Escândalo da Lunus, há 20 anos, tirou Roseana Sarney da sucessão presidencial

À época, a ex-governadora liderava ao lado do petista Luiz Inácio Lula da Silva as pesquisas de intenções de voto.

Fonte: Manoel Santos Neto

Na tarde da sexta-feira 1º de março de 2002, aconteceu em São Luís um episódio que ganhou ampla repercussão na imprensa de todo o País: a Polícia Federal apreendeu R$ 1,34 milhão em notas de R$ 50 no escritório da empresa Lunus Serviços Participações Ltda, de Jorge Murad, marido da então governadora Roseana Sarney (PFL), pré-candidata à Presidência da República.

À época, a pefelista liderava ao lado do petista Luiz Inácio Lula da Silva as pesquisas de intenções de voto. A divulgação da imagem pela imprensa, feita seis dias após a operação da PF na empresa, que ficava na Avenida Colares Moreira, no Renascença, foi considerada fatal para Roseana, que acabou desistindo da candidatura pouco mais de um mês depois do caso.

No dia seguinte ao episódio, o Jornal Pequeno saiu com esta manchete: “Justiça Federal manda devassar empresa de Jorge Murad e Roseana”. O jornal O Estado do Maranhão estampou na capa: “Não vão me intimidar” – Roseana vê motivação política na invasão do escritório de Jorge Murad e reafirma sua candidatura.

A justificativa de Murad e de Roseana foi a de que o dinheiro era para a campanha eleitoral. A pefelista acusou a Polícia Federal de participar de um complô para beneficiar o então pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra.

INVASÃO DA LUNUS

Por volta de duas horas da tarde daquela sexta-feira, oito agentes e dois delegados da Polícia Federal entraram no escritório da Avenida Colares Moreira para iniciar uma devassa completa. Com um mandado de busca nas mãos, eles abriram gavetas e pastas, também vasculharam arquivos de três empresas registradas em nome do empresário Jorge Murad e de sua mulher, a pré-candidata do PFL à Presidência da República e governadora do Maranhão, Roseana Sarney.

Além de documentos, os policiais encontraram nas gavetas R$ 1,34 milhão em dinheiro vivo. Oito horas depois, as portas do escritório foram lacradas, mas o serviço ainda não havia terminado. Os policiais combinaram retornar no fim de semana para se dedicar à leitura da papelada que não puderam examinar na sexta-feira.

“Estávamos atrás de ouro”, disse à reportagem do Jornal Pequeno um dos delegados que participaram da operação. “Mas encontramos ouro, pedras preciosas, pérolas e diamantes”.

Na época, fazia um ano que a Polícia Federal cumprira outro mandado de busca e apreensão, dessa vez num escritório de contabilidade que trabalhava para Jorge Murad. Ali se fez uma descoberta preciosa: uma detalhada documentação sobre a criação de seis empresas no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. Todas foram criadas entre 12 e 14 de abril de 1999.

A suspeita do Ministério Público era de que se tratava de um esquema de lavagem de dinheiro. Os responsáveis pelas empresas no exterior eram típicos “laranjas”, sem lastro financeiro para construir negócios dessa natureza.

Na sexta-feira,1º de março, um relatório da polícia das Ilhas Virgens foi encaminhado pelo Coaf, o órgão do Ministério da Fazenda dedicado ao combate à lavagem de dinheiro, ao Ministério Público. Com base nesses indícios é que a Polícia Federal foi ao escritório do marido de Roseana Sarney.

Na noite dessa sexta-feira, temendo um pedido de prisão preventiva contra o marido, a governadora Roseana Sarney mandou reforçar a segurança do Palácio dos Leões, na tradicional Avenida Pedro II. Aos interessados, ordenou que ninguém entrasse no local sem sua autorização.

Horas antes, quando soube da ação da Polícia Federal em São Luís, a governadora Roseana chorou. Em seguida, teve um ataque de fúria. “Querem me acertar”, disse em voz alta, em seu gabinete, no Palácio dos Leões. Depois disparou telefonemas. Conversou com o pai, José Sarney, com o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, e com integrantes da bancada maranhense no Congresso Nacional. A todos reafirmou a certeza de que a ação da PF foi tomada para prejudicar sua pré-candidatura e ajudar a do tucano José Serra.

No começo da noite, depois que Jorge Bornhausen ligou para o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, pedindo explicações, Roseana recebeu uma ligação do Palácio do Planalto. Repetiu para o presidente FHC a suspeita de uma conspiração pró-Serra. “Foi uma vergonha”, reclamou.

O presidente alegou que nem sequer sabia da operação policial, disse que estava mantendo o governo equilibrado na campanha eleitoral e pediu que a governadora ponderasse sua avaliação.

“A PF não faz uma coisa dessas sem o Ministério da Justiça saber”, reagiu a governadora ao desligar o telefone.

À noite, Roseana reuniu-se com Jorge Murad e assessores. Divulgou uma nota oficial recheada de indignação e suspeitas sobre os motivos da diligência dos agentes federais.

Na nota, qualificou a ação como uma “invasão armada”, “violência”, “arbitrariedade” de agentes da PF, órgão do Ministério da Justiça”. “O alvo não é meu marido, sou eu”, escreveu. “A violência representada por essa invasão é inaceitável num regime democrático e tem o único objetivo de me intimidar. Mas não vão conseguir. Não podemos aceitar a violação dos direitos individuais e a utilização do medo e do terror como armas políticas”, frisou.

Em conversa com um cacique do PFL, Roseana disse que não havia possibilidade de a operação ter sido deflagrada sem o consentimento do ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, um aliado do tucano José Serra. “Se é assim que eles querem forçar o apoio do PFL para Serra estão enganados”, disse.

A organização de uma operação contra Jorge Murad era o segredo mais público da campanha eleitoral. Ouviam-se de todos os lados os murmúrios sobre a possibilidade de uma ação dessa natureza. Em várias oportunidades o candidato do PPS à Presidência da República, Ciro Gomes, anunciou que o governo preparava uma grande denúncia para envolver a candidata do PFL. Ciro estava certo.

Na operação da PF, o escritório devassado era a sede de empresas como a Lunus Participações, uma sociedade entre Jorge Murad e Roseana Sarney. João Guilherme de Abreu, então gerente de Qualidade de Vida do Governo do Estado, foi sócio do casal até janeiro de 1999.

Jorge Murad estava envolvido num inquérito da Polícia Federal que investigava desvio de R$ 44,5 milhões, destinados a financiar a Usimar, uma indústria de autopeças que seria construída no Maranhão. O financiamento foi autorizado numa reunião do Conselho Deliberativo da Sudam, realizada em São Luís em 14 de dezembro de 1999, sob a presidência de Roseana.

A governadora, seu marido e todas as 40 pessoas que participaram da reunião foram denunciadas por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal no dia 10 de dezembro de 2001.

Sarney faz discurso agressivo e diz que ação da PF foi “perseguição política” a Roseana

Na quarta-feira 20 de março de 2002, o senador José Sarney (PMDB-AP) foi à tribuna do Senado para declarar guerra ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao candidato do PSDB, José Serra.

Durante uma hora e 15 minutos, Sarney fez um discurso em tom agressivo. Disse que a ação da Polícia Federal na empresa Lunus, de propriedade da governadora Roseana Sarney e de seu marido, Jorge Murad, foi semelhante aos atos de espionagem política conhecidos como “escândalo Watergate”.

No caso Watergate, ocorrido nos Estados Unidos no início dos anos 70, ficou provado que o então presidente Richard Nixon foi conivente com a espionagem feita no Partido Democrata pelo Partido Republicano, ao qual Nixon pertencia. De acordo com Sarney, a apreensão de documentos e dinheiro na Lunus não teria configurado, como defende o governo, o simples cumprimento de um mandado judicial, em busca de provas do envolvimento da empresa no desvio de verbas públicas. A ação da PF seria parte de um plano para desestabilizar a candidatura de Roseana à Presidência da República, em benefício do candidato do Palácio do Planalto, o senador e ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB-SP).

Com base nesse entendimento, o ex-presidente da República ameaçou em seu discurso pedir observadores à Organização das Nações Unidas (ONU), à Organização dos Estados Americanos (OEA) e ao Inter-Action Council para “assegurar a vigilância internacional da sucessão”.

Em discurso de mais de uma hora, durante o qual não permitiu apartes, José Sarney afirmou que a busca de documentos na Lunus foi uma “perseguição política” à pré-candidata do PFL.

Sarney também comparou a atuação do governo às praticadas pela Gestapo, no Nazismo, e pela polícia política, na União Soviética. “Quem acredita, neste país – qual o idiota -, que uma ação desta magnitude seria armada sem que a máquina estatal de nada soubesse ou dela não participasse? Quem nesse país não sabe que foi uma ação política suja, com propósito determinado?”, perguntou Sarney.

O senador pelo Amapá recordou diálogo que teve com o presidente Fernando Henrique Cardoso, há alguns meses, relatando informações que obteve, segundo as quais agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – órgão ligado à Presidência da República – tinham se deslocado para o Maranhão, o Piauí e o Pará, com o intuito de devassar a vida de sua família e de seus amigos.

De acordo com o relato, Sarney lembrou a Fernando Henrique o prestígio internacional por ele desfrutado e disse que seu governo não podia ser conspurcado no processo de sucessão. Lembrou ao presidente o caso Watergate, que obrigou Richard Nixon a renunciar à Presidência dos Estados Unidos.

Sarney lembrou que Nixon procurava derrotar seus adversários por “métodos amorais”, mas acabou derrotado e com seu nome manchando perante a história. “Como ocorreu em Watergate, as coisas deixaram pegadas. Aqui também algum jornalista vai descobrir a trama e um dia um best-seller vai aparecer, vai surgir nosso Prêmio Pullitzer contando toda a história. E aí os responsáveis não terão como recorrer a negaças”, vaticinou o senador, em outra parte do discurso.

Para Sarney, presidente da República entre 1985 e 1989, a imagem do país no exterior foi ferida com uma “pequena frase, terrível”, publicada pela revista inglesa The Economist – por ele qualificada como “a bíblia do mundo globalizado”. Ao atribuir a Roseana a informação de que a operação contra a Lunus fora “uma conspiração orquestrada pelo governo e seu candidato à Presidência, José Serra”, a revista acrescentou: “Ela pode estar certa”.

O senador citou acusações contra o senador José Serra e ações do Ministério da Saúde, que comandava até o mês passado. Contra Serra, afirmou haver várias ações ordinárias, cautelares, civis públicas e populares, apresentando duas, por improbidade administrativa. Lamentou que “uma cortina de silêncio” tenha baixado sobre o inquérito que apura as ações no ministério do lobista Paes dos Santos.

Sarney citou publicações na imprensa apontando a criação de um centro de espionagem no Ministério da Saúde, sob o comando do ex-ministro José Serra. Lamentou que o nome da Abin – “única detentora da chave criptográfica das urnas e do sistema eleitoral”, cuja atuação deveria estar “acima de qualquer suspeita” – tenha sido envolvida no episódio.

O senador criticou as declarações diferentes feitas pelo presidente da República para qualificar as ações da Polícia Federal na Lunus e na casa do ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes. Segundo o senador, enquanto o presidente classificou a reação à busca e apreensão na empresa de sua filha como “uma tempestade em copo d’água”, a diligência na casa de Lopes – que encontrou um documento conferindo a ele US$ 1,6 bilhão depositados no exterior – foi qualificada por Fernando Henrique como a “volta do arbítrio no Brasil”, uma ação para a qual não cabia nenhuma justificativa.

“Processos, inquéritos, condenações políticas forjadas, foram sempre métodos de intimidação e liquidação de adversários, métodos já ultrapassados na humanidade. O Brasil não pode ter inquéritos secretos para provocar o medo, o terrorismo moral”, afirmou Sarney, acrescentando que, se Roseana não fosse candidata, “nada disso existiria”.

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