Seguindo entendimento do Ministério Público Federal (MPF), a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, negou recurso da defesa de Raimundo Nonato Ferreira de Sousa, um dos envolvidos no assassinato do indígena Paulo Paulino Guajajara. O crime ocorreu no dia 1º de novembro de 2019, dentro da Terra Indígena (TI) Araribóia, próximo ao município de Bom Jesus das Selvas, no sul do Maranhão.
Paulo era membro dos Guardiões da Floresta, um grupo de cerca de 120 indígenas Guajajaras que lutam contra a extração ilegal de madeira na TI Araribóia. Integrantes do grupo e familiares de Paulo Paulino Guajajara acompanharam a sessão. Com a decisão, em Brasília (DF), o processo seguirá sua tramitação e voltará para a 1º Vara da Justiça Federal no Maranhão, para realização das próximas fases processuais necessárias para o julgamento dos réus pelo Tribunal do Júri, conforme já determinado em decisão anterior.
Os réus Raimundo Nonato Sousa e Antônio Wesly Nascimento Coelho respondem pelos homicídios qualificados, por motivo fútil, do indígena Paulo Paulino Guajajara e do não índio Márcio Gleik Moreira Pereira, além da tentativa de homicídio do indígena Laércio Sousa Silva, ocorridos na mesma ocasião.
Alegações da defesa
No recurso, a defesa pedia a reforma da sentença de pronúncia – decisão que aceita as acusações feitas contra o réu e encaminha o processo para julgamento no Tribunal do Júri. Foi alegada a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o caso, a incompetência territorial da Seção Judiciária do Maranhão e a ausência de indícios de que o acusado seja autor dos crimes imputados.
Manifestação do MPF
O julgamento do recurso foi acompanhado pelo procurador regional da República José Robalinho Cavalcanti que, em sua manifestação, rebateu as alegações da defesa, reforçando os termos do parecer do procurador Regional da República Luiz Fernando Viana. José Robalinho defendeu a competência da Justiça Federal, pelo caso não se tratar de uma desavença particular que envolveu os indígenas. Os crimes ocorreram enquanto os indígenas estavam lutando em defesa da floresta, de seu território e da sua cultura. Nesse caso, a competência será da Justiça Federal toda vez que a questão envolver disputa sobre direitos indígenas, incluindo direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Sobre a competência territorial, o MPF defendeu, em parecer, que existe a incerteza em relação ao exato local da consumação do crime, considerando a grande área que compõe a Terra Indígena Araribóia. A TI é composta por florestas de difícil acesso e situada em zona limítrofe de seis municípios maranhenses. Outro fator que dificulta a localização precisa do crime é a informação de que a própria comunidade indígena realizou a movimentação dos corpos. Assim, diante de tal incerteza, a competência deve ser definida em favor daquele que primeiro conheceu dos fatos e permanecer na subseção judiciária do Maranhão, localizada em São Luís.
No parecer, o MPF contesta, ainda, a alegação da defesa sobre ausência de indícios para pronunciar o réu: “Realmente, neste momento processual, as provas reunidas mostram-se suficientes para que Raimundo seja submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença, até porque, na primeira fase do procedimento do Tribunal do Juri, mesmo havendo dúvida quanto à autoria, o réu deve ser pronunciado, em observância ao princípio in dubio pro societate, que vige nesta fase”, diz trecho da peça.
Decisão do TRF1
Em entendimento semelhante, o desembargador Pablo Zuniga, relator do recurso, apresentou seu voto para negar o provimento do recurso em sentido estrito. “Não há dúvida de que há um pano de fundo de proteção a comunidades indígenas e a própria terra Araribóia, que é, na verdade, o que nos faz concluir, de forma singela, que a competência é mesmo da Justiça Federal”, apontou em trecho de sua decisão.
O relator foi acompanhado pelos magistrados da 4ª Turma do TRF1, que negaram provimento ao recurso por unanimidade. Após cumpridos os prazos e não havendo novos recursos, o processo retornará a seção judiciária do Maranhão para os trâmites processuais até o julgamento pelo Tribunal do Júri.
Guardiões da Floresta
Lideranças indígenas e familiares de Paulo Paulino Guajajara estiveram presentes no julgamento do recurso. A advogada e assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Carol Hilgert, frisou o sentimento de justiça que o julgamento do recurso traz para os indígenas Guajajara.
De acordo com a advogada, diversos assassinatos ocorreram na TI Araribóia contra os Guardiões da Floresta. E, em 20 anos, o caso de Paulo Paulino é o primeiro que tem uma sentença de pronúncia. Relatório de Violência contra os povos indígenas, publicado anualmente pelo Cimi, contabiliza 41 assassinatos contra o povo Guajarara nos últimos 20 anos. Desses casos, 19 ocorreram na TI Araribóia.
Histórico do caso
De acordo com a denúncia do MPF, constatou-se que, no período de 30 de outubro a 1º de novembro de 2019, os denunciados, utilizando motocicletas e portando armas de fogo, entraram e permaneceram na Terra Indígena Araribóia para caçar e perseguir espécimes da fauna silvestre, sem a devida autorização legal.
No dia 1º de novembro, ao retornarem da caçada, os acusados sentiram a falta de uma motocicleta e perceberam que as que ficaram haviam sido danificadas. Então, os caçadores realizaram buscas, seguindo os rastros do veículo, e, ao chegarem na região próxima à cacimba, nos arredores da localidade Lagoa Comprida, encontraram os indígenas, bem como a motocicleta, apreendida por eles com a intenção de demonstrarem às autoridades a presença ilegal em sua Reserva Indígena.
Nesta ocasião, foram efetuados os disparos de espingarda pelos denunciados Antônio Wesly e Raimundo Nonato, que atingiram os indígenas Paulo Paulino Guajajara, que morreu, e Laércio Sousa, que ficou ferido, além de Márcio Gleik, que foi atingido por engano e também veio a falecer.