Os resultados de uma pesquisa inédita sobre o câncer de mama, realizada pela Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), mostra que, para muitas mulheres, o autoexame das mamas é a principal forma de detectar tumores de mama precocemente. Essa percepção difere da recomendação das sociedades médicas brasileiras.
O autoexame é importante, reforçam especialistas, mas a mamografia é o principal exame para detectar o câncer de mama na fase inicial. De acordo com a SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia), o autoexame é indicado como autoconhecimento em relação ao próprio corpo, mas não deve substituir os testes realizados ou prescritos pelo médico.
Isso ocorre porque muitas lesões, ainda pequenas, não são palpáveis. Contudo, 64% das mulheres que participaram da nova pesquisa do Ipec dizem acreditar que o autoexame seria o principal meio para o diagnóstico do câncer de mama no estágio inicial.
A pesquisa “Câncer de mama hoje: como o Brasil enxerga a paciente e sua doença?” foi feita pelo Ipec com 1.397 mulheres, a pedido da Pfizer. Foram entrevistadas internautas de São Paulo (capital) e das regiões metropolitanas de Belém, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Distrito Federal, com 20 anos de idade ou mais.
Os resultados desse estudo foram divulgados nesta quinta-feira (29), em São Paulo, pelo Coletivo Pink. Durante o encontro, especialistas como a oncologista Débora Gagliato e a presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, bem como a líder médica da Pfizer, Márcia Pinheiro, comentaram a pesquisa e o cenário atual do câncer de mama, que ainda ocupa o primeiro lugar nas causas de morte por câncer entre as brasileiras.
A coordenadora de projetos e voluntariado do Oncoguia, Evelin Scarelli Terwak, também participou do encontro, e contou sobre a própria trajetória de tratamento do câncer de mama.
Autoexame
Além da confusão em torno do papel do autoexame, a maioria das mulheres ouvidas pelo Ipec também demonstra desconhecer as recomendações médicas de realização da mamografia, que pode detectar tumores menores de 1 centímetro.
Para 54% das respondentes, não está clara a necessidade de passar pelo procedimento caso outros exames, como o ultrassom das mamas, não indiquem alterações; 38% acreditam que a mamografia deve ser feita apenas mediante achados suspeitos em outros testes, enquanto 16% não sabem opinar.
A recomendação geral das sociedades médicas é que, a partir dos 40 anos, as mulheres realizem a mamografia anualmente. Mas 51% das respondentes da pesquisa não estão cientes da importância dessa regularidade: 30% das entrevistadas estão convencidas de que, após um primeiro exame com resultado normal, a mulher estaria liberada para realizar apenas o autoexame em casa, enquanto 21% da amostra afirma desconhecer qual seria a orientação correta.
Mitos
Os mitos ligados ao tema mostram-se fortes na população estudada: 8% das mulheres que responderam à pesquisa atribuem o câncer de mama a causas divinas, alegando que a doença teria aparecido porque “estava nos planos de Deus”.
Além disso, 6% das mulheres que acreditam que o tumor teria relação com a possibilidade de a mulher “não ter perdoado alguém”, acumulando mágoa.
Entre as mulheres mais jovens, aparecem algumas fake news recorrentes sobre o tema. Na faixa que abrange entrevistadas de 20 a 29 anos, por exemplo, 47% não estão convencidas de que o tipo de sutiã usado não tem impacto no risco de câncer de mama;11% acreditam que os modelos com bojo elevam esse risco; e 36% não sabem opinar sobre o assunto.
Considerando todas as faixas etárias, tanto em Porto Alegre quanto em Belém, apenas 59% das entrevistadas estão cientes de que a relação com essa peça de roupa é falsa.
O dado sobre o uso de sutiã em o risco do câncer surpreendeu a líder médica na Pfizer Brasil, Márcia Pinheiro. “Fiquei surpresa com a questão do sutiã com bojo causar o câncer. Mas é nosso papel explicar e tirar essa dúvida da população. É fundamental essa propagação de informação correta, porque isso não deixa de ser uma fake news, é uma informação errada”.
Para Márcia, é preciso desmistificar outras informações, como só fazer a mamografia depois dos 50 anos, visto que o recomendado é a partir dos 40 anos.
“A partir do momento em que se começa a ter uma uma rotina de ir ao ginecologista anualmente, o exame da mama já tem que estar incluído. O autoexame também é uma coisa que a gente precisa desmistificar: ele é importantíssimo, ele precisa ser feito, não estamos tirando a importância do autoexame, mas ele não é a ferramenta mais importante para fazer o diagnóstico precoce, ou seja, não é porque você está fazendo que não precisa fazer a mamografia.”
Márcia destaca que a mamografia é a forma mais precisa de detectar um tumor pequeno, pois “já ouvi muitas vezes pacientes reclamando de fazer a mamografia porque é desconfortável, dolorido, mas é uma vez por ano, temos que fazer, pois é a forma mais sensível e acurada de chegar no diagnóstico de um tumor pequeno”.
A especialista também considera importante dizer que o diagnóstico do câncer não é uma maldição. Hoje há tratamentos, e, quanto mais precocemente for detectada a doença, mais fácil é tratá-la e ter êxito na terapia.
Para a coordenadora de projetos e voluntariado do Oncoguia, Evelin Scarelli Terwak, o Outubro Rosa é o momento de trocar o olhar de celebração para um olhar de esclarecimento. “O Outubro Rosa é um mês de conscientização, de informação”, reforça.
Evelin foi diagnosticada com câncer de mama aos 23 anos. Passou pelo tratamento e, hoje, aos 34 anos, trabalha no Oncoguia. Ela destaca a importância da informação.
“O medo é trocado no momento em que a informação chega. É importante saber os níveis da doença. A mulher com informação compartilha com o médico e assim faz suas escolhas.”
Hereditariedade e fatores de risco
A pesquisa evidencia que a maior parte das mulheres ignora a relação entre o estilo de vida e a doença: 58% delas não associam o excesso de peso como um fator de risco, enquanto 74% não identificam a relação do câncer com o consumo de bebidas alcoólicas.
“O estilo de vida saudável reduz o risco de desenvolver câncer. Então, nunca é tarde. Promover a saúde e a conscientização sobre alimentação e atividade física sempre vale a pena. O álcool é um fator de risco, não recomendamos que a mulher beba álcool, ou, se consumir, limitar a uma quantidade pequena”, destaca a oncologista Débora Gagliato, médica titular do Departamento de Oncologia Clínica do Centro Oncológico Antonio Ermírio de Moraes, da Beneficência Portuguesa de São Paulo, e integrante do comitê científico do IVOC (Instituto Vencer o Câncer).
A médica acrescenta: “Nós sabemos que tem mulheres que vêm aumentando muito o consumo de álcool, então nunca é demais falar sobre mudança de estilo de vida, e, se conseguimos implementar essas mudanças, nós conseguimos impactar positivamente nos índices de câncer que a gente vê aumentar”.
Apesar de a idade não ser um aspecto controlável, o sedentarismo, a obesidade e o etilismo são fatores de risco que podem ser modificados.
Por outro lado, a herança genética é a causa mais lembrada pelas entrevistadas quando se perguntou sobre as causas do câncer de mama: 82% estão convencidas de que a existência de outros casos do tumor na família seria o principal motivo para o desenvolvimento da doença.
A literatura médica, contudo, aponta que apenas 5% a 10% do total de casos estão associados a esse fator.
As participantes da pesquisa desconhecem, por exemplo, a relação entre comportamentos associados à mulher moderna e o câncer de mama: apenas 17% estão cientes de que não ter filhos biológicos aumenta o risco para a doença, e muitas ignoram o efeito protetor da amamentação, como é o caso de 55% das entrevistadas de Porto Alegre e de 54% das paulistanas.
Elementos ligados ao perfil reprodutivo das mulheres também compõem o leque de fatores de risco para o câncer de mama, como a menopausa tardia (após os 55 anos); mas apenas 13% das respondentes conhecem essa informação.
Além disso, somente 8% sabem que ter tido a primeira menstruação antes dos 12 anos também contribui para elevar esse risco.
Pandemia
Os dados da pesquisa indicam que o cenário pandêmico continua a impactar o cuidado com a saúde feminina. Quando questionadas sobre os exames mamários feitos nos últimos 18 meses, 48% das participantes do levantamento responderam que não realizaram procedimentos com acompanhamento médico: 21% recorreram ao autoexame e 27% não passaram por nenhuma avaliação nesse período.
Considerando o total da amostra, apenas 34% das respondentes afirmam ter mantido a mamografia nos últimos 18 meses, número que cai para 26% tanto no Distrito Federal quanto em Belém.
Quando se trata dos cuidados gerais de saúde, somente 17% das mulheres ouvidas pelo Ipec dizem que, durante a pandemia, realizaram os exames de rotina com a mesma frequência habitual que mantinham anteriormente.
O novo levantamento aponta, ainda, que uma porcentagem considerável de mulheres ainda não retomou suas consultas médicas e exames desde que a pandemia começou: essa é a situação de 7% das respondentes, mas a taxa chega a 9% em Porto Alegre e no Recife.