Existem diversas especulações sobre o tipo sanguíneo estar relacionado a uma predisposição para determinadas doenças, até mesmo a Covid-19.
“Nós temos quatro tipos sanguíneos do grupo ABO, que são O, A, B e AB. O tipo O é o mais frequente no Brasil e na maior parte do mundo; em alguns países, principalmente na África Equatorial, o tipo O chega a 80% da população; em algumas regiões, chega a 90%”, explica o médico do hemocentro de Ribeirão Preto e membro do comitê de hematologia da ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular) Gil Cunha de Santis.
Os quatro tipos sanguíneos são classificados de acordo com a presença ou ausência de aglutinogênio (antígeno). São eles:
• sangue A: contém antígenos A na superfície das hemácias e só pode receber sangue de pessoas tipo A ou O;
• sangue B: produz antígenos tipo B e só pode receber sangue do tipo B ou O;
• sangue AB: têm antígenos tipo A e B, portanto é um receptor universal — de todos os tipos sanguíneos;
• sangue O: tido como comum, é conhecido como doador universal, pois não possui antígenos A nem B. Pode doar para todos os grupos, mas só recebe sangue de pessoas tipo O.
Sangue A
Um estudo publicado pela Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês) constatou que pessoas com esse tipo sanguíneo são mais propensas a ter ataque cardíaco ou sofrer insuficiência cardíaca, se comparadas a pessoas com o tipo O.
A mesma pesquisa mostrou que homens desse grupo tinham maiores chances de desenvolver trombose, por exemplo, quando comparados a homens com tipo sanguíneo O.
Os voluntários com sangue A também eram 51% mais propensos a ter trombose venosa profunda e tinham mais chance (47%) de desenvolver embolia pulmonar.
“Quando você tem trombose venosa — é muito mais comum nas pernas —, um pedaço do trombo pode ser descolado, aí ele se chama êmbolo, e vai para o pulmão, onde obstrui alguma artéria, e pode dar embolia pulmonar”, esclarece o médico.
Vale ressaltar que as duas condições citadas anteriormente são distúrbios que afetam a coagulação do sangue, então também podem aumentar o risco de insuficiência cardíaca.
O Ingoh (Instituto Goiano de Oncologia e Hematologia) ainda ressalta a associação desse grupo sanguíneo com a ocorrência do câncer gástrico.
Na mesma linha, uma pesquisa publicada na eLife mostrou que o câncer de pâncreas foi associado especificamente a esse tipo de sangue.
Resultados publicados na revista Neurology, da Associação Americana de Neurologia, também concluíram que pessoas com sangue tipo A têm 18% mais risco de sofrer um derrame antes dos 60 anos em comparação com qualquer outro tipo sanguíneo.
Um estudo do New England Journal of Medicine também descobriu que pessoas do tipo A tinham um risco 45% maior de contrair a Covid-19 do que as que estão em outros subgrupos.
Além disso, uma pesquisa brasileira publicada na revista científica Transfusion and Apheresis Science constatou ainda que esse tipo sanguíneo está associado a um maior risco de desenvolver Covid grave em relação ao sangue O.
Sangue B
Um estudo divulgado no Journal of Cancer Epidemiology constatou que pessoas do tipo B tinham uma probabilidade 59% maior de serem diagnosticadas com câncer.
A Associação Americana do Coração também incluiu o tipo sanguíneo B no grupo com maior probabilidade de ter um ataque cardíaco ou passar por insuficiência cardíaca.
Os homens, assim como aqueles com sangue A, também têm chances aumentadas de desenvolver trombose, trombose venosa profunda (51%) e embolia pulmonar (47%).
O Ingoh ainda alerta que o sangue B tem chance maior de desenvolver câncer pancreático.
Um lado positivo, segundo a pesquisa publicada na eLife, é que o risco de cálculo renal nesse grupo é menor em comparação ao do tipo O.
Sangue AB
Alguns problemas de memória podem estar ligados ao tipo sanguíneo AB, segundo um estudo do Journal of Neurology. Cientistas demonstraram que esse grupo tinha um risco 82% maior de enfrentar um comprometimento cognitivo.
O sangue AB também está incluído no tipo mais propenso a ter ataque cardíaco ou insuficiência cardíaca, de acordo com a AHA.
Para o Ingoh, essa variação sanguínea também corre maior risco de ter câncer pancreático.
O estudo da eLife, por sua vez, mostrou que a colelitíase — presença de pedras (cálculo) no interior da vesícula biliar — foi mais comum nesse sangue, junto ao tipo A, em comparação ao tipo O.
Sangue O
Diferentemente do grupo A, o tipo sanguíneo O foi relacionado a uma probabilidade 35% menor de sofrer uma infecção pelo coronavírus.
“O indivíduo que é do tipo O tem menor propensão a ter trombose mais grave, e ele tem menos inflamação também. Então, são dois aspectos que são interligados e um influencia o outro: menos trombose, menos inflamação — e a Covid provoca muita inflamação, é uma doença hiperinflamatória. Talvez isso explique por que o tipo O tenha conferido alguma vantagem”, relata o hematologista.
Já o Instituto Goiano de Oncologia e Hematologia alertou que as úlceras (gástricas e duodenais) acontecem com mais frequência nesse grupo.
“O tipo O parece também favorecer a infecção pela H. pylori, que é uma bactéria que ataca o estômago, só que não costuma ser uma infecção grave; em geral, é assintomática”, diz Cunha.
O estudo publicado na eLife também descobriu que os distúrbios hemorrágicos (sangramentos) são mais frequentes nesse grupo, em comparação ao do sangue A.
Além disso, houve maior ocorrência de hipertensão induzida pela gravidez no sangue O, se comparado aos grupos sanguíneos A e AB.
A mesma pesquisa teve um novo achado e demonstrou que pessoas classificadas como O podem ter mais chance de ter cálculo do rim e ureter, quando comparadas ao sangue B.
Cunha ainda diz que na África, região com a presença majoritária do tipo O, “tem mais malária pelo Plasmodium falciparum, que é o mais grave, e o indivíduo tipo O tem uma resistência maior a esse tipo de malária, morre menos por malária”.
Por fim, outro trabalho brasileiro, também publicado na Transfusion and Apheresis Science, descobriu que os pacientes desse grupo precisam de mais transfusão de sangue durante um transplante ortotópico de fígado — comumente utilizado para o tratamento de doenças hepáticas irreversíveis e sem possibilidade de tratamento clínico.
Gil conclui que as pessoas dos tipos sanguíneos citados anteriormente não necessariamente terão essas condições; por exemplo, “a trombose é rara. Em geral, o risco é baixíssimo, só que é maior no A, porque o A é o segundo tipo mais comum”.