Caso sobre o maranhense que sequestrou avião da Vasp vira filme

Raimundo Nonato Alves da Conceição queria atingir o Palácio do Planalto e ‘acertar contas’ com José Sarney.

Fonte: Com informações de Morillo Peres, TV Globo, e BBC NEWS Brasil

Há 35 anos, no dia 29 de setembro de 1988, o maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição entrou em um avião comercial da antiga Vasp decidido a atingir o Palácio do Planalto, em Brasília. Ele sequestrou a aeronave e disse que iria “acertar contas com o presidente da época”, José Sarney.

Raimundo Nonato Alves da Conceição sequestrou avião comercial da Vasp (Foto: TV Globo/Reprodução)

Natural de Vitorino Freire, Raimundo Nonato era de uma família pobre do interior do Pará, e tinha um estilo de vida reservado e sem vícios. Foi tratorista em várias empresas de construção, e chegou a trabalhar em obras da empreiteira Mendes Júnior no Iraque.

Na época, com 28 anos, havia sido demitido de uma obra, e ficou em situação difícil por não conseguir encontrar outro emprego. No final da década de 80, o Brasil enfrentava uma péssima fase econômica com elevados índices de desemprego e inflação. Raimundo decidiu punir quem achava ser culpado pela má situação pela qual ele e o país passavam.

O voo do Boeing começou em Porto Velho (RO) ainda de madrugada, rumo ao Rio de Janeiro (RJ). Comandado pelo piloto Fernando Murilo de Lima e Silva e pelo copiloto Salvador Evangelista, a aeronave tinha escalas em Cuiabá (MT), Brasília (DF), Goiânia (GO) e Belo Horizonte (MG).

Por volta das 10h da manhã, 60 pessoas embarcaram na última etapa do voo, no Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, juntando-se aos outros 38 que já estavam a bordo. Após 20 minutos, Raimundo anunciou o sequestro.

Carregando uma arma calibre 32 e mais de 100 balas, ele disparou contra a porta do cockpit do Boeing 737-300. Na época, os equipamentos não eram blindados, e o comissário Ronaldo Dias, que tentou impedir a invasão da cabine, acabou baleado.

O painel do avião também foi alvo de tiros. Depois, a perna de um terceiro tripulante, Gilberto Renhe, que tinha acabado de embarcar em Belo Horizonte.

‘Código 7500’

Ao perceber a situação, o comandante Fernando Murilo acionou pelo transponder o código 7500, que significa sequestro. Mas, ao abrir a porta da cabine, Raimundo atirou na nuca do copiloto Salvador Evangelista, que morreu na hora.

Raimundo mandou desviar a rota e voltar para Brasília. O objetivo do homem era atirar o avião, com 108 passageiros, incluindo ele e mais sete tripulantes, contra o Palácio do Planalto. No entanto, com o código de sequestro acionado pelo piloto, a Força Aérea Brasileira (FAB) mandou um caça Mirage perseguir o avião.

Depois de sobrevoar Brasília por algum tempo, o piloto enganou Raimundo, dizendo que a visibilidade estava ruim, e o convenceu a seguirem para Goiânia. Enquanto sobrevoavam a cidade, aumentava o risco de “pane seca”, que é quando o combustível acaba.

Nesse momento, Raimundo pôs a arma na cabeça do piloto e mandou que ele desviasse para São Paulo. Com o copiloto morto e sem mais muito tempo no ar, pensando não ter mais nada a perder, o piloto Fernando Murilo resolveu arriscar.

O piloto – que tinha formação militar – começou a executar manobras consideradas muito perigosas. Foi assim que, pela única vez na história, um Boeing 737 entrou em um “tunneau barril” – manobra que só é vista entre aviões militares, em que a aeronave circula o próprio eixo – em uma tentativa de derrubar o sequestrador, que não funcionou.

O piloto, então, arriscou ainda mais e colocou o avião em “estol”, ou seja, em uma queda livre de 9 mil metros, e em parafuso. Raimundo finalmente caiu, já perto do Aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia.

O piloto Fernando Murilo conseguiu pousar em segurança. No entanto, Raimundo recuperou a arma e o domínio do avião, e foi iniciada uma negociação com a polícia que ainda durou duas horas.

Como parte da negociação, a Polícia Federal colocou um avião Bandeirante à disposição de Raimundo. Era noite quando ele desceu do Boeing da Vasp e, no nomento em que se dirigia ao avião menor, foi alvejado nas pernas.

Raimundo ficou internado em Goiânia e morreu dias depois, de anemia falciforme. A causa foi tão inesperada que deixou suspeitas de que ele poderia ter levado uma injeção letal, mas o caso nunca foi investigado.

Investigador de acidentes aeronáuticos e gestor de crises, Mauricio Pontes, CEO da C5i Crisis Consulting, explica à reportagem que um sequestro como este não aconteceria nos dias de hoje por conta dos protocolos de segurança implementados de lá para cá.

“A começar pela revista no embarque, equipamentos, regras para transporte de arma a bordo e treinamentos específicos”, enumera ele, lembrando que isso tudo “poderia ter feito diferença”. “Mas a cultura da época não contemplava esses cenários no país”, comenta.

O piloto Fernando Murilo morreu em 2020, aos 76 anos, vítima de insuficiência respiratória.

O FILME

A ideia do filme, que se chamará ‘O Sequestro do Voo 375’ veio em consequência a um outro “quase acidente”. No caso, envolvendo o jornalista Constâncio Viana Coutinho, que em 2011, atuando como correspondente da TV Record na África, esteve em um avião que precisou fazer uma manobra arriscada em Moçambique.

“Foi uma situação bem séria, com o avião apontando o bico para baixo. Achei que aquele momento seria o fim de minha vida. Foi tão traumático que eu desenvolvi síndrome do pânico e desde então tenho muita dificuldade para entrar em avião”, relata o jornalista.

O fato fez de Coutinho um obsessivo pesquisador de acidentes aéreos. E então, recuperando o caso da Vasp, ele passou a esboçar um roteiro para um documentário.

“Mas não foi possível fazê-lo, não consegui apoio, financiamento”, frisa.

Mais tarde, contudo, seu roteiro acabou caindo nas graças do roteirista de cinema Lusa Silvestre. “E resolvemos que seria um filme”, diz Coutinho. “Ele [Silvestre] foi o primeiro cara que entrou no negócio, disse que estava dentro. Então eu passei a buscar outras pessoas para contar as lembranças do acontecimento”.

Cena de gravação do filme ‘O Sequestro do Voo 375’, que abordará o episódio (Foto: Divulgação)

Coutinho ressalta que o filme “é uma homenagem direta ao piloto”, que teve “papel heróico” reconhecido por “todos os passageiros”. “Ele pousou praticamente sem combustível e fazendo manobras impensadas. Morreu [em 2020] com uma grande mágoa porque mesmo depois de tudo oque ele fez, de ter salvado tantas vidas, o Sarney nunca reconheceu isso, nunca agradeceu.”

Com o filme prestes a ser lançado, o jornalista pretende também publicar um livro a respeito. O título provisório é ‘Nas Mãos Certas’.

Em conversa com a BBC News Brasil, o roteirista Silvestre enfatiza que o que será visto nas telas “é uma história real”. “A gente não mudou a história. O que fizemos foi lançar um pouco mais de luz sobre algum personagem aqui e ali, contar um pouco mais, imaginar os subterrâneos do governo federal enquanto estava-se lidando com o sequestro”, comenta. “Mas a história é real, inclusive as acrobacias feitas pelo avião.”

“E incrivelmente teve um cara mesmo que sequestrou um avião para jogar no Palácio do Planalto”, resume.

CEO do Estúdio Escarlate, a produtora Joana Henning conta à reportagem que o maior desafio empreendido pela equipe foi fazer “um tipo de filme que nunca tinha sido feito no Brasil” — no caso, uma história de ação envolvendo um avião.

“As referências de desenho de produção eram todas internacionais. Tivemos de criar soluções alternativas com menos recursos, conseguindo dar qualidade para a cena de ação que o filme merecia”, destaca, revelando que para isso foram empregadas técnicas circenses e recursos das indústrias do carnaval e da publicidade.

O diretor do filme, Marcus Baldini lembra que “esse é o 11 de setembro brasileiro, o quase 11 de setembro brasileiro”.

“E é muito surpreendente que ninguém conheça essa história”, diz ele, à BBC News Brasil. “O filme é um jeito de contar para as pessoas uma história muito importante que estava esquecida, sobre um herói brasileiro que salvou a vida de 110 pessoas com suas habilidades e capacidade de manter o controle. E isso foi importante para que essa história tivesse um final minimamente feliz.”

O especialista Pontes reconhece que se trata de uma história por muito tempo relegada ao esquecimento. “O sequestro do Vasp 375 foi sumariamente apagado da memória nacional. Não teve a repercussão internacional que merecia, tampouco”, diz.

‘O Sequestro do Voo 375’ tem estreia prevista para dezembro.

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