Comunidades de Matriz Africana celebram garantias de direitos em São Luís

Foram assinados três decretos de fortalecimento da política estadual de Direitos Humanos.

Fonte: Janaina Berredo

O Maranhão é o estado brasileiro recordista em conflitos agrários. No que tange à violência contra comunidades tradicionais de Matriz Africana e Afro-brasileira, o cenário também não é favorável. Só em 2021, foram mais de 400 ocorrências de crimes raciais, intolerância e injúria.

Como forma de garantir o direito e proteção a esses povos, foi realizada, nessa sexta-feira (1º), a celebração das assinaturas de três decretos de fortalecimento da política estadual de Direitos Humanos.

Os decretos foram assinados na última terça-feira pelo governador em exercício, Paulo Velten, e versam sobre a Política Estadual de Proteção aos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Afro-brasileira; a Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais; e o I Plano Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade.

O evento aconteceu na Defensoria Pública e contou com a participação da Rede Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, defensores e defensoras de Direitos Humanos de todo o estado, além de representantes de Secretarias de Estado e de organizações da sociedade civil.

A defensora pública-geral em exercício, Cristiane Marques, pontuou que essa parceria é muito importante e só tem a trazer bons frutos para a sociedade maranhense. “A Defensoria Pública por sua função constitucional é muitas vezes a porta de entrada dessas violações de direitos humanos. Seja em relação à liberdade religiosa como o exercício da religião de matriz africana, quanto à violência no campo e na cidade”.

A secretária de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular, Amanda Costa, reforçou que os decretos são uma conquista aos povos e comunidades tradicionais e da rede de enfrentamento de conflitos no campo e na cidade no Maranhão.

“Em relação às questões de território, nós temos o Maranhão como um dos estados mais conflituosos do Brasil. Esses conflitos reverberam na insegurança pela terra para moradia e trabalho, e também, muitas vezes, com violência física. No que tange à religião matriz africana, a violência e o racismo religioso impedem que as pessoas acessem políticas públicas, por vezes, porque não conseguem ter as adaptações necessária para seus cultos tradicionais. É possível notar que ao longo dos anos tem crescido os casos de violência física, danos ao patrimônio material dessas comunidades e nós acreditamos que essas políticas vêm para abrir o espaço para discussão e pensar como o estado pode atuar de maneira mais propositiva para garantir a vida das pessoas com mais dignidade”, citou a secretária.

O secretário-adjunto de Estado dos Direitos Humanos, Jonata Galvão, explicou que o grande foco de conflito no estado do Maranhão, que reflete no foco de conflitos no estado brasileiro, é o avanço de setores da monocultura do agronegócio para dentro dos territórios tradicionais.

“Nós temos hoje, em monitoramento no estado do Maranhão, aproximadamente, 170 comunidades tradicionais em conflito diretamente com setores do agronegócio, que chamamos de conflitos socioambientais. E, dentro desse monitoramento, mais de 50 com pessoas ameaçadas de morte, incluídas em programas de proteção. Vários desses casos com homicídios tentados ou consumados e muitos casos com grilagem de terra pública. Em razão desses conflitos, temos danos ambientais, destruição da vegetação nativa, destruição dos modos de vida dessas comunidades. O lançamento desses três decretos é uma das respostas que o governo do Estado vem dando para tentar equilibrar ou combater o avanço desses conflitos”, concluiu o secretário-adjunto.

QUILOMBO E TERREIRO

O secretário de Estado de Igualdade Racial, Gerson Pinheiro, frisou que os decretos e portarias assinados nessa sexta-feira são de grande importância para as comunidades de matriz africana e para todas as comunidades tradicionais.

Destacou ainda que os decretos complementam o Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em dezembro de 2010, que é um instrumento de proteção do povo negro. “Partem da proteção daquilo que temos como esteio para garantias de direitos dos negros do Brasil, que é o quilombo e o terreiro. Com a garantia desses direitos vamos ter cada vez mais o povo brasileiro inserido na construção de um país mais igual, com mais respeito pela religiosidade, direitos aos seus costumes e sua cultura. O que se festeja hoje é a garantia dos direitos dos povos de matriz africana em chegar no hospital e ter o direito de manter suas indumentárias; retirar suas figas quando for necessário por determinação médica, mas de uma forma respeitosa; o direito de receber o acompanhamento religioso quando tiver no hospital ou até mesmo quando tiver na proteção do estado, no sistema prisional; ter seu terreiro protegido, assim como qualquer religião o direito de fazer seus eventos sem ser perseguido”, elencou o secretário.

A coordenadora do coletivo Dan Eji (MA) e membro da Rede Afro Ambiental, Iya Jô Brandão, mencionou que é uma conquista importante para os povos tradicionais de terreiro. “Para nós, é um momento histórico porque estamos há quatro anos nessa luta. Nós construímos uma proposta de protocolo e apresentamos ao governo do Estado, e ela foi transformada em uma política estadual de proteção à religião matriz africana na perspectiva da garantia da laicidade de estado e da proteção de liberdade e diversidade religiosa. O Maranhão vive hoje um momento emblemático. Nós temos vivido depredação de terreiros, incêndio, ataques na porta das casas. Vivemos situações de violação na medida que nossos direitos não são respeitados. Há racismo institucional, religioso, violação e depredação dos nossos espaços sagrados, tem sido violências recorrentes. No ano passado, foram mais de 400 ocorrências de crimes raciais, intolerância e injúria”, pontuou.

Durante o encontro dessa sexta-feira, foi realizada ainda a assinatura dos editais de seleção da sociedade civil para compor o Grupo de Trabalho Interinstitucional da Política de Matriz Africana e a Comissão dos Povos e Comunidades Tradicionais.

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