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Principais aspectos relacionados ao bem-estar animal na bovinocultura

Entrevista com o professor Adjunto no Departamento de Zootecnia FCAV/Unesp – Jaboticabal, Dr. Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa Formado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista (1981), tem especialização em Comportamento Animal pela Universidade de São Paulo (1986), mestrado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista, doutorado em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo (1995) e […]

Fonte: Scot Consultoria

Entrevista com o professor Adjunto no Departamento de Zootecnia FCAV/Unesp – Jaboticabal, Dr. Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa

Formado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista (1981), tem especialização em Comportamento Animal pela Universidade de São Paulo (1986), mestrado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista, doutorado em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo (1995) e pós-doutorado em Bem-Estar Animal pela Universidade de Cambridge (1999).

Atualmente, é Professor Adjunto no Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, campus de Jaboticabal. Foi pesquisador visitante (de outubro de 2009 a março de 2010), na sede da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), em Roma (Itália) e membro do Comité de Bem-Estar Animal e Educação (2009 a 2010) na Unidade de Bem-Estar animal da Diretoria Geral de Saúde e Atenção ao Consumidor da União Europeia (DG SANCO), em Bruxelas, na Bélgica.

Foto: Freepik

Scot Consultoria: De acordo com dados levantados na última edição do Confina Brasil, dos confinamentos visitados, quase 99% declaram realizar algum tipo de manejo relacionado ao bem-estar animal. Esses números são positivos, apontando melhorias nas práticas a campo. No entanto, muitas vezes, a resistência desse 1% em mudar seu sistema produtivo vem de uma crença de que a aplicação dessas técnicas pode ser muito trabalhosa ou custosa. Você poderia citar aos leitores alguns manejos simples de bem-estar animal (BEA), que podem ser aplicados dentro de confinamentos, e ressaltar qual a importância dessas práticas no resultado da propriedade?

Mateus Paranhos: A resistência à mudança é algo normal. As pessoas preferem continuar fazendo o que fazem rotineiramente, do que adotar uma prática nova. Então, quem está mais propenso a mudar, quem tem uma visão mais progressista, tem maior probabilidade de se desenvolver aproveitando a tecnologia. Com relação ao BEA, é um mito dizer que é difícil e caro porque, na verdade, muitas das ações que estão relacionadas com a promoção do bem-estar dos bovinos em confinamento envolvem a adequação do manejo, o que significa trabalhar com mais calma e cuidado, não gritar, não agredir os animais, então não, não acho difícil, porque muitos focam em alterações que, muitas vezes, nem são necessárias. Quanto custa parar de gritar e bater nos animais? No máximo, o custo existente será com o treinamento da equipe. Portanto, os benefícios são enormes, o saldo é positivo economicamente porque haverá menos risco de acidente com as pessoas, com os animais, menos contusão nas carcaças, uma vacinação bem-feita também implica em menor porcentagem de animais com abscessos vacinais, então é uma ação em que todo mundo se beneficia, os animais, os funcionários e o dono do negócio.

Scot Consultoria: Projetos como “Cada bezerro importa”, “Confinar bem” e “Redução da marca a fogo”, têm refletido nos resultados da pecuária brasileira. Quanto já se avançou com esses projetos?

Mateus Paranhos: Temos visto grande impacto dos projetos nas fazendas que acompanhamos proximamente. No caso do “Cada bezerro importa”, organizamos dois cursos com, aproximadamente, 250 pessoas em dois grupos de discussão, onde experiências e dificuldades são compartilhadas em busca de auxílio. As vezes chego numa fazenda que não tenho contato, porém o proprietário deve ter encontrado a informação em algum canal de divulgação e já faz o trabalho muito bem. Então, essas boas práticas de manejo na criação dos bovinos estão sendo bastante divulgadas, o que ajuda muito. Portanto, o processo não é muito rápido, pode demorar um pouco, mas as boas práticas vêm para ficar. Quem mudou, não volta mais.

Um ótimo exemplo disso é uma fazenda de cria, que vende bezerros desmamados e fez uma venda via leilão. A pessoa que comprou, ligou para a vendedora perguntando se teria outra desmama ainda aquele ano e o comprador pagaria o mesmo preço do leilão sem que a propriedade precisasse arcar com o custo da leiloeira. Curiosa, a vendedora perguntou por que a pessoa estava oferecendo isso, já que no leilão ele talvez pudesse comprar mais barato, e o comprador disse que o fator que o fez querer comprar aquele gado foi a sua mansidão. Portanto, as boas práticas facilitam o trabalho, tornando-o mais eficiente, diminuindo o risco de acidente no fim do dia, já que ninguém está tão cansado, nem machucado, e tudo isso traz vantagens econômicas porque os dados apontam uma redução na taxa de mortalidade, o que, consequentemente, traz vantagens econômicas para o produtor.

Scot Consultoria: Olhando para a pecuária leiteira no Brasil, contamos com grande parte da produção em sistemas de pastagens. Como a raça Holandesa pode atingir alta produtividade nesse tipo de sistema inserido no clima brasileiro, com temperaturas quase sempre acima do conforto térmico da raça? Quais são as técnicas mais recomendadas?

Mateus Paranhos: Existem algumas estratégias para minimizar o efeito do clima brasileiro para as raças Holandesas, uma delas é a seleção genética para identificar animais mais adaptados. Deve-se levar em conta que você não pode esperar uma produtividade máxima de um animal mantido a pasto, então se está buscando produtividade máxima, deve haver um controle maior do ambiente, o que é difícil de fazer no pasto. É fundamental ter sombra, ela diminui a carga térmica radiante, ou seja, o animal esquenta menos porque ele está protegido da radiação solar direta. Alguns confinamentos têm um sistema com pasto irrigado, chamado de resfriamento adiabático, em que o animal é molhado, a água evapora se a umidade do ar não estiver muito alta e então ele perde calor. Todos esses são processos de mitigação, ou seja, diminuem a pressão sobre o animal, mas não a eliminam completamente. Portanto, é um desafio, e essas estratégias combinadas à genética, podem aumentar a produtividade leiteira de vacas Holandesas, porém não existe uma solução mágica.

Scot Consultoria: Quanto à pecuária de corte, quais são os mercados consumidores da carne bovina brasileira mais exigentes quanto ao bem-estar animal? Como é realizada a fiscalização desses produtos?

Mateus Paranhos: A bovinocultura de corte ainda não tem um programa bem definido de certificação focado no bem-estar animal. Existem certificadoras que avaliam se está tudo bem com a carne e colocam um selo na carne embalada, o que ganha a preferência de alguns consumidores. Essa situação está associada ao nicho de mercado, ou seja, estão buscando por mais valor agregado à carne, o que a transforma num produto de nicho para as pessoas que podem pagar, o que, do ponto de vista prático, é interessante porque ajuda a promover a ideia, porém, do ponto de vista da promoção do bem-estar animal, é limitado porque fica restrito a um pequeno nicho. Hoje, alguns produtores têm sua própria marca e conseguem produzir uma carne de melhor qualidade, com mais marmoreio, maciez e todas as características desejáveis. Ou seja, essa carne pode ser colocada no mercado, porém não se encontra acessível para todos, financeiramente falando, então ainda estamos engatinhando nesse ponto.

O bem-estar animal leva o consumidor a estar disposto a pagar mais pela carne, mas antes de chegar ao fim da cadeia produtiva, o BEA traz muitos benefícios dentro da fazenda. É um mercado bem valorizado, porém esse não deve ser o único ponto a ser considerado pelo produtor.

Scot Consultoria: Quais parâmetros as empresas e produtores devem seguir para que o produto conquiste um selo de qualidade voltado para o BEA?

Mateus Paranhos: Os protocolos de auditoria contemplam indicadores relacionados aos “5 domínios do bem-estar animal”, que são saúde, nutrição, ambiente, comportamento e estado mental. Então muitos protocolos estão orientados para terem indicadores específicos em cada um desses domínios e algumas questões são consideradas críticas, até porque a legislação penaliza se não for respeitado. Por exemplo, atos de abuso ou de crueldade com os animais não são aceitos em nenhum protocolo de bem-estar e então a auditoria é interrompida automaticamente, porque deve estar muito orientada pela legislação sem aceitar qualquer condição que desrespeite a lei ou que seja classificada como maus-tratos ou abuso dos animais.

Scot Consultoria: Sob seu ponto de vista, quais os principais desafios do bem-estar animal nos próximos anos para a pecuária de corte e leite no Brasil? Como os sistemas de produção (à pasto, confinado, semiconfinado) podem interferir nesses aspectos?

Mateus Paranhos: O maior desafio é crescer uma tendência ou uma pressão para que os produtores adotem sistemas cada vez mais intensivos, que são conhecidos como produção pecuária industrial. Usando como exemplo, aumentar a densidade nos confinamentos tanto de bovinos de corte quanto de leite, diminuir muito o consumo de fibras, dietas muito energéticas, são práticas que têm um efeito negativo na saúde do animal e no comportamento, consequentemente. O pessoal fica na expectativa de que com essas práticas o animal vai produzir mais, e é verdade, porque você tem um volume maior de produção, mas dependendo de como isso é conduzido, você corre muito risco. A mesma coisa na produção leiteira, é possível levar a vaca a produzir o máximo do potencial genético dela, mas ela tem sua reprodução prejudicada, aumenta o risco de ficar doente e também a mortalidade. Então, vale a pena chegar nesse limite extremo de desafio do organismo dos animais? A minha resposta para isso é “não”. Mas não é todo mundo que concorda comigo, então tem pessoas correndo o risco e muitas vezes pagam o preço.

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