Maranhão tem 63,3% de casas com crianças de até dez anos com risco de fome

A merenda escolar pode ter sido a única refeição diária destes meninos e meninas, entre novembro de 2021 a abril de 2022.

Fonte: Luciene Vieira

Em 63,3% das casas do Maranhão, com crianças de até dez anos, não houve comida no prato ou a quantidade dela foi reduzida, entre novembro de 2021 a abril de 2022. A merenda escolar – maior e mais antigo programa de alimentação do país, com 68 anos – poderia ter sido a única refeição diária destes meninos e meninas, uma ajuda para matar a fome.

No entanto, em São Luís, que é a capital do estado, o Sindicato dos Profissionais do Ensino Público de São Luís (Sindeducação) concluiu que possivelmente houve substituição de produtos saudáveis por outros qualidade inferior, e quase sempre as necessidades calóricas dos alunos que estudam em instituições públicas de ensino básico não são plenamente atendidas.

A estatística de mais de 63% de casas do Maranhão prováveis sem comida faz parte da pesquisa da Rede Penssan, que se dedica ao estudo da fome no Brasil.

A Rede Penssan reúne entidades como Ação da Cidadania, Oxfam, Vox Populi e Actionaid. E, com base na pesquisa e nas declarações do Sindeducação, dois fatores teriam tirado o alimento saudável da boca de crianças maranhenses. O primeiro fator é a inflação dos preços dos alimentos ultrapassando 43% em todo o país, desde o início da pandemia de Covid-19, em 2020. A segunda causa é o empobrecimento da merenda escolar, cujos recursos federais estão congelados desde 2017.

Há cinco anos, o governo federal repassa aos estados e municípios, para a merenda de cada estudante de creche, R$ 1,07. Às crianças da pré-escola, R$ 0,53. Escolas indígenas e quilombolas, R$ 0,64. Ensino Fundamental e Médio, R$ 0,36. Educação de Jovens e Adultos, R$ 0,32. Ensino Integral, R$ 1,07.

Os valores são repassados em dez parcelas, por ano, de fevereiro a novembro, para a alimentação diária durante os 200 dias do ano letivo. Isto significa que, para os atuais 86 mil alunos matriculados na rede pública de ensino da capital maranhense, o governo federal repassa média de preço de um pãozinho.

E este repasse do pãozinho pode continuar em 2023, pois o presidente Jair Bolsonaro vetou o reajuste de 34% nos recursos repassados para a merenda escolar, incluído pelo Congresso no Orçamentos, desde meados de agosto de 2022.

COMO SÃO FEITOS OS REPASSES

De acordo com Ana Paula Martins, que é secretária de Comunicação do Sindeducação, o quanto uma cidade vai receber ao ano tem a ver com o Censo Escolar do ano anterior. O quanto São Luís recebe neste ano, está de acordo com o Censo de 2021, ou seja, a quantidade de matrículas feitas.

“No ano de 2020, em que houve a pandemia de coronavírus e as aulas foram suspensas, a capital do Maranhão recebeu quase R$ 12 milhões. Em 2021, cerca de R$ 12,5 milhões. E agora, até o momento, o Município recebeu quase R$ 9 mi. Houve aumento de 2020 para 2021, devido a quantidade de matrículas feitas, quando as escolas voltaram ao sistema presencial, mas não houve reajuste. Só com a base nos dados do Censo é que há como fazer o cálculo de quanto aumentaria para São Luís receber, com base no número de alunos em cada modalidade. No entanto, cogitamos que seja mais de R$ 13 milhões, caso Bolsonaro não tivesse vetado o reajuste”, explicou Ana Paula Martins.

MERENDA ESCOLAR REPROVADA

Mesmo que o maior repasse para merenda escolar seja de responsabilidade do governo federal, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), as prefeituras brasileiras devem complementar a verba. Elas também têm autonomia no processo de compra de alimentos e de modo a privilegiar a aquisição de comida fresca, como frutas e verduras.

Até a década de 1990, os alimentos enviados às escolas eram comprados pelo governo federal de forma centralizada, em Brasília, e remetidos ao restante do país. A partir de 1993, a aquisição dos alimentos é feita de maneira descentralizada. Supostamente, para cada R$ 1 repassado pelo governo federal, o município ou estado encarregado da compra investe outro R$ 1.

A alteração na regra permitiu que a comida fosse comprada localmente e que o cardápio melhorasse. Mesmo que a Prefeitura de São Luís seja livre para montar seu próprio programa de alimentação nas escolas, o Sindeducação reprovou a “alimentação pouco nutritiva” oferecida nas unidades básicas de ensino da cidade.

“Atualmente, a merenda escolar de São Luís é composta por: risoto de carne moída ou frango, mingau de arroz, achocolatados ou sucos acompanhados com bolachas de água e sal, e sopa de macarrão com feijão. É uma alimentação pobre em sais minerais e vitaminas, encontrados nas frutas e legumes. Falta equilíbrio de nutrientes no cardápio oferecido”, reprovou o cardápio, a secretária de Comunicação do Sindeducação, Ana Paula.

FALTA ÁGUA PARA O PREPARO DA MERENDA

Ana Paula disse também que há denúncias toda semana sobre alimentação escolar feitas ao sindicato, entre elas, a falta de água para o preparo das refeições.

“Nesta semana, inclusive, nossa entidade apurou a denúncia de que tem dias que no Anexo Isema, da UEB Tancredo Neves, no bairro da Cidade Operária, a falta de água foi a causa do não preparo das refeições dos alunos”, informou Ana Paula.

As principais reclamações, segundo o Sindeducação, estão em torno da qualidade dos alimentos. “Como é que a nutricionista da Secretaria Municipal de Educação de São Luís aprova um cardápio como este que está sendo servido nas nossas escolas?!”, exclamou em tom interrogativo, Ana Paula. S

INDEDUCAÇÃO DUVIDA DO INVESTIMENTO NA AGRICULTURA FAMILIAR

A Lei Federal 11.947, de 2009, determina que, 30% do valor repassado a estados e municípios pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, sejam usados na compra de produtos da agricultura familiar.

“Onde estão os 30% do Pnae que devem ser gastos com a agricultura familiar? Este recurso está sendo investido pela Prefeitura de São Luís? Não estamos vendo frutas e verduras variadas dentro deste cardápio”, frisou Ana Paula.

CARDÁPIO ELABORADO A CADA 15 DIAS

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Educação (Semed) informou que todas as escolas municipais recebem regularmente a alimentação escolar, em um cardápio elaborado por nutricionistas, atendendo as especificações do Programa Nacional de Alimentação Escolar.

A Semed comunicou ainda que a elaboração do cardápio é quinzenal, e enviado às escolas para acompanhamento pela gestão escolar. Além disso, a Secretaria garantiu que uma equipe de fiscalização monitora o fornecimento da alimentação escolar fornecida pela empresa contratada.

“Sobre a suposta denúncia relatada, a Semed ressalta que entrou em contato com a gestão da UEB Tancredo Neves – Anexo Isema, que confirmou a regularidade da alimentação escolar e, também, não reportou nenhum caso referente à falta de água.

Por fim, a Semed reafirma o seu compromisso com a alimentação escolar de qualidade aos estudantes e segue trabalhando com estratégias para melhoria contínua do cardápio oferecido na Rede Municipal de Ensino de São Luís”, trecho na íntegra da nota da Semed, enviada ao Jornal Pequeno.

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