Um novo procedimento no tratamento de câncer colorretal avançado diminuiu em 28% a recorrência da doença nos pacientes, mostrou estudo publicado no Journal of Clinical Oncology.
Em vez das tradicionais sessões pós-cirúrgicas de quimioterapia, o estudo incluiu seis semanas de quimio antes de o paciente ser operado, além de 18 semanas de tratamento após a cirurgia. Os resultados mostram que a técnica pode ajudar a reduzir o tamanho e o estágio do tumor, facilitando sua remoção cirúrgica, além de diminuir o risco de derramamento de células tumorais durante a cirurgia, reduzindo a chance de metástase.
O Inca (Instituto Nacional do Câncer) estima que em 2023 serão registrados 45.630 novos casos de câncer de intestino no Brasil, sendo 23.660 em mulheres e 21.970 em homens. O colorretal é o terceiro câncer mais diagnosticado no mundo e tem aparecido na mídia por causa de casos recentes entre famosos, como os ex-jogadores de futebol Pelé e Roberto Dinamite e o cartunista Paulo Caruso, mortos pela doença. Entre os homens é o terceiro câncer mais comum, depois do câncer de próstata e de pulmão.
Entre as mulheres, o câncer de intestino é o segundo colocado em incidência, atrás apenas do de mama. A cantora Preta Gil anunciou recentemente que foi diagnosticada com esse tipo de câncer e está em tratamento.
O novo procedimento representa uma mudança de paradigma no tratamento do câncer de intestino, principalmente nos casos mais avançados da doença, afirma o cirurgião Rodrigo Oliva Perez, coordenador do Núcleo de Coloproctologia e Intestinos do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo.
“No câncer de cólon é a primeira vez que houve modificação na ordem do tratamento”, diz Perez. “Para pacientes que tenham tumores claramente avançados, a gente consegue usar esse procedimento com bastante segurança. Em casos óbvios, muda o paradigma. Uma porcentagem significativa vai mudar o tratamento.”
O cirurgião, no entanto, faz críticas ao estudo. A primeira é que o resultado final do procedimento levou oito anos para ser divulgado, uma vez que os pesquisadores buscavam um resultado o mais positivo possível.
“Foi feita uma série de revisões e modificações estatísticas, porque os autores tinham interesse de que o resultado fosse positivo. O estudo está dando resultados positivos em dois anos [de tratamento]. A gente habitualmente usa tratamentos em três ou cinco anos, dois anos é um pouco diferente do que estamos habituados”, afirma Perez.
Ele afirma que, por causa da demora em divulgar os resultados, o estudo ficou defasado em relação a novas técnicas que surgiram no período, como a pesquisa de DNA tumoral circulante, que detecta o câncer no sangue e é uma ferramenta importante para definir o uso de quimioterapia pós-cirúrgica.
O médico apontou, ainda, que a quimioterapia foi realizada por 24 semanas após a cirurgia, sendo que atualmente o padrão é de 12 semanas —24 sessões seriam indicadas apenas para uma minoria.
Além disso, segundo o médico, 25% do grupo controle normalmente não precisa fazer quimioterapia depois da operação —por não serem casos muito graves ou porque o tumor diminuiu, por exemplo. No estudo, porém, todos os 354 pacientes desse grupo fizeram 24 semanas de quimioterapia pós-operatória. “Isso significa que esses pacientes devem ter feito tratamento desnecessário.”
Outra crítica feita pelo cirurgião do Oswaldo Cruz diz respeito à utilização de tomografia computadorizada para estadiar o tumor —ou seja, analisar a taxa de crescimento e a extensão da doença, além de determinar o tipo de tumor e sua relação com o hospedeiro. O ideal, diz ele, seria a ressonância magnética de alta resolução, que dá mais detalhes e nitidez às imagens.
“A tomografia tem limitações, e nisso acabam errando em 20% a 25% dos casos. Hoje em dia a gente faz a cirurgia baseada no resultado da biópsia, para sabermos quando existe o benefício ou não do tratamento.”
A preocupação de Perez é seguida pela oncologista e oncogeneticista Isabella Tavares, do Centro de Excelência em Oncologia de Maringá (PR), que reconhece a importância do estudo, mas também faz ressalvas principalmente à quimioterapia neoadjuvante (antes da cirurgia).
“Os efeitos colaterais tóxicos podem tornar o paciente inapto para a cirurgia. Outra possibilidade é causar progressão de tumores quimiorresistentes”, afirma. “É importante que mais pesquisas sejam realizadas para determinar os resultados de longo prazo após a quimioterapia neoadjuvante.”
Para comparar a eficácia dessa quimioterapia com a adjuvante padrão, os pesquisadores avaliaram a doença residual ou recorrente durante o período de acompanhamento de dois anos após a cirurgia.
A pesquisa foi realizada de maio de 2008 a dezembro de 2016 pelo FoxTrot, grupo colaborativo bancado pela Pesquisa de Câncer do Reino Unido, com 1.053 pacientes de 85 clínicas: 79 no Reino Unido (949 pacientes), três na Dinamarca (88) e três na Suécia (16).
A última fase consistiu em 699 pacientes com câncer colorretal avançado cujos tumores não haviam se tornado metástase. Isso incluiu pacientes cujo câncer havia crescido dentro ou através da camada mais externa da parede do cólon ou reto, mas não havia se espalhado para tecidos distantes.