em virtude da pandemia.
A LEI Nº 9.970, de 17/05/2000 instituiu o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Essa data marca a mobilização nacional contra a violência sexual, em menção ao “Caso Araceli”, ocorrido em 18 de maio de 1973, quando uma menina de apenas oito anos de idade foi raptada, estuprada e morta por jovens de classe média alta na cidade de Vitória (ES). Um crime bárbaro que chocou o país.
O objetivo da campanha 18 de maio é informar, sensibilizar e mobilizar a sociedade para assumir a responsabilidade na prevenção e enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, de forma que toda criança e adolescente tenha assegurado o direito ao desenvolvimento de sua sexualidade de forma segura e protegida, livres de abuso e da exploração sexual.
A campanha era realizada pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e ECPAT Brasil, em parceria com a SNDCA, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Polícia Rodoviária Federal e ChildHood. Contudo, foi extinto em 2019 e recriado em 2020 a comissão de enfrentamento à violência sexual infantil, mas com funções esvaziadas. O slogan da campanha Faça Bonito – Proteja nossas crianças e adolescente, cujo símbolo é uma flor. No entanto, atualmente, o governo federal tenta a adesão pela simbologia do “Maio laranja”.
No Maranhão, a Lei 8.133 de 21 de maio de 2004 instituiu o dia 20 de maio como o Dia Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra crianças e adolescentes, assim como instituiu por meio do Decreto n 20.530 de 21/05/2004 o Sistema Estadual de Enfrentamento, no âmbito do Poder Executivo, envolvendo a Administração Direta, Indireta, Fundacional e empresas em que o Poder Executivo seja acionista.
Dentre os objetivos, esse sistema possui o de coordenar as atividades do executivo consoante os eixos, ações, metas e atividades estabelecidos pelo Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, aprovado pelo CEDCA/MA, presidido à época pela Secretaria Extraordinária de Solidariedade Humana, hoje Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular.
Ainda nesse período, foi regulamentado pelo Decreto nº 20.531/21/05/2004, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente – DPCA para casos de violência contra crianças e adolescentes, com sede em São Luís e atuação em todo estado do Maranhão. O intuito é fiscalizar, investigar e instaurar inquéritos nos casos de infração penal praticada contra crianças e adolescentes, além de desenvolver estratégias continuadas de fiscalização e repressão em locais públicos e privados; coordenar todos os inquéritos policiais referentes a crimes praticados contra crianças e adolescentes e prestar informações ao Conselho da Criança e do Adolescente, quando solicitadas.
Já o DECRETO Nº 20.532 DE 21 DE MAIO DE 2004 criou o Centro de Perícias Oficiais – CPO para casos de violência contra crianças e adolescentes.
Ainda como medida de proteção e prevenção à violação dos direitos da criança e do adolescente, ao serem ouvidos como vítima ou como testemunha em situação de violência, foi aprovada a Resolução Nº 01/2019 – CEDCA / MA, que dispõe sobre a aplicação da escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de violência no estado do Maranhão. Uma estratégia para evitar a revitimização e o constrangimento das vítimas.
Registra-se que já em 2021 foi aprovado pelo CEDCA/MA por meio de sua Resolução nº 003/2021 o Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra crianças e adolescentes para o período de 2021 a 2030, que busca a otimização da prevenção e combate a esse tipo de violência, com o estabelecimento de diretrizes e ações em todos os eixos de intervenção.
Observa-se que ainda é necessário um maior investimento na prevenção, por meio de campanhas de sensibilização da sociedade para denunciar casos de violação de direitos, quebra do tabu sobre educação sexual de crianças e adolescentes e jovens para que possam identificar uma situação de abuso e exploração. É preciso, também, levar ao conhecimento de alguém de sua confiança ou algum serviço especializado, assim como se faz necessária a implementação da ferramenta SIPIA CT, principalmente neste momento de pandemia em que muitas crianças e adolescentes, em situação de violência, se encontram com possibilidades mais restritas de acessar espaços de denúncia.
* Sorimar Sabóia Amorim, Presidente da Fundação da Criança e do Adolescente (Funac) e do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA-MA.