O uso do WDG e DDG na dieta animal e expectativas para o mercado
Entrevista com o professor doutor da Universidade de São Paulo (USP) Flávio Augusto Portela Santos
Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (USP)(1984), mestrado em Nutrição Animal e Pastagens pela Universidade de São Paulo (1991) e doutorado em Animal Science pela University of Arizona (1996). Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Nutrição e Alimentação Animal. Atuando principalmente nos seguintes temas: fontes proteicas, processamento de grãos, desempenho, vacas leiteiras, digestibilidade de nutrientes. Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo.
Foto: Envato
Scot Consultoria: Na sua opinião, qual seria o maior entrave para a inclusão dos coprodutos das usinas de etanol de milho na dieta dos animais em algumas propriedades?
Flávio Augusto Portela Santos: Os entraves podem começar a existir caso esses coprodutos estejam com preços competitivos, principalmente em relação ao milho e algumas outras alternativas do mercado, como por exemplo: caroço de algodão, torta, farelos proteicos, mas principalmente em relação ao preço do milho, que vai determinar se eles serão inclusos nas dietas, se entrarão em doses pequenas apenas como proteicos, ou se existe a possibilidade de incluí-los em altos percentuais na dieta, suprindo toda a proteína da mesma, mas principalmente suprindo energia.
O WDG possui valor maior até mesmo do que o milho grão úmido ou milho floculado, e o DDG, valor energético maior do que o milho seco, e que, em algumas situações, pode se equiparar com valores da silagem de grão úmido.
Então, em resumo, a primeira questão seria em relação aos preços desses ingredientes, tomando por base a competitividade para entrar na dieta. Em segundo lugar, deve-se verificar a disponibilidade e se o produtor está localizado em uma região onde esses coprodutos também vão possuir preços competitivos, pela distância, fator que pode acabar encarecendo a compra. Quem está próximo tem a grande vantagem de poder trabalhar com o coproduto úmido, visto que ele possui um valor energético mais alto, porém, também há as dificuldades de armazenamento e talvez a necessidade de ter um recebimento frequente dentro do confinamento.
Além desses pontos, existem também os entraves relacionados ao desconhecimento. Muitos nutricionistas e gerentes de confinamentos ainda têm dúvida sobre como usar esses coprodutos e medo de sair do convencional arriscando algo que ainda é novo no Brasil, porém, vem se tornando, a cada dia que passa, mais conhecido e mais presente nas dietas de confinamento.
Scot Consultoria: Com os avanços nos estudos da inclusão de DDG e WDG na dieta para bovinos em terminação, quais são os limites de inclusão em uma Total Mix Ration?
Flávio Augusto Portela Santos: Existem algumas metanálises realizadas a respeito de nível de inclusão, tanto do WDG, que possui vinte trabalhos compilados, quanto do DDG, que possui quatro trabalhos compilados.
Quando observamos esses trabalhos, o que acontece com o WDG em comparação com uma dieta controle contendo milho americano laminado, ou milho americano laminado com milho ensilado úmido em uma proporção meio a meio, observamos que na medida que se vai incluindo o WDG, temos um leve aumento em CMS (consumo de matéria seca) em relação à dieta alta em milho, subindo e otimizando o consumo em torno de 20%, e logo após isso, observa-se uma queda no consumo.
O ganho de peso e a eficiência alimentar acabam indicando nível ótimo de inclusão ao redor de 20-30%. Porém, todas essas informações dependem muito da base de comparação, então, se estivermos trabalhando com milho laminado seco, é possível atingir um nível de inclusão mais alto, tendo uma resposta máxima em torno de 30-40% de inclusão do WDG.
À medida que utilizamos grão úmido, um trabalho mostra que o nível ótimo de inclusão do WDG nesse tipo de grão está ao redor de 27-30%, sendo que a partir desse valor, o desempenho começa a cair.
O DDG possui um comportamento diferente, sendo capaz de aumentar o consumo quando comparado com o WDG, mesmo tendo um valor energético menor do que o coproduto úmido, atraindo o ganho de peso, porém, o impacto em conversão alimentar é menor, alcançando valores de quase 30-40%, principalmente em dietas com milho processado seco, sendo que, muito provavelmente quando incluir grão úmido, a resposta ótima talvez não alcance o máximo.
Existem trabalhos com o WDG obtido pelo processo em que a parte fibrosa não passa pela fermentação e destilação, incluindo o xarope (solúveis) posteriormente, onde foi mostrado a inclusão desse material em uma dieta de controle alto em milho e farelo de soja, com uma inclusão de 15, 30 até 45% (variando em relação aos preços). O material foi capaz de puxar o consumo e ganho de peso, com resultados máximos de desempenho alcançando valores médios de 30%.
Foi feito outro trabalho com essa mesma fibra úmida, porém, envolvendo uma dieta com milho seco e polpa cítrica. Quando se combina esses dois produtos meio a meio, o consumo é mais alto para o milho seco sozinho e bem mais alto quando tem grão úmido. Nós saímos de uma dieta de controle em um patamar de consumo mais alto, sendo que a inclusão dessa fibra úmida com solúveis reduziu consumo, não alterou o ganho de peso, e melhorou conversão alimentar, sendo que o melhor resultado se deu com uma inclusão de 45% na dieta.
Foi testado também em quatro experimentos utilizando a fibra seca com solúveis. Esse produto contém valores em torno de 17-21% de proteína e 48-52% de fibra. Temos estudos com inclusão de 0 e 30%; 0, 15, 30 e 45%; dois dados de 15 e 45%. Agora está sendo concluído um experimento testando 0, 20, 40, 60% de inclusão na dieta em comparação com uma dieta alta em milho com dois tipos de volumoso. A dieta que foi testada com 0, 15, 30, 45% de inclusão e a 0 e 30%, tem-se três dados de experimento onde tínhamos uma dieta controle típica do Centro-Oeste, com milho moído seco, caroço de algodão, casca de soja e um pouco de farelo de soja.
À medida em que fomos incluindo a fibra seca mais os solúveis, observamos que houve alteração mínima em consumo, aumento linear no ganho de peso, aumento linear na conversão alimentar e aumento linear do peso de carcaça quente dos animais. Por isso, estamos estudando hoje inclusão de até 60% na dieta, para descobrirmos se esses aumentos acompanham da mesma forma da inclusão de 45%.
Scot Consultoria: O uso de DDG e WDG na dieta dos ruminantes pode aumentar o nível de sustentabilidade da produção e reduzir as emissões de metano quando comparamos com outras dietas?
Flávio Augusto Portela Santos: Esses coprodutos já vêm de um processo de geração de energia limpa. Quando utilizados na dieta, por possuírem um valor energético superior ao do milho seco e do sorgo, quando entram em dieta com grão úmido melhoram o desempenho até um certo nível (mesmo que os dados sejam principalmente para o coproduto úmido – WDG – mas, provavelmente, temos também como ter resultados em dietas usando o coproduto seco – DDG – com grão úmido).
Pensando em relação ao coproduto úmido, ele tem valor energético superior ao do caroço de algodão, e no seco, tem um valor um pouco inferior, porém, o caroço tem uma limitação de nível de inclusão na dieta, mesmo que melhore o ganho de peso e conversão quando usado corretamente, mas o impacto no desempenho com esses coprodutos acaba sendo maior, porque eles permitem uma maior inclusão.
Então o valor energético dos coprodutos das usinas de etanol de milho no processo e o impacto positivo que eles têm no desempenho, aumentando não só o ganho de peso, mas também apresentando uma melhor conversão alimentar (melhor eficiência), tem grandes chances, normalmente, de resultar em menor emissão de metano por quilo de carne produzida.
Outra questão é que como esses coprodutos têm relativamente altos teores de proteínas (20-30% de proteína bruta em média), normalmente quando o preço viabiliza e eles entram como proteico energético, eles conseguem levar um excesso de proteína bruta na dieta, e esse excesso é de uma proteína metabolizável, fazendo com que resulte no sangue do animal uma quantidade de aminoácido maior do que ele é capaz de usar para incorporar em sua massa muscular.
Esse excesso de aminoácido será quebrado em um agrupamento amina, virando amônia e convertido pelo fígado em ureia, e boa parte disso, será excretado via urina, ou urina e leite no animal lactante, resultando em nitrogênio jogado fora. Com esse excesso de nitrogênio excretado, existe um lado de preocupação ambiental, tanto com relação a questão do óxido nitroso como a contaminação do ambiente com lençol freático por excesso de nitrogênio.
Por fim, existe essa preocupação com nível alto de proteína. Porém, nós temos que dar um destino para esses coprodutos, e esse destino acaba sendo a alimentação animal, e nós, como responsáveis, fazemos uma tentativa de balancear o melhor possível essas dietas. Mas vale ressaltar que toda dieta de terminação de confinamento, seja ela baseada em milho, ureia e volumoso, ou milho, farelo de soja, ureia e volumoso, ou contendo também os coprodutos do etanol, não vão deixar de ser dietas com sobra de proteína.
O animal vai excretar uma quantidade considerável dela para o ambiente pelo fato de sobrar na dieta e quando colocamos esses coprodutos, a sobra aumenta. Então existe uma preocupação nesse ponto, mas com um ganho considerável quando se olha o desempenho do animal, e isso colabora para que possamos produzir mais carne com a menor emissão de metano.
Scot Consultoria: Como o Brasil se compara principalmente em relação aos Estados Unidos, quanto à utilização desses coprodutos?
Flávio Augusto Portela Santos: O etanol de milho é feito nos Estados Unidos há décadas, mas era pouco utilizado no passado em dietas de gado de corte, porque a disponibilidade não era grande, sendo mais comum na Califórnia, por exemplo, e voltado para o uso com o gado leiteiro. Mas quando os americanos lançaram o programa de implementação de etanol de milho e usaram 120-140 milhões de toneladas de milho (praticamente mais do que a safra recorde brasileira) só para a produção de etanol, essa oferta cresceu e teve uma distribuição ampla e uso intenso para bovinos de corte, bovinos de leite e para monogástricos também, mas principalmente nos confinamentos de gado de corte, e o uso se tornou muito comum e frequente nos Estados Unidos.
No Brasil, a história do etanol de milho é recente (veio crescendo nos últimos cinco anos) e conseguimos nos colocar no mesmo caminho dos americanos no sentido de utilização. A cada ano vem aumentando a oferta e estamos usando cada vez mais, sendo um processo contínuo de crescimento de uso em função do aumento da disponibilidade.
Acredito que vamos conseguir chegar em uma condição cada vez mais parecida com os americanos, em função do nosso potencial produtivo. A última previsão decorrente da União Nacional das Empresas Produtoras de Etanol de Milho (UNEM) é que para o final desta década, nós teremos em torno de 8 bilhões de litros de etanol de milho, resultando em uma produção entre 5 e 6 milhões de toneladas desses coprodutos na base seca. Então, a previsão é de um volume considerável nos próximos anos para o Brasil de uso desses coprodutos na alimentação animal.
Com isso, as expectativas são positivas para o setor, que está em crescimento, além de ser benéfico para a produção animal, que tem em mãos mais um ingrediente de alta qualidade, considerando proteína, minerais e com valor energético mais alto.
FONTE/SCOT