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Em 1990: Crise política na Assembleia Legislativa deixava o Maranhão com dois governadores

Episódio registrou momentos de grande tensão, culminando com agressões físicas e cenas de pugilato entre parlamentares.

Fonte: Manoel Santos Neto

No dia 2 de abril de 1990, o governador Epitácio Cafeteira renunciou ao mandato. Seguindo antiga praxe de que aos ex-governadores caberia uma vaga no Senado da República, Cafeteira, que já vinha tendo abalado seu relacionamento com o então presidente José Sarney, mas prosseguia, segundo ele próprio, “calado”, explodiu quando o seu vice-governador, João Alberto de Souza, concedeu uma entrevista à imprensa fazendo críticas à sua administração.

Fora rompida então a paz entre Sarney e Cafeteira, mantida durante o período de governo do presidente da República (Sarney) e do governador do Maranhão (Cafeteira). Ocorre que João Alberto, que já fora deputado estadual e deputado federal, e era vice-governador de Cafeteira, eleito em 1986, elegera-se prefeito de sua cidade natal, Bacabal, nas eleições de 1988, com larga maioria.

Durante seu mandato, pediu licença à Assembleia Legislativa para concorrer a prefeito, já que à época havia paz e harmonia entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Licenciado da Vice-Governadoria para concorrer ao cargo de prefeito, elegeu-se para esse segundo posto. Assessorado por juristas de boa cepa, reassumiu o cargo de prefeito, sob o argumento de que vice-governador não era cargo que impedisse. Ao se aproximar, porém, a hora de subir ao Palácio dos Leões, na vaga de Cafeteira, os murmúrios, contestações e desavenças tomaram corpo.

Uns diziam que João Alberto poderia assumir o Governo do Estado, outros que havia perdido essa condição, por não poder acumular dois mandatos eletivos. E cada lado argumentava mostrando diversos artigos da Constituição Federal e disposição da Carta do Estado.

Para garantir-se de uma provável acumulação indevida, João Alberto de Souza renunciou, pela metade, ao cargo de prefeito de Bacabal, entregando o poder ao seu vice Jurandir Lago, que era deputado e também renunciou para assumir a Prefeitura. Mas, a esse tempo, o caldeirão fervia.

As correntes contra e a favor formaram-se na Assembleia Legislativa, pois já era aberta a luta entre os deputados da ala Sarney e os parlamentares do grupo Cafeteira.

João Alberto não mediu distância. Recebeu o Governo das mãos de Cafeteira e se sentou na principal cadeira do Palácio dos Leões.

Enquanto João Alberto assinava seus primeiros atos, na Assembleia Legislativa, francamente majoritária contra o governador recém empossado, foi votada uma Resolução declarando a vacância do cargo de governador e determinando que, na forma constitucional, o posto deveria pertencer ao presidente da Casa, o deputado Ivar Saldanha.

Choveram mandados de segurança no Tribunal de Justiça do Estado. Os juristas de João Alberto pedindo a anulação da Resolução da Assembleia, que declarara a vacância, e os juristas de Ivar Saldanha requerendo a sua posse no Governo do Estado, como o terceiro da vocação sucessória, segundo a Carta Estadual em vigor.

O desembargador João Manuel de Assumpção, relator do mandado de segurança, concedeu liminar em favor da Assembleia Legislativa, mas João Alberto derrubou essa decisão no Supremo Tribunal Federal (STF).

Um grupo de deputados impetrou novo mandado de segurança, visando anular o ato da Assembleia Legislativa, processo que rodou de prazo em prazo, sem um desfecho de mérito. Nesse passo, João Alberto contratou os serviços profissionais do advogado José Antônio Almeida, o mesmo que batalhara em situação anterior pela posse do presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Almeida e Silva, na vaga de João Castelo, quando este se desincompatibilizou do cargo.

A medida cautelar ajuizada obteve do presidente do TJMA, desembargador Emésio Araújo, pronta decisão liminar. Na sessão plenária da sexta-feira, 15 de junho de 1990, por 22 votos contra 20, a Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Decreto Legislativo nº 02/1989, de autoria do deputado Bete Lago, declarando vago o cargo de vice-governador. Com isso, o governador João Alberto de Souza, que assumira o cargo na condição de vice quando da saída de Epitácio Cafeteira no dia 2 de abril, foi afastado do cargo.

Antes da votação, houve momentos de grande tensão, culminando com a agressão física do líder do Governo, Carlos Braide, ao deputado Carlos Guterres, que presidia a sessão. Houve cenas de pugilato entre os parlamentares, e a bancada de João Alberto, de 20 deputados, decidiu se retirar do plenário.

Depois da votação, foi convocada uma sessão extraordinária para que, após a vacância do cargo de vice-governador, fosse empossado o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Ivar Saldanha, como governador do Maranhão.

Ivar Saldanha prestou o juramento de praxe, no plenário do antigo prédio da Assembleia, localizado na Rua do Egito, ocasionando um fato inusitado: o Maranhão com dois governadores de forma simultânea.

João Alberto reagiu ao ‘golpe’: “Daqui do Palácio eu só saio morto”

No Palácio dos Leões, na tradicional Avenida Pedro II, assim que soube do movimento para destituí-lo, o governador João Alberto iniciou a resistência. Disse que não reconhecia o ato da Assembleia Legislativa e garantiu que somente deixaria o cargo mediante decisão da Justiça.

De pronto, saiu na imprensa a notícia de que o ministro da Justiça, Bernardo Cabral, ficaria de sobreaviso, durante o final de semana, para atender a um eventual pedido de intervenção federal no Maranhão.

“Não entregarei o governo. Resistirei aqui no Palácio. Daqui eu só saio morto”, declarou o governador João Alberto, ao vivo, em entrevista a uma emissora de televisão.

Segundo o secretário executivo do Ministério da Justiça, Tércio Sampaio Ferraz, a Constituição Federal determina que, nesse caso, a Presidência da República pode convocar extraordinariamente o Congresso Nacional para aprovar, em 24 horas, decreto sobre a intervenção federal.

A primeira providência de João Alberto foi convocar as tropas fiéis ao governo. Foi atendido por 300 homens da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros que, a pé ou a cavalo, isolaram toda a área externa do Palácio dos Leões.

Armados com cassetetes, revólveres, carabinas e cães de guarda, os policiais cercaram o Centro Histórico de São Luís e interditaram o tráfego em todas as ruas de acesso ao Palácio. “Eles queriam invadir o Palácio e me tirar à força daqui”, explicou João Alberto. O deputado Ivar Saldanha, por sua vez, também se movimentou para garantir a tomada do poder.

Assim que se empossou, instalou um governo paralelo em seu gabinete na Assembleia Legislativa, assinou uma demissão – do secretário estadual da Fazenda – e passou a despachar normalmente. Os gerentes de agências de bancos do Estado foram alertados para não aceitar mais cheques assinados por João Alberto.

Na noite dessa sexta-feira, o Palácio dos Leões divulgou à imprensa esta nota:

AO POVO DO MARANHÃO

Eu, João Alberto de Souza, governador do Estado, comunico ao povo do Maranhão que me encontro no pleno exercício do cargo, mantendo a ordem e a tranquilidade públicas na defesa do estado de direito e das instituições democráticas do País. A Assembleia Legislativa, nesta sexta-feira, numa manobra orquestrada por deputados do PRN, PDC, PMDB e PDT votou, sem quórum qualificado, portanto ilegalmente, uma Resolução declarando vago o cargo de vice-governador.

O cargo de vice-governador está vago, não por decisão da Assembleia Legislativa, mas desde o dia em que o governador Epitácio Cafeteira renunciou, passando-me o Governo do Estado por decisão do Supremo Tribunal Federal. Do Governo do Estado somente poderia ser afastado através de processo de crime de responsabilidade com tramitação em que teria ampla defesa e pelo quórum de dois terços dos membros da Assembleia Legislativa. Assim, a Resolução da Assembleia não tem nenhum objetivo, não produz nenhum efeito e se destina a ferir a Democracia, iniciando o processo da sua desestabilização através do nosso Estado.

Por outro lado, todos os órgãos da administração estão sob a minha responsabilidade e comando. Reafirmo o meu firme propósito de manter a ordem e exercer a minha autoridade, resistir a quaisquer ofensas e restrições aos poderes que me foram delegados pelo Povo na eleição livre de 1986. Finalmente, lamento que partidos como o PMDB e PDT, que têm compromissos com a causa democrática, se aliem ao PRN e ao PDC para cassar-me o mandato.

São Luís (MA), 15 de junho de 1990 JOÃO ALBERTO DE SOUZA Governador do Estado

Os dias se sucederam com ampla expectativa sobre o que seria decidido no Tribunal de Justiça do Maranhão em relação a essa polêmica jurídica emaranhada por interesses políticos. Entre pedidos de informações, novas ações cautelares aforadas e novas liminares concedidas, o governador João Alberto foi se aguentando no governo até o último dia. O tempo estava a seu favor.

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