Entrevista com o zootecnista, produtor rural em Alegrete – RS, ex-coordenador da comissão de pecuária de corte da Farsul, de 2020 a 2023, Pedro Pífero
Zootecnista, produtor rural em Alegrete – RS, ex-coordenador da comissão de pecuária de corte da Farsul, de 2020 a 2023.
Foto: Bela Magrela
A Granja Total Agro/Scot Consultoria: Há poucos dias, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) divulgou um ofício propondo a implantação de sistemas de rastreabilidade individual nos rebanhos bovinos e bubalinos. Esse ofício foi emitido pela comissão da cadeia de pecuária de corte do MAPA e encaminhado às autoridades do ministério. Acredito que o Brasil está começando tarde nesse negócio, considerando que existem alguns antecedentes, inclusive algumas propostas feitas pelo próprio Rio Grande do Sul entre 2011 e 2014. Conte-nos um pouco dessa história da rastreabilidade no Sul e no Brasil.
Pedro Pífero: Em 2012, tivemos um projeto de rastreabilidade que buscou informações em outros países que já estavam com a implantação em andamento (Austrália e Nova Zelândia), a fim de estudar como eles trabalhavam com a rastreabilidade e implementar essas práticas no Rio Grande do Sul. Acredito que o maior gargalo desse projeto é o fato de que o governo do estado queria aplicá-lo com obrigatoriedade, enquanto os produtores queriam que fosse voluntário e que começasse com os terneiros como foi feito no Uruguai em 2012 e, após isso, o projeto não teve continuidade. Em 2015, devido aos protocolos de exportação e importação de carne, a indústria lançou uma proposta de rastreabilidade no Rio Grande do Sul, prevendo a exigência por parte dos importadores. Entretanto, não houve continuidade no projeto, porque os mercados importadores ainda não estavam fazendo essa exigência. Entre 2020 e 2021, no mandato da ex-ministra Teresa Cristina, já havia uma intenção de tornar a rastreabilidade obrigatória, principalmente devido às relações comerciais com a China. Então, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) organizou uma conversa entre as federações para sugerir ao MAPA um modelo de rastreabilidade. Além disso, foi lançada uma consulta pública para que as entidades interessadas e a sociedade pudessem expressar suas opiniões sobre o assunto. Foi a partir desse momento que o projeto começou a tomar forma.
A Granja Total Agro/Scot Consultoria: Você não acha que o Brasil está chegando um pouco tarde nesse processo? Já que o que está nesse documento da Câmara Setorial da cadeia produtiva da carne é sobre uma rastreabilidade voluntária. Embora seja uma opção viável atualmente, acreditamos que em algum momento os mercados compradores irão exigir uma rastreabilidade compulsória, na qual todo o rebanho seja rastreado. Caso contrário, a adesão voluntária não trará benefícios significativos. Qual é a sua opinião sobre isso?
Pedro Pífero: Eu acredito que nós temos que ir à linha das exigências, então assim, certamente não foi implantado ainda porque o mercado importador não exige a rastreabilidade diretamente nos seus protocolos de intenção de importação. No momento que isso for feito, se não tivermos um projeto de rastreabilidade, acredito que será tarde, mas agora não acredito que seja tarde, até porque essa conversa está se montando e a exigência ainda não veio. Então, vem a pergunta: por que ainda não foi feito? A resposta é que não é tão simples assim, tem que ser um projeto de rastreabilidade amigável, não pode ser radical e nem pender somente para um lado. É como eu disse, o Brasil depende da exportação, então nós temos que nos adequar às exigências, só que há outra parte, esse é um custo muito alto quando se fala em sistema e, qual o sistema? Hoje temos o sistema que é a Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA), que controla a rastreabilidade e envolve um custo alto para se atualizar. Temos milhões de cabeças de bovinos no Brasil, imagina se todo mundo entrar hoje para rastrear? Não tem como, não funciona. O banco de dados não suporta.
A Granja Total Agro/Scot Consultoria: Então o que mudou entre aquele projeto do Estado e o projeto apresentado pela indústria?
Pedro Pífero: São vários pontos e, é como eu disse, em relação à viabilidade do projeto para os produtores. A busca é para que seja um projeto viável de implantação, já que são vários gargalos, como o banco de dados e o custo. No projeto do MAPA, uma empresa privada poderá fornecer esse banco de dados, devido ao alto custo associado. Além disso, existe a possibilidade de parceria público-privada, na qual a CNA poderia auxiliar nesse processo. É importante considerar também que há muitas propriedades pequenas, nas quais os produtores precisam de apoio em relação aos custos, fato que não pode ser deixado de lado, porque esses pequenos produtores precisam ter acesso. Foi estabelecido um prazo de 8 anos para que as federações decidam entre tornar a rastreabilidade obrigatória ou voluntária. Durante esse período, poderá ocorrer qualquer tipo de problema e haverá tempo para solucionar. Não adianta colocarmos como obrigatório hoje de forma precipitada e depois enfrentar problemas que possam prejudicar o setor. Portanto, seguimos trabalhando e conversando para implantar esse projeto. O primeiro passo agora é dado pelo MAPA, que deve publicar a normativa e adequar o sistema.
A Granja Total Agro/Scot Consultoria: Pedro, você está mais envolvido nisso e acompanha, há bastante tempo, essa questão toda de rastreabilidade. Então o que o produtor rural está achando disso? Porque é como você disse, o produtor pode pensar que vai custar muito caro, uma vez que os custos de implantação serão do Estado se a rastreabilidade for obrigatória, mas se for voluntário, os custos são do produtor, que deve ter uma visão de mercado e de futuro, para saber onde pode chegar utilizando essa ferramenta. Portanto, o que o produtor rural está achando sobre o projeto? O que será vantajoso para ele?
Pedro Pífero: O produtor está sempre com um “pé atrás”, em qualquer tipo de demanda nesse sentido de controle, de custo, e a rastreabilidade é realmente complexa, tivemos uma reunião no Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (FUNDESA) para tratar desse assunto, sobre esse projeto que foi enviado ao MAPA e a pergunta feita é “o que eu vou ganhar com isso?”, esse é o ponto! O que tem que ser trabalhado? O caminho do projeto deve ser amigável e passar credibilidade, como é uma adesão voluntária, nós precisamos que o produtor entenda e acredite, veja que tem retorno, que o mercado vai exigir adiante, então ele irá começar a acreditar. Esse é o nosso trabalho, é colocar para o produtor a importância disso, que é um caminho sem volta, se não for feito agora vai ser feito adiante, se não for realizado na base da liberdade e da conversa entre produtor e Estado, não funciona. Então queremos que o projeto tenha credibilidade e que o produtor enxergue isso, desde o início.