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Crônica: O Menino

O teu lago se tornou mais fundo – então, o exercício de achar o chão para se apoiar e respirar se fez impossível

Fonte: Fernando Marques

Menino, quiseram te dizer tantas coisas no momento, no momento em que tu te vistes imóvel e surdo de sentimentos, que, por pena, preferiram não dizer. Alguns apenas lhe olharam; pensaram um pouco na tua imagem e nada disseram. Da tua imagem, um menino um pouco gordo, um pouco maior do que os outros; enquanto a sua de dentro é pequena, rasteira, sensível.

O teu lago se tornou mais fundo – então, o exercício de achar o chão para se apoiar e respirar se fez impossível. Entretanto, só tu sabias dessa profundidade. Os outros, os vários outros que iam e vinham, e te diziam tudo aquilo que já sabias, encontraram a penumbra do teu chão. Alguns tentaram ir até a tua cacimba. Tentaram. Muito. Porém, jamais a acharam, e fizestes isso de propósito.

Não fiques assim, acontece. Tua cabeça agora se apoia no seu joelho ralado. Estavas na rua? E sentes a dor arder? Gostas da dor ardendo? Não fiques assim, aconteceu.

É verdade, alguns bem que se preocuparam com você. Alguns tentavam esconder de ti o que havia acontecido. E tu vias a tentativa de todos; tentavam esconder não dizendo, portanto. O olhar deles para ti era em violeta.

De nada adiantou, via-te cada vez mais distante. A distância te fez ser quase um bicho, um morcego em eterno sono noturno. A luz da manhã te fazia tremer, como um bicho. A presença de outrem perto de ti te deixava inseguro, como um bicho. O som da tua voz te atormentava e atormentava os demais, como um bicho.

Mas, depois de um tempo, foi-te acostumando consigo mesmo, com este teu corpo, tua cabeça, teu bico e tuas penas. Alguns poucos conseguiam chegar onde nem tu havias conseguido, em ti – e isso te fez bem. Foram estes poucos que te mostraram um pequeno pedaço da tua imagem, que, outrora, passava-te despercebida por tua corrente profunda.

Então, menino, se te fazem crer que és o mesmo, ou que será ele para sempre, o segredo é ir, indo, devagar, como a maré que vai se enchendo. E quando começares a sentir o morno da água salgada a tocar os teus dedos, será esta a hora de partir. Vá e faça o silêncio.

Por: Fernando Marques

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