Um quarto da humanidade passará, nos próximos quatro anos, ao menos uma hora em um mundo paralelo trabalhando, fazendo compras e se divertindo. E não só isso: as possibilidades são incontáveis. O nome desse ambiente já passa, hoje, por diferentes experimentos. E ele se chama metaverso.
O ambiente virtual imersivo em que cada um será representado por um avatar já caminha a passos largos. E para garantir essa nova realidade, será preciso criar produtos e serviços compatíveis.
A consultoria Gartner estimou que, até 2026, 30% das empresas globais já estarão imersas no metaverso. A projeção foi divulgada na edição deste ano do Fórum Econômico Mundial. Por trás do grande desafio será necessário formar um “corpo” de profissionais qualificados.
Só com gente qualificada, dizem os especialistas consultados pelo portal InfoMoney, é que o metaverso terá condições de entregar o que promete. Profissões que nem existem hoje serão realidade com o novo mundo que se desenha. Mas, os mesmos especialistas, decretam: profissionais que já criam soluções no mundo real poderão adaptar as funcionalidades conhecidas para o metaverso.
O profissional capaz de fazer a transição entre os dois mundos é o mais desejado pelo mercado, afirma Juliana França, gerente sênior do PageGroup, empresa de recrutamento de talentos. “O mercado de trabalho no metaverso vai ser um reflexo do nosso mundo físico hoje. Engenheiros, cientistas de dados, estilistas e promotores de eventos levarão sua expetise para essa nova realidade”.
Vladimir Souza, designer de produtos e docente do instituto de inovação Cesar, prevê que essa fase de transição se estabeleça em até um ano. “As profissões vão se adaptar e assumirão novos formatos no metaverso”, diz.
Já há vários metaversos administrados por diferentes empresas. Games como o Decentraland (MANA), Sandbox (SAND) e Axie Infinity (AXS) são alguns dos metaversos mais populares hoje.
A própria mudança de nome de Facebook Inc. para Meta é uma tentativa de a empresa de tecnologia se aproximar do conceito. Microsoft e Google também lançaram iniciativas com plataformas e produtos relacionados.
Segundo Souza, a publicidade e os games estão, no momento, mais familiarizados com o tema. Prova disso são as “skins”, roupas e acessórios usados por personagens nos jogos. Grandes companhias também já buscam experimentar o novo mundo que se avizinha.
A Natura, do ramo de cosméticos, promoveu em abril deste ano um festival no metaverso com direito à participação de artistas como Gloria Groove. O evento oferecia maquiagens para avatares, reuniões virtuais com famosos, entre outras iniciativas, tudo dentro do GTA RP (Grand Theft Auto Roleplay), jogo que sediou o festival de música da empresa.
No mesmo jogo, mas em novembro de 2021, a Brahma também realizou uma ação de publicidade montando seu próprio bar dentro do jogo. A iniciativa contou com festa, além de missões e cupons de desconto no iFood para consumir a cerveja em casa.
A Nike lançou uma coleção de tênis, e as marcas de luxo Louis Vuitton e Dolce&Gabana participaram da Fashion Week no metaverso.
“As empresas já estão criando maneiras para os usuários replicarem suas vidas em mundos digitais”, afirma Marty Resnick, vice-presidente de pesquisa da Gartner, no estudo da consultoria. “Desde a participação em salas de aula virtuais até a compra de terrenos digitais e a construção de casas virtuais, essas atividades estão sendo realizadas atualmente em ambientes separados. Eventualmente, eles ocorrerão em um único ambiente – o metaverso – com diferentes tecnologias e experiências.”
Diante do potencial, algumas profissões começam a ganhar destaque. Elas serão as responsáveis por estruturar a entrada de empresas no metaverso para atraírem mais consumidores — e, por conseguinte, gerar mais lucro às corporações.
Para saber quais as profissões mais demandadas, a reportagem do InfoMoney buscou a orientação de recrutadores que já buscam mão-de-obra qualificada no mercado para atuar no metaverso. São eles: Juliana França França, do PageGroup; Craig Rowbottom, recrutador sênior do setor digital e marketing da Robert Walters; e Vladimir Souza, do Instituto Cesar.
Ao final, a reportagem listou 11 profissões, de diferentes áreas, que estarão na crista da onda com a consolidação do metaverso no médio a longo prazo. Por ser um campo novo, os especialistas explicam que o patamar salarial sugerido em cada uma das 11 posições profissionais são apenas perspectivas — os valores podem mudar a depender do tamanho da empresa, nível de senioridade do profissional, oferta e demanda da vaga.
O setor do metaverso é o tecnológico, dizem os experts consultados. Embora algumas das profissões em destaque não sejam oriundas da área, a prática vai agregar tudo a um ambiente virtual (que, por si só, é tecnológico). “Profissionais que trabalham com realidade imersiva, seja qual for a área, vão se destacar”, prevê Vladimir Souza, do Instituto Cesar.
Veja algumas profissões que serão mais demandadas pelo metaverso:
Desenvolvedor de software
Os desenvolvedores de softwares são responsáveis por planejar, escrever, programar e estruturar sistemas e aplicativos. A função será responsável por desenvolver e construir “os mundos” do metaverso para proporcionar diferentes espaços aos usuários.
Outro segmento em que o profissional deve ter espaço é na programação em Unity, um software 3D muito utilizado como plataforma de criação de jogos. Usar esse programa permite desenvolver experiências imersivas, que vão ser cruciais no metaverso.
Perspectiva salarial mensal: Entre R$ 4.850 (júnior) e R$ 18.050 (sênior), considerando um desenvolver de software back-end em São Paulo.
Desenvolvedor de hardware
Enquanto o profissional de software cuida de programação e construção de sistemas e apps, o desenvolvedor de hardware foca na parte física do metaverso. Exemplo: acessórios, sensores, aparelhos e roupas, entre outros tipos de recursos, para oferecer uma experiência imersiva de qualidade aos usuários.
O profissional da área vai construir sensores de temperatura, óculos de realidade aumentada (menores e mais leves), controles para guiar avatares, fones de ouvido, entre outros acessórios, dizem os especialistas consultados.
Perspectiva salarial mensal: entre R$ 12 mil e R$ 18 mil, considerando um profissional sênior, segundo Rowbottom, recrutador da Robert Walters.
Analista de segurança cibernética (cybersecurity)
O profissional de segurança cibernética já atua hoje de forma similar ao que deverá fazer no metaverso: avaliar e bloquear invasões em tempo real e garantir que as leis, além de protocolos definidos pela empresa, sejam seguidos e corrigidos.
São profissionais que buscam evitar ataques hackers; crimes virtuais, quando criminosos atacam sistemas para ter ganho financeiro; e terrorismo cibernético, atos criminosos que causam pânico em um determinado grupo ou comunidade.
Com muitas empresas enfrentando ataques hackers, os especialistas afirmam que, no metaverso, o problema também pode ganhar terreno. Por isso, a posição é fundamental.
Analistas de segurança da informação também terão espaço e trabalharão com os analistas de cibersegurança, orientando e supervisionando os processos para que, no desenvolvimento das tecnologias, não haja falhas relacionadas aos dados dos usuários.
Perspectiva salarial mensal: entre R$ 5.350 (júnior) e R$ 16.750 (sênior), considerando um analista em São Paulo.
Cientista de dados
O cientista de dados vai ajudar, no metaverso, a manter a sustentabilidade das iniciativas de negócios, a partir da interpretação e da análise de dados.
Sendo um ambiente digital, no metaverso vão circular milhões de dados de usuários. Essas informações serão colhidas a partir do comportamento dos consumidores e do uso de acessórios.
Perspectiva salarial: entre R$ 13.100 (júnior) e R$ 21.950 (sênior), considerando a posição de especialista em São Paulo.
Profissional de marketing
De analistas a gerentes, esses profissionais serão importantes para monetizar os produtos e serviços no metaverso. Deverão ficar atentos às comunidades e aos comportamentos dos usuários.
Perspectiva salarial: entre R$ 11.700 (júnior) e 28.200 (sênior), considerando um gerente de marketing em São Paulo.
Gerente de produto
É o profissional que vai criar processos e ideias para melhorar a usabilidade de plataformas, acessórios, sistemas e tudo o que estiver envolvido com a vivência do usuário no metaverso. São os profissionais de User Experience (UX).
Terão contato mais direto com os times de desenvolvedores, cientistas de dados e marketing. Toda a empresa que lança produto e/ou uma marca no metaverso vai precisar desse profissional para ser assertiva.
Segundo os especilistas consultados, esta posição no metaverso exigirá um perfil mais sênior.
Perspectiva salarial mensal: entre R$ 12.350 e R$ 20.650, considerando um gerente de produto em São Paulo.
Analista financeiro
O metaverso é um ambiente de compra e venda, e os analistas financeiros serão importantes na construção e no funcionamento de sistemas financeiros nesse ambiente.
As criptomoedas já são os principais meios utilizados em transações nesse contexto e, no futuro próximo, outros tipos de moedas digitais vão surgir no contexto do metaverso.
O profissional da área também vai auxiliar na definição de taxas para transações no metaverso, segundo os especialistas consultados.
Perspectiva salarial: entre R$ 9.000 e R$ 13.800, considerando um analista de finanças em São Paulo.
Advogado “digital”
Os temas de legislação e ética no metaverso são muito discutidos. Embora muitos conceitos ainda sejam incipientes, é preciso entender como a sociedade civil vai lidar com crimes digitais: como crime de gênero e raça, por exemplo.
Eis algumas perguntas ainda sem resposta: Como vamos confirmar a identidade das pessoas para responsabilizá-las pelos atos no metaverso? A punição será dada apenas no ambiente virtual ou na realidade física? O autor de crimes será banido do metaverso? Como os três poderes vão atuar no metaverso?
Por isso, os recrutadores entendem que advogados especializados no mundo digital serão demandados para auxiliar os processos regulatórios no metaverso.
Perspectiva salarial: entre R$ 5.700 (júnior) e R$ 19.350 (sênior), considerando posição de advogado de compliance em escritório de grande porte em São Paulo.
Gerente de eventos
O profissional será responsável por promover eventos virtuais, de longo alcance. Terá a função de fazer a manutenção e o gerenciamento de programações culturais nas diversas comunidades que poderão surgir no metaverso.
É um profissional que precisa saber gerir times e ter rápida tomada de decisão. Embora tenha similaridades com a função na realidade física, os especialistas ainda têm dificuldades para apontar uma faixa salarial à função. “Ainda não temos dados certos. Seria uma conversão de um gerente de eventos hoje, mas que executaria sua atividade em um formato bem diferente”, diz Rowbottom.
Perspectiva salarial: entre R$ 14 mil e R$ 20 mil, considerando uma posição de gerência, segundo o recrutador da Robert Walters.
Estilista de moda digital
É uma das áreas mais curiosas da lista. Este profissional será responsável por desenvolver produtos virtuais, como skins (as roupas de avatares) ou acessórios. Estilistas e designers serão os mais demandados para a função. Empresas como Balenciaga, Nike e Louis Vuitton já lançaram recentemente suas coleções virtuais.
O profissional desta área precisa estar familiarizado em temas como modelagem, design têxtil, ilustração, animação e modelagem 3D, história da arte e da moda e entretenimento.
Souza, do instituto Cesar, diz que ainda não é possível apontar uma faixa salarial, mas conta que um profissional hoje que pode ser associado à essa vaga é o “concept artist”, responsável por desenvolver a parte visual de um projeto, incluindo jogos e seus avatares, por exemplo.
Perspectiva salarial: entre R$ 4 mil e R$ 27 mil.
Influenciador avatar
O influenciador avatar não é uma posição exatamente nova: a Lu, do Magazine Luiza; a Nat, da Natura; Rennata, da Renner; o Baianinho, das Casas Bahia; entre outros, são exemplos. Por trás dessas criações há um profissional que trabalhando na gestão e na atuação desses personagens.
Esse profissional terá destaque no contexto do metaverso. Ter esses influenciadores humaniza o processo de oferta de serviços e produtos. O avatar pode ser porta-voz da empresa dentro do ambiente virtual.
Os influenciadores do mundo digital poderão ser criados a partir de influenciadores reais e vão representar marcas, com a vantagem estar sempre disponível e em vários locais ao mesmo tempo. A empresária e influenciadora Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa, lançou recentemente seu avatar Pink para atuar no metaverso.
A depender do alcance do avatar, mais de um tipo de profissional estará envolvido na atuação do influenciador, como designers, especialistas em mídias digitas e de gestão da carreira.
Perspectiva salarial: os especialistas ainda não sabem estimar o salário mensal desse profissional no contexto do metaverso.
O que fazer para trabalhar no metaverso?
As companhias têm buscado por profissionais “curingas” (com alta capacidade de adaptação) e que tenham conhecimento comprovado em tecnologia, diz Rowbottom, para trabalhar no ambiente do metaverso. “Tem que ser interessado pelo conceito e pela inovação”.
Souza, do instituto Cesar, afirma que um dos termos que vêm ganhando popularidade no metaverso é o profissional “T-shaped”. É o profissional multidisciplinar que tem as habilidades técnicas, nas quais é especializada e representa a camada vertical; e as habilidades mais generalistas, que nem sempre são tão aprofundadas, mas que conversam com outras áreas de atuação e são representadas pela camada horizontal, formando um “T”.
É como se o cientista de dados, além do entendimento técnico de interpretação das informações, também compreendesse um pouco de marketing, o que ajuda no processo de monetização. “Essa característica combina muito com o que as empresas querem hoje para o metaverso”, diz.
Outra dica para quem pensa em trabalhar com metaverso é buscar entender quais são as indústrias de interesse. “Como o varejo, o setor financeiro e publicidade estão se encaminhando para o metaverso? O profissional muito atento à experiência do usuário vai se destacar mais”, completa o especialistas do instituto Cesar.
Juliana França, gerente sênior do PageGroup, lembra que é preciso buscar qualificação. “Se a pessoa não é de tecnologia, é interessante fazer alguns cursos para entender as principais linguagens de programação para ter a parte técnica desenvolvida”.