Manuscrito achado na Câmara de São Luís revela ‘título de cidadão indesejável’ a Chatô

Chateaubriand foi dono de um império de quase 100 jornais no país, entre as décadas de 1910 e 1960.

Fonte: Redação

Longe de ser um amontoado de papéis velhos e empoeirados, o Setor de Documentação da Câmara Municipal de São Luís (CMSL) mantém, de forma organizada e acessível, documentos elaborados pelo Parlamento ludovicense que mostram um pouco da sua rica história de 403 anos. Uma escritura localizada no acervo histórico conta detalhes de uma lei histórica, que foi aprovada, em 21 de janeiro de 1957, que concedeu ao senhor Assis Chateaubriand – o Chatô, o título de cidadão indesejável da capital maranhense.

Lei histórica da Câmara Municipal concedeu láurea ao senhor Assis Chateaubriand (Foto: Divulgação)

O manuscrito foi revelado nesta semana durante uma visita técnica dos servidores da Casa ao espaço, localizado na Rua do Giz, nº 317, no Centro, visando absorver conhecimento sobre as boas práticas da arquivologia. Na ocasião, o historiador Carlos Neto, que trabalha há quatro anos no setor, explicou que a láurea neste sentido foi a única localizada até o momento no arquivo do Legislativo.

“A gente observa várias homenagens vez ou outra entre aquilo que é aprovado na Câmara, inclusive, algumas leis que vão ser aprovadas como questão de honra ao mérito, justamente para fazer esse destaque às personalidades daqui da cidade. Agora, para a questão da curiosidade, temos um caso muito específico aqui, muito específico mesmo, que é uma ‘desomenagem’ a uma figura de destaque que foi considerado um cidadão. Trata-se do senhor Assis Chateaubriand, que tem um título de cidadão indesejável de São Luís. Isso é algo bem singular dentro da Câmara”, relatou.

Chatô foi considerado um indesejável em São Luís a partir do Projeto de Lei nº 10, que dispõe sobre a concessão de título. A propositura tem apenas dois artigos. Na época, foi aprovada por 10 a 3. O manuscrito passou à história como um dos grandes documentos das bravas lutas de resistência do povo ludovicense contra a opressão.

Segundo levantamento da Agência Câmara SLZ, o decreto foi aprovado em sessão presidida pelo professor Mata Roma, famoso educador maranhense, tendo sido apresentado ao plenário pelo representante do Partido Republicano, vereador Mário Silva, e justificado pelo vereador Geraldo Moreira, do Partido Social Progressista.

Naquele período, votaram a favor do projeto os seguintes vereadores: Manoel Fonseca, Diógenes Silva, Geraldo Moreira e o presidente Mata Roma, todos do PSP; Sidnei Maciel, Fernando Lima e Eliezer Faras, do PDC; Mário Silva, do PR; João Itapari e Walter Fontoura, do PSD.

A pesquisa histórica apontou que somente três vereadores votaram contra a matéria. Foram eles: Nélio Coelho e Arikerne Machado, do PSD; e Walter Ferreira, do PTB.

Conforme recomendação da própria Câmara, a secretaria expediu ofício ao senhor Chateaubriand, que na época era senador pelo Maranhão, comunicando-lhe o novo título que acabara de receber, sendo feitas comunicações semelhantes ao presidente da República, presidentes do Senado e Câmara e ao ministro das Relações Exteriores.

VETO DERRUBADO

Naquele período, São Luís tinha um prefeito nomeado chamado José Burnett, que vetou a lei da Câmara, mas o seu veto foi derrubado por dez votos contra um. Desse modo, a lei entrou imediatamente em vigor, sendo enviado o seu texto como gentileza interparlamentar ao Conselho Municipal de Londres e, por cortesia, ao senhor Maurice Harold Macmillan, primeiro Ministro da Inglaterra.

REVOLTA COM O ‘CIDADÃO’

A praça João Lisboa, em São Luís, que era termômetro da vida política, não recebeu bem a iniciativa da Câmara. Achou que o nome de ‘cidadão’ não assentava bem a Chatô, mas, sim, o de ‘indivíduo’. Um vereador sugeriu que a decisão fosse comunicada à polícia, pois, embora Chatô estivesse protegido pelas imunidades parlamentares, não seria demais que a autorida policial tomasse conhecimento daquele ato.

Placa de bronze

Na mesma época, foi iniciado um momento na capital maranhense, visando doar à Câmara de Vereadores uma placa de bronze com o texto do decreto. Os autógrafos da lei serão solenemente depositados no Arquivo do Estado, tão pronto possa ser realizado o ato de entrega.

QUEM FOI CHATÔ?

Francisco de Assis Chateaubriand nasceu no dia 04 de outubro de 1891, em Umbuzeiro, Paraíba. Filho de Francisco José Bandeira de Melo e de Maria Carmem Guedes Gondim. Fez seus primeiros estudos em Campina Grande (PB) e na cidade da Paraíba, hoje João Pessoa, mudando-se, a seguir, para Recife, onde cursou o secundário no Colégio Pernambucano.

Francisco de Assis Chateaubriand (Foto: Reprodução)

Ingressou na Faculdade de Direito do Recife em 19 de março de 1908, bacharelando-se em 19 de março de 1913 e doutorando-se e tomando posse do lugar de professor substituto da primeira sessão (Filosofia do Direito) em 05 de janeiro de 1916.

Em 1917 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde se estabeleceu como advogado. Entretanto, é como empresário de comunicação que sua trajetória se destaca. No Recife, ainda estudante, estreou escrevendo para a Gazeta do Norte, colaborou também com o Jornal Pequeno e foi chefe de redação do Diário de Pernambuco.

Trabalhou no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil. Em 1934, quando adquiriu o periódico O Jornal, dá início aos Diários Associados, conglomerado empresarial que liderou a evolução dos modernos meios de comunicação do país. No campo político, Chateaubriand, que apoiou o movimento revolucionário de 1930, foi eleito senador pela Paraíba em 1952 e pelo Maranhão em 1955. Renunciou ao mandato para assumir a embaixada do Brasil na Inglaterra. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1954 ocupou a cadeira deixada por Getúlio Vargas.

Criador do Museu de Arte de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea de Olinda. Publicou inúmeros livros, artigos, discursos e conferências, entre os quais “Terra desumana – a vocação revolucionária do presidente Artur Bernardes” (1926) e “As nuvens que vêm” (discursos parlamentares, 1962). Faleceu no dia 4 de abril de 1968 em São Paulo.

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