Em “Carta Aberta”, médica denuncia abusos e influência política em unidade de saúde

Dr.a Rebeca Oliveira Araújo, do Hospital do PROBEM, município de Governador Nunes Freire, se dirige à população em geral.

Fonte: Redação

Numa “carta aberta” a colegas médicos, Conselho Regional de Medicina (CRM), imprensa e população em geral, a médica Rebeca Oliveira Araújo, do Hospital do PROBEM (Programa Universitário do Bem), do município de Governador Nunes Freire, denuncia abusos e influência
política em unidade de saúde.

Eis o relato da médica:

“No dia 15/03/2023, por volta das 17h45, eu estava de plantão no hospital PROBEM, no município de Governador Nunes Freire, quando ingressa ao consultório uma senhora acompanhada do filho que estava assintomático, sem se queixar de nada, no momento. Na maior arrogância, a mãe disse que tinha ido lá para mostrar uma endoscopia digestiva alta, que outro médico teria solicitado.

Falei que lá não era local de interpretação de exames, pois o local era de serviço de urgência e emergência, e expliquei que o quadro atual do paciente não se encaixava em nenhum dos dois. Orientei que ela precisava ir ao posto de saúde da área dela para marcar uma consulta e fazer o acompanhamento ambulatorial.

A mãe então subiu o tom de voz, dizendo que eu tinha que olhar o exame lá e passar a receita. Falei que não, e que ela precisava ir ao posto para ser feito o tratamento porque lá é que tinha acompanhamento para saber se a medicação estava sendo efetiva ou se ia precisar trocar de medicação, de acordo com o que ele estivesse sentido. Enfim, expliquei como funciona o atendimento na ESF e que na emergência não tinha como ter esse tipo de atendimento.

Mesmo com todo esse tumulto, eu ainda olhei a endoscopia e expliquei que não tinha nada agudo. O garoto estava com H Pylori e gastrite, que poderia ser tratado pelo posto.

Ela falou: “então quer dizer que você não vai me dar a receita”? Respondi que não. Aí ela gritou dizendo que me mostrava se eu não ia fazer essa receita, e que estava indo até a direção. Falei que ela podia ficar à vontade.

Algum tempo depois, uma senhora, conhecida como Dorylene, que se diz diretora do hospital, entrou no consultório falando alto, e, sem sequer me escutar, já foi tirando as conclusões de acordo com o que a paciente falou pra ela. O consultório estava lotado: eu, as duas internas, técnica, uma criança desidratada (que por sinal eu estava internando), os pais da criança, e a paciente do exame. Ela entrou no consultório com a endoscopia na mão, desmoralizando-me, gritando na frente dos pacientes e de toda a equipe, falando que eu tinha que fazer a receita porque lá era um hospital político, e que em hospital assim se faz o que eles mandam (tentando me coagir a fazer a receita contra a minha vontade).

Disse que eu era uma péssima médica pelo fato de não fazer um tratamento de uma paciente (uma paciente super arrogante e que não era emergência, era ambulatorial); falou que eu não servia para fazer plantão lá, porque não me enquadrava nas normas do hospital (já que é um hospital político).

Falei que terminaria o meu plantão e não pisava mais lá, e ela disse, alto e em bom tom, para todos que estavam lá, que ERA PARA EU ME RETIRAR DO HOSPITAL IMEDIATAMENTE; que era para eu ajeitar minhas coisas e ir embora do plantão, porque não me queria mais lá.

No dito hospital, tem-se a mania de querer que os médicos atendam, de forma prioritária, pacientes que são da situação política. Muitas vezes eu fui à sala da direção atender esses pacientes, pois esses ditos não podem esperar como a população em geral, o que já é um absurdo. Foi a situação mais constrangedora que eu já vivi na minha vida profissional, mais humilhante. Senti-me totalmente coagida, desmoralizada, desprotegida.

Fui para o repouso médico arrumar minhas coisas, e lá comecei a chorar. E mesmo tentando me controlar, não conseguia me manter forte. Mesmo assim, arrumei minhas coisas e decidi ir embora. Eu estava no exercício da profissão médica, dentro de um estabelecimento de saúde público, com meu CRM ativo, prestando toda a atenção que a população merece e realizando o meu trabalho de forma digna.

É inadmissível que nós, médicos, que nós, como sociedade, continuemos a aceitar esse tipo de absurdo. Onde está a autonomia médica? Para que estudamos durante 6 anos? Não podemos mais aceitar esse tipo de abuso das pessoas que estão à frente dos serviços de saúde e que não respeitam a autonomia médica; e, nesse caso, não respeitam nem a população, pois estão fazendo de um hospital público um hospital onde a prioridade é atender aliados políticos, e não o povo que mais precisa no momento.

Creio que nesse momento devemos nos unir como médicos, em prol da nossa classe e em busca de reivindicações para repudiar esses acontecimentos, de modo que tenhamos nossa autonomia profissional respeitada e que se puna os responsáveis por tamanha falta de compromisso e de respeito com a classe”.

(Dra. Rebecca Oliveira Araújo – CRM-MA: 12363).

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