Presidente eleito terá que negociar pelo menos R$ 200 bi com o Congresso ainda este ano

Pendências precisarão ser resolvidas pelo presidente eleito, como o pagamento do Auxílio Brasil no valor de R$ 600

Fonte: G1

O presidente da República que sair vencedor das eleições terá o desafio de negociar com o Congresso Nacional antes mesmo de tomar posse, em 1º de janeiro de 2023.

Há uma série de pendências a serem resolvidas entre a abertura das urnas e o novo mandato, que envolvem pelo menos R$ 200 bilhões em gastos a serem feitos no ano que vem. O tamanho exato dependerá das decisões políticas tomadas pelo presidente eleito.

Os recursos precisarão ser negociados com a atual formação do Parlamento, mesmo com aqueles deputados e senadores que não tiverem os mandatos renovados hoje. O mais evidente dos gastos é a necessidade de prorrogar o Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023 — no papel, esse valor do benefício só vale até dezembro, embora todos os principais candidatos à presidência prometam manter os números atuais.

Para que o benefício seja pago em janeiro com o atual valor, e não R$ 400, será necessária a aprovação ainda neste ano. A medida vai envolver um gasto extra de R$ 52 bilhões, que não está previsto na proposta orçamentária do próximo ano.

Tamanho da conta
Os assessores econômicos dos principais candidatos também pretendem ampliar despesas em 2023, e querem que essa licença seja aprovada já neste ano. O mecanismo está sendo chamado de waiver (perdão) e deve incluir outros gastos além do Auxílio Brasil. Essa autorização será dada por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), de maneira a dispensar o teto de gastos, a regra que trava o aumento das despesas federais acima da inflação.

— O tamanho desse waiver é a grande pedra de toque fiscal para o futuro. O ideal seria que esse pedido de dispensa do teto viesse acompanhado de um compromisso firme de responsabilidade fiscal de médio prazo — explica Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e economista-chefe da ASA Investiments.

Ele afirma, porém, que a tendência é que esse waiver venha com um compromisso informal de sustentabilidade das contas públicas por parte do novo governo:

— Isso é um fator de bastante risco, é como se tivessem dando um voto de confiança. Ele está pedindo para gastar mais antes, sem dizer como vai pagar.

Além do Auxílio Brasil, será necessário discutir se o governo prorroga os benefícios para caminhoneiros e taxistas, além do vale-gás ampliado. Eles foram criados pelo governo Jair Bolsonaro às vésperas da eleição, mas só valem até dezembro.

A renovação dos benefícios para caminhoneiros e taxistas custaria cerca de R$ 7 bilhões ao ano. Já o vale-gás maior teria um custo de R$ 2 bilhões. Esses cálculos foram feitos pelo economista Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset e especialista em contas públicas. Para Barros, o risco é ser criada uma fatura muito grande:

— Não falamos de reajuste para servidor, salário mínimo, e da regra fiscal em si. Esse waiver é a ponta do iceberg. O risco é criar uma conta muito grande.

Em outra frente, os estados pressionam por uma solução rápida para a compensação das perdas de receita geradas com a redução do ICMS sobre energia e combustíveis. O Congresso aprovou e Bolsonaro sancionou, em meados do ano, um limite para o ICMS cobrado sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações.

Os estados foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) tentando reverter a medida ou ao menos serem compensados pelas perdas de arrecadação que terão com o limite. Especialistas calculam em R$ 80 bilhões a compensação necessária para não haver perda de arrecadação para estados e municípios por conta na queda do ICMS, seu principal tributo.

— Os governos estaduais e municipais perderam algo como R$ 100 bilhões de arrecadação por ano com essas decisões que o governo tomou em 2022 — afirmou Bráulio Borges, pesquisador do Ibre/FGV e da LCA Consultores.

Borges coloca na conta do rombo dos estados a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cuja receita é dividida com os governos locais. A União cortou o IPI em 35%, excluindo apenas produtos feitos na Zona Franca de Manaus.

— Isso vai ser um drama para os governos regionais. A questão federativa também vai ter que ser atacada antes de 2023 começar — considera Borges.

Neste ano, o governo também zerou impostos federais sobre a gasolina e o óleo diesel. Assim como a redução do ICMS, isso ajudou a diminuir o preço dos produtos, e a tendência é de renovação dessas desonerações — a proposta orçamentária de 2023 deixa espaço para essa extensão, mas ela ainda precisa ser confirmada. A desoneração desses impostos deve continuar no próximo ano, a um custo de R$ 52,9 bilhões.

Corrida contra o tempo
Bittencourt alerta que, além da PEC, será preciso alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e aprovar uma lei prevendo expressamente o Auxílio Brasil de R$ 600 — tudo antes de começar o calendário de pagamentos de janeiro. Ou seja, haverá uma corrida para garantir o benefício turbinado no começo do ano.

— O calendário é apertado — afirma o especialista.

A economista-chefe do Credit Suisse Brasil, Solange Srour, defende que a licença para gastar venha acompanhada de uma nova regra fiscal que substitua o teto de gastos. Há uma tendência clara de mudanças na regra, mas as campanhas de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva — que lideram as pesquisas — não apresentaram nenhuma proposta concreta para substituir a atual trava fiscal.

— Seria uma sinalização muito ruim não ter um novo arcabouço fiscal. É preciso amarrar o tamanho dessa licença, e que isso seja restrito por um ano. Deveríamos ter o waiver, o novo arcabouço fiscal e as novas propostas de reformas sendo negociados ao mesmo tempo — afirma Solange.

Outra pauta que chegará ao presidente é o piso salarial da enfermagem, suspenso pelo STF para obrigar que governo e Congresso aprovem como o custo será pago pelos estados e municípios.

Especialistas também afirmam que será necessário recompor despesas do Orçamento de 2023, em uma dimensão que vai depender das escolhas do presidente eleito. São programas como o Casa Verde e Amarela e o Farmácia Popular, além de recursos para escolas.

— A proposta de lei orçamentária do ano que vem é basicamente irrealista e, por outro lado, está acomodando uma quantidade de emendas do orçamento secreto que terá que ser alvo de negociação. O orçamento secreto não vai poder sumir do dia para a noite, mas vai precisar ser equacionado para acabar com uma série de problemas — comenta Borges, do Ibre/FGV, em referência à reserva de R$ 19,4 bilhões para as emendas de relator em 2023.

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