O período carnavalesco chegou e é comum que o consumo de bebidas alcoólicas seja elevado entre os participantes das festividades. Para suportar os diversos dias de folia, muitos optam por uma tática: ingerir medicamentos que supostamente ajudam na prevenção da ressaca antes de sair de casa. No entanto, especialistas alertam que não existe nenhum remédio eficaz para prevenir a ressaca e recorrer a essa estratégia ainda pode acarretar em riscos para a saúde.
A ressaca é primariamente causada pela intoxicação decorrente do álcool. Quando consumido, o álcool precisa ser metabolizado em várias substâncias antes de ser eliminado do organismo”, explica André Bacchi, farmacêutico e professor de Farmacologia e Prática Baseada em Evidências na Universidade Federal de Rondonópolis (UFR). No entanto, não há nenhum medicamento que possa interferir nesse processo, minimizando suas consequências.
Isso inclui até mesmo o Engov, que se tornou conhecido pela famosa frase “um Engov antes, outro depois”. O próprio fabricante alerta que o medicamento não deve ser combinado com álcool. Bacchi explica que o Engov contém várias substâncias atuando simultaneamente, mas nenhuma delas interfere na intoxicação causada pelo álcool.
Para o farmacêutico, o fato de o Engov conter ácido acetilsalicílico poderia explicar, em certa medida, por que as pessoas acreditam que o remédio tem alguma eficácia contra a ressaca – afinal, essa substância analgésica está associada ao alívio da dor de cabeça, um dos sintomas após o consumo excessivo de álcool. No entanto, a dosagem de ácido acetilsalicílico no Engov é baixa. Para se ter uma ideia, o Engov contém 150 miligramas de ácido acetilsalicílico, enquanto que uma aspirina possui, em média, 500 miligramas.
O farmacêutico também alerta que a combinação de álcool com ácido acetilsalicílico pode prejudicar o estômago. Isso porque, como o próprio nome sugere, o ácido acetilsalicílico é ácido e pode aumentar a acidez estomacal. “E o álcool por si só já é agressivo para o estômago”, acrescenta. Ou seja, essa combinação pode aumentar o risco de gastrite e sangramentos gastrointestinais.
Outro perigo de tomar Engov antes de consumir álcool é que ambos têm efeito sedativo. No caso do medicamento, isso ocorre devido à presença de mepiramina, um anti-histamínico, enquanto o álcool é conhecido por ser um depressor do sistema nervoso central (SNC). “Quando as pessoas consomem uma grande quantidade de álcool, ficam sujeitas à sedação. Em casos mais graves, pode ocorrer até mesmo um coma alcoólico”, destaca Bacchi. “Ao combinar um medicamento que tem ação anti-histamínica nesse contexto, o potencial de sedação é aumentado”, acrescenta. Portanto, qualquer medicamento com esse tipo de função deve ser evitado.
Outro aspecto a ser considerado é que o Engov é conhecido por aliviar sintomas como dor de cabeça, náusea e enjoos. No entanto, quando uma pessoa consome álcool, esses são exatamente os sinais de alerta de que o consumo está excedendo os limites. Se o medicamento mascarar esses sinais, existe o risco de a pessoa continuar bebendo, o que pode resultar em coma alcoólico e outros incidentes.
“Muitos dos sintomas de mal-estar que experimentamos são sinais que nosso corpo nos dá para nos proteger”, ressalta Amouni Mourad, farmacêutica e coordenadora do Curso de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP). Ela observa que ao mascarar esses sintomas, acabamos ignorando uma alerta importante do nosso corpo.
O que diz a bula do Engov?
O fabricante de Engov informa que o medicamento não deve ser usado por pacientes com histórico de alcoolismo crônico, além de ser contraindicado com outras substâncias que deprimem o SNC e com bebidas alcoólicas.
O Engov é um medicamento indicado basicamente para alívio de dor de cabeça, azia e sintomas de alergia. O comprimido é uma combinação de diversos princípios ativos, entre eles o maleato de mepiramina, o hidróxido de alumínio, o ácido acetilsalicílico e a cafeína.
O primeiro desempenha o papel anti-histamínico, isto é, funciona como um antialérgico; o segundo é destinado ao tratamento da hiperacidez estomacal, a azia; o terceiro é o mesmo componente da aspirina, muito usado para o combate de dores de cabeça; e, por fim, tem a cafeína, que atua como um estimulante.
“Uma das recomendações é não tomar esse medicamento com álcool. Se a pessoa usa o remédio e toma álcool logo em seguida, já vai ter comprometimento, porque o álcool não é um bom veículo para nenhum medicamento, mesmo sendo esse”, reforça Amouni.
Em nota a Hypera Pharma, farmacêutica responsável pelo Engov, confirma que se trata de um medicamento com ação analgésica, antiácida e anti-histamínica, atuando também como estimulante suave do sistema nervoso central (SNC). “É indicado para dores de cabeça, azia, má digestão e indisposição, podendo ser ministrados até quatro comprimidos por dia”, informa. Em casos de sintomas persistentes, a marca recomenda que o consumidor procure um médico.
O que fazer, então, para não ter ressaca?
Em primeiro lugar, esqueça os remédios. A farmacêutica Amouni aponta dois comportamentos cruciais antes da ingestão do álcool: não beber em jejum e sempre se manter hidratado. “Ao beber, a pessoa sente saciedade e acaba não tendo fome. Só que o estômago precisa de comida. Além disso, se a pessoa beber bastante água no intervalo das bebidas alcoólicas, ela consegue diminuir o efeito deletério do álcool, amenizando a ressaca”, descreve.
Evitar a ingestão de bebidas de procedência duvidosa e aquelas com alta concentração de álcool são outras medidas capazes de aliviar um pouco a ressaca. É o que Bacchi chama de tentativa de redução de danos, já que não dá para garantir a prevenção ou eliminação da ressaca.
‘Mesmo assim estou com ressaca. O que fazer?’
O mais adequado é combater os sintomas de forma pontual, ao invés de tomar um medicamento com vários componentes. Por exemplo: se estiver com dor de cabeça, aposte em um analgésico voltado especificamente para isso, como a dipirona. Assim, não há interferência em outros aspectos.
“Claro que a gente também não quer incentivar a automedicação, mas é mais racional tratar pontualmente um sintoma específico que está se sobressaindo nessa ressaca do que tomar um kit achando que tá protegendo”, conclui Bacchi.