A tensão e a violência no território quilombola Tanque da Rodagem, no município de Matões, distante 630 km de São Luís, aumentam a cada dia. Na manhã dessa terça-feira, 14, representantes da Secretaria Estadual de Igualdade Racial (Seir) foram impedidos, por jagunços, de terem acesso à cidade.
Eles retornavam do local no qual quilombolas de Tanque da Rodagem e São João montaram acampamento, desde o sábado passado, em protesto ao desmatamento do cerrado maranhense, por parte dos agricultores de soja, onde vivem há mais de 40 anos. Já são quatro dias impedindo que os jagunços se apropriem novamente dos tratores que devastaram a região e quatro dias sem a presença de nenhum representante das secretarias de Estado de Segurança e Meio Ambiente do Maranhão.
De um lado da MA-262, que corta a o território, a comunidade interdita a via em protesto ao desmatamento do bioma ocorrido no sábado, com a técnica devastadora dos correntões. Eles impedem também que os jagunços se apropriem dos tratores, responsáveis pela devastação. Do outro lado da estrada, um grupo de jagunços armados inviabilizam a passagem dos moradores até suas casas e a sede do município.
SECRETARIAS COMUNICADAS
Na segunda-feira (13), representantes da Defensoria Pública do Estado (DPE) e da Promotoria, Keoma Celestino e Renato Ighor, estiveram no território e dialogaram com a comunidade. Desde o dia 3 deste mês, a DPE oficiou as secretarias de Estado de Segurança e Meio Ambiente sobre o estado de tensão presente no território.
As lideranças comunitárias exigem a apreensão dos tratores que destruíram o cerrado na região, a titulação do território quilombola e proteção das famílias que estão sofrendo ameaças.
A comunidade exige também a presença dos representantes das Secretarias de Segurança Pública e Meio Ambiente para averiguação dos crimes ambientais e outros crimes.
Os representantes da DPE e do Promotoria informaram que vão aguardar o posicionamento da Justiça. Para a coordenadora da CPT/MA, Lenora Rodrigues, que se encontra no território em conflito, a situação é insustentável.
“Os jagunços estão armados e provocam os quilombolas a todo momento. É necessário juntar forças pra cobrar do governo do Estado a apreensão dos tratores que destruíram o território. Eles tentaram fugir com as máquinas porque estavam fazendo um desmatamento na reserva dos quilombolas sem nenhum licenciamento ambiental ou autorização judicial e se tivesse a permissão ainda assim seria crime ambiental porque eles destruíram uma reserva”, afirmou.
A Comissão Pastoral da Terra no Maranhão que acompanha a comunidade Tanque da Rodagem ingressou, no plantão de domingo (12), com pedido de liminar para ação de Reintegração e Manutenção de Posse.
A peça judicial contempla 12 solicitações em prol da comunidade (os três apresentados acima estão inclusos), que luta pela titulação da terra, por meio de processo no Incra, desde 2013. São mais de 50 famílias que residem no território há mais de 40 anos.
De acordo com informações da CPT/MA, a situação das comunidades e povos tradicionais no Maranhão e país é agravada pela expansão das fronteiras agrícolas do Agronegócio pra monocultura de exportação. A destruição do bioma cerrado em Tanque da Rodagem tem no comando dois produtores de soja oriundos do Paraná.
Segundo denúncias da comunidade, os produtores patrocinam a invasão no território. Para uma quilombola (por motivo de segurança ela não será identificada), a violência é constante na região, “eles nos amedrontam com jagunços armados, derrubam nossas árvores, pés de aroeira, de caju e ameaçam dizendo que não restará nenhum quilombola no território”.
Outro quilombola, idoso, desabafou: “Aqui vem jagunço mostram armamento, contam histórias de violência. Agente fica tudo assombrado. Chega na nossa mata com tratores e derruba, proibindo de nós sairmos. Como é que ficamos? Os empresários ricos podem e nos que somos pobres como ficamos? Vamos viver de quê? Na cidade não temos condições de plantar para alimentar nossos filhos”, disse.
Para o advogado da CPT/MA, Rafael Silva, a situação é delicadíssima no território. “É preciso que o Estado do Maranhão garanta a segurança dessas famílias e a vedação e responsabilização pelos crimes que estão sendo cometidos na região sistematicamente e que esperamos que não se agrave. Por isso, a comunidade demanda a presença das Secretarias de Segurança Pública e do Meio Ambiente com urgência no território”, afirmou.
Rafael Silva destacou ainda a necessidade do Estado, mediante a paralisação da política de regularização fundiária no país que impede e torna ainda mais morosa a concessão da titulação definitiva e coletiva dos territórios, em defender a posse como uma forma de proteção à vida e existência desses povos e comunidades tradicionais. “A posse é a expressão da vida na comunidade, é a proteção das pessoas, da coletividade. Elas dependem da proteção da posse para a sua existência”, finalizou.