Justiça nos Trilhos questiona aplicação dos R$ 26 milhões pagos em 2023 pela Vale a São Luís

Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) é considerada indenização pela extração de minério.

Fonte: Luciene Vieira

A arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), só este ano, de janeiro a maio, chegou a R$ 26.422.012,82, aos cofres da Prefeitura de São Luís. O recurso é considerado uma indenização paga pela mineradora Vale pela extração de minério e deveria ser aplicada nas comunidades impactadas.

A advogada Valdênia Aparecida falou ao Jornal Pequeno sobre a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais e suas aplicações (Foto: Divulgação)

A Associação Justiça nos Trilhos, entidade que compõe o Comitê Maranhense da Sociedade Civil para o controle social da Cfem, afirmou que, os portais da transparência apresentam apenas o valor da receita, mas não como ele é aplicado, e busca no Ministério Público uma fiscalização sobre o caso.

Ao Jornal Pequeno, a advogada Valdênia Aparecida Paulino Lanfranchi, de 56 anos, informou que o valor do recurso depende do faturamento da venda do minério que pode variar. A lei determinaria que após deduzir os impostos, seguros, despesas com transporte com a venda do minério é que se calcula o ganho e, a partir daí, calcula-se, a partir do percentual estabelecido para cada espécie de minério, o valor a ser repassado pela mineradora à Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pela distribuição aos estados e municípios e para os órgãos de pesquisa. O percentual sobre minério de ferro, que é o principal, varia de 2% a 3.5%.

No ano de 2020, a Prefeitura de São Luís recebeu R$ 65.418.812,66. Em 2021, R$ 115.084.740,11. Em 2022, R$ 79.122.734,48. Já neste ano, de janeiro a maio, entrou no município de São Luís R$ 26.422.012,82. Essas informações estão disponíveis no Portal de Transparência da capital maranhense.

SEM INFORMAÇÕES

A advogada afirmou que, apesar das arrecadações, o Município não tem informado como o dinheiro está sendo gasto. Valdênia é membro da equipe de fortalecimento comunitário da Associação Justiça nos Trilhos. Segundo a advogada, até o ano de 2017, apenas municípios e estados mineradores recebiam o recurso da Cfem.

A advogada informou que foi com muito trabalho que organizações da sociedade civil e autoridades do Poder Executivo de municípios e estados não minerados, mas impactados por atividades relacionadas à mineração (municípios atravessados pela estrada de ferro, com entrepostos, siderúrgicas, porto etc.) conseguiram incidir para a aprovação da Lei 13. 540 de 2017, que os incluiu na lista de beneficiados. Embora a lei seja de 2017, o recurso só começou a ser repassado no ano de 2019.

A mineradora Vale atua no Maranhão desde os anos 80 e foi privatizada em 1997. Em 2019, devido a lei, ela começou a contribuir na forma de royalties, com os municípios e estados não minerados, porém impactados por suas atividades.

“Se a prefeitura de São Luís aplica devidamente o recurso oriundo da Cfem, é o que as comunidades mais impactadas querem saber. Pois, a lógica seria essas comunidades serem as primeiras beneficiadas com esse recurso nas políticas públicas, mas não é o que acontece. Ademais, a falta de transparência com as informações sobre o uso do recurso não permite a sociedade fiscalizar o seu uso ou saber se está sendo bem aplicado”, declarou Valdênia.

Segundo Valdênia, a Justiça nos Trilhos busca justamente saber como vem sendo aplicado esse recurso, pois, os portais da transparência apresentam apenas o valor da receita, mas não como ele é aplicado.

“A ausência de transparência pode indicar o mau uso do recurso. Uma das evidências é a reclamação das comunidades mais impactadas no município pela falta ou oferta precária de políticas públicas. A lei de 2017 proíbe o uso do recurso da Cfem para pagamento de salários (com exceção da educação) e de dívidas do município”, explicou Valdênia.

A advogada disse ainda que a lei é pouco precisa, pois ela apenas determina que o recurso não pode ser gasto com pagamento de folha de pessoal, pois sendo o minério um bem finito e criar dependência poderia provocar interrupções de serviços essenciais no futuro.

“O que a lei faz é orientar que, preferencialmente, pelo menos 20% do recurso seja destinado para atividades relativas à diversificação econômica, ao desenvolvimento mineral sustentável e ao desenvolvimento científico e tecnológico”, destacou Valdênia.

ITAPECURU-MIRIM

A advogada informou que há municípios que vem avançando no tema. Em ItapecuruMirim, segundo Valdênia, o prefeito Benedito Coroba aprovou a Lei n. 1601 de 1º de junho de 2023, que determina que 50% do recurso seja destinado às comunidades mais impactadas e cria o conselho gestor para a deliberação e controle do recurso com a participação da sociedade. A elaboração da lei contou com a assessoria do jurista Dr. Marlon Reis, responsável pela criação da Lei da Ficha Limpa, e com a efetiva participação das organizações civis, entre elas Justiça nos Trilhos, Inesc e Unicquita.

“Estamos trabalhando para que outros municípios, incluso São Luís, sigam o exemplo de Itapecuru Mirim”, afirmou Valdênia.

23 MUNICÍPIOS RECEBEM CFEM

No Maranhão, há o total de 23 municípios que recebem o recurso da Cfem. Os valores variam de cidade a cidade, devido o valor a ser recebido depender dos impactos da infraestrutura minerária em cada um. São Luís é o município com o valor maior por causa da ferrovia e do complexo portuário.

“Quanto à irregularidade da aplicação, precisamos apontar que a maioria da população desses municípios nem sabe que existe esse recurso ou como ele pode ser aplicado. Assim, também, os vereadores, em sua maioria, desconhecem a Lei sobre a Cfem. Como esse recurso chega diretamente aos cofres da prefeitura, observadas as poucas e vagas orientações da lei, o uso é de discricionariedade do prefeito, as casas legislativas dos municípios sequer têm feito o exercício constitucional de fiscalizar o seu uso. Sabemos de pesquisas que a maioria das prefeituras utiliza os recursos para a máquina pública e obras de infraestrutura, que muitas vezes beneficiam as próprias mineradoras”, frisou Valdênia.

POSSÍVEIS MELHORIAS COM O CEFEM

O assentamento rural Vila Concórdia situado ao lado do rio Pindaré e da Estrada de Ferro do Carajás, no município de Buriticupu, há anos pede a instalação de um poço de água para abastecer a comunidade e, junto com comunidades adjacentes, insiste em uma ambulância para os povoados rurais. Ocorre que até hoje a prefeitura alega falta de recurso.

Em São Luís, estudantes de comunidades impactadas reclamam melhorias nas escolas, na atenção à saúde e da falta de oportunidades de trabalho. Essas e outras frentes poderiam receber recursos da Cfem.

“É urgente que a sociedade tome conhecimento da Lei 13.540 de 2017 sobre a Cfem e exija que os/as prefeitos/as, mas também o governador do Maranhão, deem mais transparência ao uso desse recurso e, sobretudo, escutem as comunidades mais impactadas sobre como deve ser o seu destino”, finalizou Valdênia.

OUTRO LADO

A Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan), de São Luís, informou que os recursos repassados pela União, referentes à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), são mais uma fonte para o financiamento de programas e ações realizadas pelo município em diversas áreas. Dentre os programas financiados em 2023, com os recursos do Cfem, estão: Cultura, Patrimônio Cultural e Turismo; São Luís Mais Bela; Infraestrutura Urbana; Desenvolvimento Territorial; e Modernização e Atualização do Cadastro Técnico do Município.

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