A cervejaria Kaiser, uma das marcas do Grupo Heineken no Brasil, foi adicionada à “lista suja” do trabalho escravo no país pelo Ministério do Trabalho, conforme anunciado nesta sexta-feira. Essa lista destaca empresas condenadas por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão.
A Kaiser foi condenada por sua associação com a transportadora Sider, que foi autuada em 2021 por submeter 23 motoristas, incluindo 22 venezuelanos e um haitiano, a jornadas extenuantes, condições de trabalho e moradia degradantes. Os trabalhadores também foram “recrutados de forma fraudulenta e ilegal” com promessas não cumpridas, de acordo com os auditores responsáveis.
O Grupo Heineken divulgou uma declaração esclarecendo que ficou “surpreso” com a situação encontrada na transportadora Sider durante a fiscalização e que a empresa não faz mais parte dos prestadores de serviço do grupo. Desde então, eles desenvolveram uma plataforma de controle de terceirizados para garantir o cumprimento das questões trabalhistas. Em relação à inclusão da Cervejarias Kaiser, uma empresa do Grupo, na lista, eles afirmaram que estão trabalhando ativamente para resolver a questão e estão comprometidos em colaborar com o mercado para melhorar os processos e modelos de trabalho, de forma a evitar que casos como esse ocorram novamente.
A Reuters também tentou entrar em contato com a Sider, mas não conseguiu estabelecer contato através dos números disponíveis no site da transportadora.
A Sider, que opera no interior de São Paulo, foi contratada pela Kaiser para transportar os produtos da cervejaria. De acordo com a lei de terceirizações, a empresa contratante é responsável por garantir as condições de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores quando o trabalho é realizado em suas dependências ou em locais previamente acordados no contrato.
Durante a fiscalização conduzida pelos auditores fiscais do trabalho em março de 2021, os motoristas contratados pela transportadora estavam trabalhando em turnos de até 18 horas diárias sem descanso remunerado semanal. Apesar de ter prometido alojamento, a empresa não forneceu espaço, resultando em os trabalhadores dormindo nos próprios caminhões em que trabalhavam, conforme constatado pela autuação. Além disso, a fiscalização descobriu que a empresa cobrava dos trabalhadores, sem esclarecimentos adequados, custos de nacionalização de documentos e registros para permitir que estrangeiros trabalhassem no país. Os venezuelanos foram contratados através da Operação Acolhida, organizada pelo governo federal para auxiliar na interiorização de imigrantes que chegavam ao Brasil através de Roraima, fugindo da crise em seu país de origem.
A inclusão na lista do Ministério do Trabalho ocorre após o encerramento do processo administrativo em todas as instâncias e tem uma validade de pelo menos dois anos, durante os quais a empresa fica sujeita a supervisão.
Quando uma empresa é incluída na lista, ela fica impedida de participar de licitações para serviços públicos e perde o acesso a financiamentos de bancos estatais. Em muitos casos, bancos privados também utilizam essa lista para avaliar os riscos de crédito das empresas.
Além disso, o Ministério Público do Trabalho iniciou uma investigação civil contra o Grupo Heineken, e em dezembro de 2022, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que a empresa se comprometeu a fiscalizar todas as empresas em sua cadeia produtiva e garantir o cumprimento das leis trabalhistas. Como parte desse acordo, a empresa pagou 500 mil reais em danos morais coletivos, que foram destinados a uma entidade que oferece cursos de capacitação para jovens de baixa renda. O grupo também informou que investiu 20 milhões de reais para criar instalações dedicadas aos motoristas dentro das cervejarias, incluindo áreas de convivência, vestiários com chuveiros e restaurantes.
A lista de empresas e pessoas condenadas por trabalho análogo à escravidão divulgada esta semana é a maior já registrada desde sua criação em 2004, durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela inclui 204 nomes, principalmente fazendas e empresas de agropecuária e alimentos, mas também empresas de construção civil, confecções e pessoas físicas condenadas por manter trabalhadores domésticos em condições de escravidão.