Basta digitar “Ozempic” nas buscas de redes sociais para encontrar vídeos mostrando pessoas dizendo que emagreceram usando o medicamento e dando seus depoimentos sobre ele.
Foi buscando esse resultado que a publicitária Gabriela*, de 29 anos, decidiu fazer o uso do medicamento sem orientação médica e acabou parando na UTI e quase teve uma insuficiência hepática – quando o fígado para de funcionar.
Após assistir a esses vídeos nas redes sociais, Gabriela decidiu usar o Ozempic, uma “canetinha” com uma agulha na ponta, sem acompanhamento médico em julho do ano passado. Ela também conhecia algumas amigas que faziam o uso do medicamento e estavam perdendo peso rapidamente.
“Comecei a ser impactada pelos vídeos, até brinco falando que fui influenciada pelo meu próprio trabalho já que sou publicitária. O algoritmo começou a me apresentar diversos vídeos falando sobre o uso do Ozempic e seus resultados positivos. Então, eu coloquei na minha cabeça que se eu tomasse, iria dar super certo também”, relata.
Na época, a publicitaria estava insatisfeita com o próprio corpo após engordar 10 quilos durante o período de pandemia e passar do manequim 40 para o 44. Trabalhando em home-office, ela deixou de ir caminhando até o escritório em que trabalha, em São Caetano do Sul, aumentando o seu sedentarismo e contribuindo para o ganho de peso.
Em nota à BBC News Brasil, o laboratório Novo Nordisk, fabricante o Ozempic explicou que o medicamento é indicado para o tratamento de adultos com diabetes tipo 2 insuficientemente controlado, como adjuvante à dieta e exercício físicos.
O fabricante acrescenta ainda que o medicamento deve ser utilizado e comercializado apenas sob prescrição médica, contraindicado para grávidas, lactantes e pacientes alérgicos à semaglutida.
Sobre as complicações tidas por Gabriela, após o uso sem prescrição do medicamento, o fabricante explicou que o medicamento não interfere na função do fígado.
“Ele pode ser usado em pacientes que possuem insuficiência hepática leve e moderada. A experiência em pacientes com insuficiência hepática grave é pequena. Mas não ocorre o aumento das enzimas hepáticas relacionadas ao uso do medicamento. Contudo, o aumento de enzimas pancreáticas pode ocorrer de maneira transitória e pacientes com histórico prévio de pancreatite devem utilizar o produto com cautela”, disse em nota.
“Os distúrbios gastrointestinais, tal como náusea, foram os eventos adversos mais frequentemente relatados, sendo a maioria transitórios, de intensidade leve e não levando a interrupção do tratamento. Esses eventos ocorreram em uma proporção semelhante em relação a outros análogos de GLP-1 já comercializados no Brasil. A interrupção prematura do tratamento devido a eventos adversos foi inferior a 10% em todos os grupos estudados1-7. Cabe ressaltar que o tratamento deve sempre ser orientado pelas recomendações fornecidas pelo médico responsável e deve basear-se em uma avaliação individual das necessidades do paciente”, acrescentou.
Ânsia e dor de cabeça
‘”Eu insisti muito para que meu namorado comprasse o medicamento para mim. E como uma forma de tentar me agradar, ele comprou em uma farmácia, sem receita ou qualquer tipo de restrição e pagou R$ 850. Não pensei em nenhum momento passar pelo médico, eu estava muito esperançosa que iria funcionar e eu emagreceria”, detalha a publicitária.
Logo após a aquisição do medicamento, Gabriela recorreu mais uma vez aos vídeos das redes sociais para aprender a aplicar a medicação e decidiu que usaria o Ozempic uma vez por semana, aumentando a dose em cada aplicação.
“Fiz a aplicação da primeira injeção. Comecei a sentir muita ânsia e dor de cabeça, mas até aí estava dentro dos sintomas esperados pela medicação e são previstos na bula. Na semana seguinte, eu resolvi aumentar por conta própria a dosagem, passando de 0,25 mg para 0,5 mg, achando que potencializaria os resultados”, recorda a publicitária.
Após a segunda aplicação, os sintomas ficaram mais intensos e a publicitária decidiu buscar ajuda médica indo ao pronto-socorro da cidade. Foram oito idas ao hospital para tratar os sintomas que não cessavam.
Com vergonha, a jovem não relatou aos médicos que estava usando o Ozempic sem acompanhamento profissional.
“Eu não parava de vomitar, sentia muita dor no estômago e passava o dia enjoada. Fui oito vezes ao pronto-socorro, para tomar medicação na veia e nada adiantava. Eu voltava para casa e continuava vomitando”, recorda.
“Fiquei com vergonha de falar para o médico que eu estava usando por conta própria, então falei que estava tomando Ozempic, mas que um médico tinha indicado”, acrescenta.
Após exames de sangue, os médicos constataram que a publicitária apresentava alterações no fígado e pediram que ela fosse internada. Devido à gravidade do quadro de saúde de Gabriela ela foi encaminhada para a UTI para que os médicos pudessem monitorar de perto as enzimas do fígado, que segundo a publicitária, a quantidade estava mais de dez vezes acima do considerado normal.
“Falei que não queria ficar na UTI e a médica foi bem sincera e disse “ou eu te interno para monitorar seu fígado, ou você pode ir para fila do transplante” porque caso as enzimas continuassem subindo meu órgão pararia de funcionar”, relata a publicitária.
Além do problema no fígado, a publicitária também foi diagnosticada com pedra na vesícula. Os especialistas não sabem se ela foi desencadeada pelo uso do Ozempic ou se a jovem já tinha o problema e só foi potencializado pelo medicamento.
Foram sete dias de internação na UTI, tomando medicações para dor e controlar o fígado. Com o tratamento, as enzinas do fígado de Gabriela reduziram, indicando a recuperação do órgão, descartando a necessidade de um transplante.
Recuperada, a publicitária passou a fazer musculação duas vezes por semana e já eliminou sete dos dez quilos que havia engordado durante a pandemia.