“A política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano”. Talvez a frase contenha uma hipérbole inconveniente, ou, quem sabe, Voltaire fosse simplesmente um cético inveterado, que descarregou em seu ensaio um presságio pessimista sobre muitas épocas vindouras.
A eleição que se aproxima tende a ser um reflexo daquilo que o escritor francês já visualizava no século XVIII, quando os satélites do iluminismo combatiam a monarquia absoluta.
Diretamente do seu túmulo, Voltaire, também, é capaz de entoar um dogma que permeou o Século da Filosofia e espargir pela atmosfera política brasileira: “Sapere aude”. Poderia ser um simplório epitáfio, um mero convite: “Atreva-se a conhecer”.
Complexas questões são resolvidas com firmes convicções. Assim agiu o governador Flávio Dino ao apontar o seu vice, Carlos Brandão, como o escolhido do grupo político para disputar a sucessão estadual em outubro de 2022.
Na outra ponta do tabuleiro encontra-se o senador Weverton Rocha, irredutível, indócil, determinado. Deseja o governo, e pretende bancar a sua candidatura com as próprias forças. A síntese da imodéstia desmensurada. Ou, como diria David Hume: “Todos nós temos uma prodigiosa parcialidade em favor de nós mesmos”.
Entre disputas e preferências, apoios. Assim são determinados, via de regra, os caminhos da política. Desta forma, surge a figura do ex-presidente Lula, o personagem, uma referência, ou, quem sabe, um ponto de inflexão nesse cenário dividido no Estado.
Para o ex-presidente, em comentário recente que se alastrou pelos meio de comunicação e redes sociais, apoiar Brandão é uma possibilidade quase nula. A justificativa reside no ninho habitado pelo vice de Dino. Lula não cogita ter no mesmo palanque uma peça do PSDB. Posicionamento concreto, pragmático ou calculado? As interpretações são variadas, e, com o conhecido histórico do interlocutor, duvidar de todas, também, é recomendável.
Um fato pitoresco no posicionamento do ex-presidente atinge justamente seu desejo indubitável, que é o de retornar à presidência da República. Lula rejeitou Brandão, mas abriu os braços para a possibilidade de contar com o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, um tucano de corpo e alma, para compor a sua chapa na condição de vice. “Posso resistir a tudo, menos à tentação”. Teria dito Oscar Wilde.
A declaração de Lula não deve – pelo menos, não deveria – surpreender Flávio Dino. Em um tempo não muito distante, nas eleições de 2014, o petista gravou um vídeo de apoio a Edinho Lobão, adversário do governador naquele pleito. Até então um cabo eleitoral de peso, que não foi suficiente para mudar os rumos dos votos, é verdade, mas serviu para mostrar como os verdadeiros interesses são guiados.
Um tigre não perde as suas listras. O jogo não mudou. Apenas algumas peças que se modificaram, mas como Voltaire alertou: “De todas as doenças do espírito humano, a fúria de dominar é a mais terrível”.
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Vinícius Bogéa, jornalista e escritor – Membro da Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política – Cadeira 31